“Senhor Lennon” foi o que John escutou de Mark Chapman no dia 08 de dezembro de 1980, antes que cinco tiros fossem disparados. Lennon ainda conseguiu andar um pouco, mas logo caiu. Pouco tempo depois, alguns carros da polícia chegaram ao local e levaram John para o Hospital Roosevelt, mas o Beatle não resistiu e faleceu no mesmo dia.
Um dos fatos que mais mostram o que John Lennon representava aconteceu poucos dias depois da sua morte. Yoko Ono anunciou que John não teria um funeral mas, no dia 14 de dezembro, seis dias após o assassinato, cerca de duzentas mil pessoas se reuniram no Central Park e ficaram em silêncio por 10 minutos a pedido da própria Yoko, como forma de homenagem. Rádios do mundo inteiro também ficaram em silêncio por alguns minutos.
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O pós-Beatles
Lennon estava bem em 1970. Além do alívio por comunicar Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr que estava saindo dos Beatles o casamento com Yoko ia muito bem.
No entanto, um comentário em uma conversa com Yoko a deixou perplexa. “Ele me disse que, adolescente, costumava ficar no quarto de Julia quando ela tirava uma soneca à tarde. E que sempre lamentara nunca ter podido fazer sexo com ela”, lembra. Yoko imediatamente achou que o marido precisava de terapia para lidar melhor com traumas do passado, especialmente aqueles relacionados aos pais.
Pouco tempo depois John começou a fazer terapia com Arthur Janov, que tinha como método o grito primal. Para Janov a pessoa precisava colocar tudo que havia passado na infância para fora. “O nível do seu sofrimento era enorme. O maior que já tinha visto. Ele era quase completamente disfuncional… No centro de toda aquela fama estava apenas um menino solitário”, afirma Arthur. Ao que tudo indica a terapia teve grande influência até mesmo em Plastic Ono Band, primeiro disco solo de John após o término dos Beatles. Temas íntimos são retratados no álbum, que começa e termina com músicas para a mãe. A primeira (“Mother”) inclusive tem gritos de John no final que repetem várias vezes as frases “mamãe, não vá” e “papai, volte para casa”.
Enquanto o Plastic Ono ainda estava prestes a ser lançado, a família de John aumentou e sofreu uma perda ao mesmo tempo. Yoko passou pelo segundo aborto e John ganhou um irmão. Seu pai, Freddie, teve mais um filho com a nova esposa, Pauline.
Quando lançado, o primeiro álbum solo de John não foi um fracasso, mas Lennon acabou vendo George Harrison ser o Beatle mais bem sucedido naquela época com o álbum triplo All Things Must Pass. John não poupou críticas aos trabalhos solo de George e Paul em uma entrevista que deu nesta época.
Se o sucesso especialmente de George foi um estímulo ou não, é impossível dizer, mas o disco seguinte de John foi o Imagine, lançado em 1971. A música que deu nome ao disco acabou virando a mais famosa de sua carreira solo e tão importante quanto várias das principais feitas pelos Beatles enquanto estavam juntos.
Na vida pessoal as coisas pioraram nos anos seguintes. John começou a ter problemas para permanecer nos Estados Unidos por conta de uma acusação por posse de drogas alguns anos antes. Muitos dizem que o então presidente Nixon via figuras como John sendo uma ameaça e que ele queria o ex-beatle fora do país. Em seguida foi a vez do casamento com Yoko começar a passar por uma fase difícil.
Os dois discos lançados em 1972 e 1973 refletiram um pouco da vida de Lennon durante este período. O primeiro deles foi Sometimes in New York City que, com folga, é o disco mais politizado de John. Entre as canções do álbum tinha uma para Angela Davis, dos Panteras Negras, e “Woman is the nigger of the world”, censurada por conta da palavra “nigger”.
As polêmicas fora da música também continuavam. Certa vez ele e Yoko deram uma entrevista sem serem vistos, dentro de um saco branco. John chamou o episódio de “comunicação total” e deu exemplo para mostrar porque havia feito aquilo. “Bem, se um negro fosse a uma entrevista dentro de um saco, não haveria preconceito. Deve-se julgar as pessoas pelas qualidades que elas têm, não é?”.
O segundo disco do período foi o Mind Games que, embora a faixa título tenha virado um de seus clássicos, não foi um grande sucesso comercial. Nesta época o casamento com Yoko não vivia seus melhores dias e, embora não brigassem muito, Yoko já não sentia muita atração física por John. “Escute, John, a coisa está chegando a um ponto em que parece que não estamos mais apaixonados um pelo outro. Vamos ser um daqueles casais conservadores que ficam juntos só porque são casados?”, disse Yoko em uma das conversas que tiveram sobre sexo. E foi por conta da falta de química que os dois tinham nessa época que começou uma fase inimaginável para um casal que não desgrudava em nenhum momento.
Fim de semana perdido
O fim de semana perdido, nome que John deu aos meses seguintes, começou quando ele e Yoko concordaram que ele poderia ter outras parceiras e que faria isso longe dela, indo para Los Angeles. Depois Yoko sugeriu que ele não só fosse para Los Angeles, mas que deveria ir para ficar com a sua assistente, May Pang, já que além de gostar muito dela, era muito bonita. John não quis sentir culpa sozinho por uma traição e disse que Yoko também deveria ter algum parceiro, sugerindo o guitarrista David Spinozza.
Nos meses seguintes, John e Yoko se falaram bastante, apesar da separação e dos novos parceiros. May Pang conta que chegou ver mais de 20 ligações entre eles em um só dia. O músico parecia se dar muito bem com May Pang, inclusive ela foi crucial para a reaproximação de John com o filho Julian.
Apesar disso, quando não estava falando com Yoko ou nos dias que passou com o filho, a vida era bem diferente. John e Pang chegaram a morar por pouco tempo com Keith Moon, Harry Nilsson e Klaus Voorman em um apartamento de Ringo, com quem também voltou a ter muito contato. Noitadas entre o grupo eram frequentes, como não é muito difícil imaginar.
O período deu origem ao disco Walls And Bridges. E, curiosamente, Paul foi em Los Angeles quando John iniciou as gravações. Se já tinha voltado a ter mais contato com o filho agora era o momento de reconciliação com Paul, que o visitou um dia no estúdio. Depois John o convidou para uma festa e a dupla tocou como sempre.
Foi também durante o fim de semana perdido que Lennon teve mais contato com Elton John, que acabou participando da gravação de “Whatever Gets You Thru The Night”, música que se tornou o grande hit do disco. Apesar disso, Lennon não parecia ter muitas esperanças com a música, tanto que duvidou da afirmação de Elton, que disse que a música chegaria ao número um das paradas. A dupla acabou apostando que, caso a música chegasse ao topo, Lennon voltaria a fazer um show depois de dois anos.
No dia 28 novembro de 1974, Lennon estava nervoso porque subiria em um palco para acompanhar o amigo Elton em seu show e pagar a aposta de poucos meses antes. O show seria em Nova York, aonde Yoko continuou morando durante a separação. John achou bom o fato de ela não estar lá pois, caso contrário, achava que não seria capaz de cantar em público de novo. Só que Yoko estava lá e não contou nada para ele.
Nas filmagens da apresentação, é possível ver Yoko na plateia admirando o show. Quando acabou, ela foi ao camarim e os dois voltaram a se falar pessoalmente. Durante as ligações, muitas vezes John pediu para voltar, mas ela dizia que ele não estava pronto. Nesse dia foi diferente, já que os dois estavam juntos novamente e conversando de mãos dadas.
A volta do casal e os seus últimos anos de vida
Quando os dois voltaram, Yoko ficou grávida novamente. Após dois abortos, o casal enfim conseguiu ter um filho, que recebeu o nome de Sean. Com a chegada da criança e depois do fim de semana perdido, o casal mudou radicalmente.
Tão improvável quanto John e Yoko separados – e sabendo dos parceiros que cada um tinha – foi a vida totalmente pacata que levaram nos anos seguintes. Um John Lennon interessado por culinária foi o que se viu dentro de casa, algo que quase ninguém via fora dela. Como pai, ele era totalmente atencioso e presente, sendo visto com frequência com Sean no Central Park. Até com os antigos companheiros de farra o contato diminuiu. Certa vez, Keith Moon estava em Nova York e disse a Yoko que queria ver o John. Quando Lennon ficou sabendo, disse que era melhor não encontrá-lo, porque seria para sair e beber muito.
De 1975 a 1980, John levou esta vida tranquila, longe dos palcos, de amigos antigos e dos excessos com bebidas e drogas. Mas as coisas começaram a mudar um pouco quando estava perto de completar 40 anos.
Após uma viagem de barco sem Yoko e com direito a tempestade e a John assumindo o controle do barco por um tempo, o ex Beatle ficou instigado a compor novamente. “Todas aquelas canções vieram… Depois de cinco anos de nada. Não tentava, mas nada vinha de qualquer maneira, nenhuma inspiração, nenhuma ideia, nada, e então subitamente vum vum vum…”.
A inspiração foi responsável pelo disco Double Fantasy, que contém o mesmo número de músicas de John e Yoko. Por ideia de John, não seria um lado de cada um, mas as músicas foram alternadas, como se fosse um diálogo entre os dois. Lançado em novembro de 1980, é nele que estão alguns dos grandes sucessos de John, como “Woman” e “Beautiful Boy”. Tudo estava indo bem e John estava promovendo o disco. Em uma das entrevistas, no dia seis de dezembro, disse que se sentia seguro em Nova York e que lá era possível ter paz.
Mark Chapman havia chegado em Nova York um dia antes desta entrevista. Antigo fã dos Beatles, ele acreditava que, por sair do estilo de vida que vivia nos últimos anos, John estaria traindo seus próprios ideais.
Um dia após a entrevista e dois depois de chegar em Nova York, Chapman conseguiu encontrar John. Quando isso aconteceu, começou a tirar fotos e isso deixou Lennon irritado a ponto dele sair correndo atrás de Mark para pegar a câmera.
No dia 08 de dezembro, Chapman estava com uma cópia do Double Fantasy e uma arma. Quando John desceu do prédio em que morava, Mark apareceu com o disco e pediu um autógrafo. O momento foi fotografado e John ainda perguntou se ele queria mais alguma coisa. A gentileza de John foi o motivo para Chapman abandonar a ideia inicial, de matá-lo naquele momento.
Quando voltou horas depois, John não escutou nenhum pedido do antigo fã. Escutou apenas uma frase que provavelmente ouvia com frequência: “Senhor Lennon”.
Fontes:
- Livro: John Lennon: a vida (2009)
- Documentário: Os Estados Unidos contra John Lennon (2006)
- Livro: The Beatles – Antologia (2002)
- Documentário: John e Yoko – só o céu como testemunha (2018)