Em 1997, Edmundo estava jogando pelo Vasco e fez a dança da bundinha no meio de um drible. Eu poderia citar vários outros exemplos nos quais o Funk invadiu o universo do futebol, mas decidi conversar com o Thiago Alves de Sousa – também conhecido como Thiagson –, doutorando em Música pela ECA-USP, que tem como o centro de sua pesquisa o Funk. Pra ele, futebol e funk são “a mesma coisa, o mesmo berço, mesma vivência. O mesmo Rolê”.
Em seu canal do Youtube, o Canaldothiagson, e em suas redes sociais, Thiago mostra o funk através de diversos olhares, transcreve partituras, critica a acadêmia e o pensamento cult de quem não respeita o funk. “Parte do meu trabalho é uma revolta que eu tive com as pessoas, acontece alguma lavagem cerebral que quando você começa a estudar música você já é meio aliciado, não pode tocar músicas que todo mundo gosta, que isso é menor. A função da universidade é dialogar”.
Durante a entrevista ele falou sobre o Samba, Funk, futebol, meio acadêmico e cultura. Segundo ele, “o tempo é quem legitima as práticas culturais”.
Rafa Durão: Você é um militante pela causa do Funk, certo? Você poderia me contar um pouco de como tem sido dentro da Academia?
Thiagson: Na academia a relação é um pouco tensa. A universidade tem sido muito aberta, desde que eu comecei a pesquisar o Funk eu nunca recebi nenhum não de artigo que mandei. Fiz o mestrado na Unesp e entrei no doutorado na USP numa boa. Quando eu mudei de instituição, eu fiquei muito preocupado de não ser aprovado, mas fui. Porém, eu percebo que dentre as pessoas que me odeiam, vendo nas redes sociais, muitas delas vieram da faculdade de música. Até tenho amigos próximos, pessoas que estudaram comigo e que tiveram os mesmos professores. Então a relação é tensa, por um lado a universidade tem sido aberta, mas por outro lado tem gente que me detesta por eu levar o funk pra lá. Fora da universidade, também é mais ou menos a mesma coisa, só que fora a maioria me detesta. Acho que fui o primeiro canal do Youtube, a ter mais dislike do que like. Mas isso continua sendo bom, os haters tem uma importância de divulgar o seu trabalho. Muitas vezes essas pessoas acabam divulgando mais seu trabalho do que quem gosta. Então é ótimo. Mas também tem muita gente que gosta e me procura, principalmente pessoas de outras áreas do conhecimento, pessoal da sociologia e ciências sociais respeitam mais meu trabalho do que músicos.
Vi algumas comparações em seu trabalho do funk com Samba. Como você vê essa relação?
Não sou só eu que faço isso, existem muitos pesquisadores que traçam essa relação. A primeira relação que interessa é que o samba sofreu o mesmo preconceito que o funk sofre hoje. Então, se a gente olhar pra história, fazendo um prognóstico: o samba sofreu, era uma música marginalizada, majoritariamente negra e passou pelo mesmo processo. Inclusive o samba [como o funk] sempre falou de droga: “Tem coca ai na geladeira”, do Bezerra da Silva. Tinha uma relação com a criminalidade. E o samba, assim como o funk, também nasceu no Rio de Janeiro e depois veio pra SP. E hoje em dia é um gênero aceito e até caro, considerando. Um vez, eu fui no show do Paulinho da Viola e, indo pro show, eu encontrei o Pedro Bial. Ou seja, o samba hoje em dia tem um público elitizado.
Através dessa comparação, podemos pensar que o funk também vai ser aceito e vai passar pelo mesmo processo. Porque o tempo é quem legitima as práticas culturais. Tem uma raiz negra no samba que é a mesma raiz do funk. Os ritmos usados, a sonoridade tem a raiz afro. Inclusive, o ritmo do funk é a mesma origem da marcha rancho. “ta tan tan ta tagadagada”. Esse ritmo de matriz afro.
Esse show que você foi, era o que estava a Marisa Monte cantando junto?
Eu acredito que sim.
Eu fui nesse show também (risos)
Então o Pedro Bial estava com a gente (risos)
O samba e o futebol tem uma relação muito profunda. E o futebol e o Funk? Como você enxerga essa relação?
É, eu acho que no fundo é o mesmo processo mas em outros tempos também. Eu tenho menos conhecimento da relação do samba com o futebol, mas, que há essa relação, sem dúvida. A gente tem 3 coisas na quebrada que dão esperança pra galera: Crime, futebol e a música, viver de arte. Aquela música “São os 4 cara que a bandida se amarra ” é uma forma boa da gente perceber o que dá esperança pra alguém que é da quebrada, de ascensão social e econômica? Arte, futebol, crime e empreendedorismo.
Primeiro tem essa relação de esperança, se você é um favelado, pobre, preto. Se você trilhar o caminho honesto, é pouco provável que você consiga ser uma pessoa rica, de destaque. A gente sabe muito bem disso. Agora, tem uma relação também que é o mesmo lugar. É uma questão cultural, a grande maioria dos jogadores de futebol saem da quebrada. Se a gente pensar, tem um poeta que é o João Cabral de Melo Neto, que quase foi jogador de futebol. E ele é um dos poetas mais herméticos da língua portuguesa. Existem também empresários e jogadores que patrocinam MC’s e vários canais famosos no Youtube que fazem paródias e vídeos de futebol com funk. As vezes rola paródia e as vezes rola de botar um funk famoso do momento com cenas de jogo.
Aquela música “País do futebol” do MC Guime com o Neymar, que foi lançada em 2014, certamente não foi uma música ingênua. Tem uma relação comercial de propaganda do Neymar, da Copa e do próprio futebol. É a mesma coisa que a gente pode supor da música “O Pai Ta On”, que ta em sucesso agora do Kekel, que quer dizer, “o Neymar ta voltando”. Tem uma proximidade comercial, no intuito de fazer um propaganda. O MC Niack, que ta com a música “Oh Juliana” estourando. Ele postou no Instagram o Neymar saindo do ônibus ouvindo essa música. O MC ficou todo emocionado. Eu vejo na minha página, conheço muito funkeiro e MC. O tanto que rola de falar do Neymar não é brincadeira (risos).
Ultimamente, várias comemorações de gol tem utilizado dancinhas de Funk. Até o Pogba, que é francês, fez um vídeo dançando “Baile da Gaiola”. Você acredita que futebol tem sido uma vitrine pro funk no mundo? Como?
Não tinha pensado nisso, mas pode ser. Acaba sendo uma vitrine da cultura brasileira de modo geral. É muito comum você ter um funk que estoura e quando um jogador faz um gol, ele vai la e comemora dançando aquele funk. Quando eu conheci o MC Roba Cena, em 2009 ele tava estourado com a música “Parado na esquina”. E ai o Neymar, lá no comecinho, fez um gol e dançou o parado na esquina. Até hoje isso é um exemplo pro Roba Cena de como a música dele estourou, de marketing e tals.
Você teria mais exemplos de momentos icônicos que juntaram o Funk e o Futebol?
Momento icônico eu não me lembro muito, mas acho que a questão é essa, não é necessariamente uma junção. É meio que a mesma coisa, o mesmo berço, mesma vivência. O mesmo rolê. Inclusive é o mesmo rolê de exploração, da mesma maneira que muitos jogadores de futebol são explorados, muitos MC’s também são. É uma indústria um tanto quanto cruel a do funk, que às vezes estoura um MC, ganha milhões e daqui a pouco ninguém nunca mais vai saber quem é aquela pessoa.
Como é a sua relação pessoal com o futebol?
Eu nasci na Bahia, e lá eu não entendia muito o porque a galera torcia muito pro flamengo. Mas quando eu vim pra São Paulo, meu tio me fez torcer pro Palmeiras. Mas confesso que virei a casaca e hoje em dia eu sou Corinthians. Mas eu também gosto muito do Bahia e do Flamengo. Confesso que eu fico vidrado no futebol durante copa do mundo.
E com o funk?
Minha relação com o funk é muito afetiva. Eu escuto funk pra me divertir, é um momento de ouvir o que eu gosto. E eu gosto de ouvir pra me emocionar. É engraçado que eu to ouvindo um putaria pesada e to me emocionando, como se eu tivesse ouvindo qualquer outra coisa como Beethoven ou Mozart. Inclusive, eu fui pesquisar o funk por isso. Percebi que escutar Beethoven me dava uma emoção, aí escuto funk e me dá a mesma emoção. Ou seja, essas fronteiras são só sociais, barreiras econômicas, de classe e de disputa de poder.
Quando eu comecei a fazer a graduação de composição na UNESP, eu não estava indo no funk. Eu estava muito em um caminho de fazer produção contemporânea, de eventualmente estudar na Europa e afins. Esse caminho já conhecido dentro do meio da música. Aí fui me revoltando muito com as pessoas e de perceber que nesse meio de arte contemporânea cult tem muita gente chata. É um meio insuportável, as pessoas perdem um pouco a noção da realidade. Me revoltei até com a própria profissão de músico, que é uma profissão muito difícil. Eu venho de uma família muito simples, ficava meio sem chão. Mas ao mesmo tempo sempre gostei muito de estudar e acho que sempre tive essa consciência de que a substância musical, muitas vezes, era a mesma coisa. Você pode aprender piano tocando parado no bailão, como uma aluna minha já fez, não necessariamente Mozart.
Quando eu fui pesquisar, me encantou perceber que nos estudos musicais ninguém fala do funk. O que acontece nessa área do conhecimento, que todo trabalho produzido sobre funk, que é um gênero musical, vem da sociologia da linguística, mas não da área da música. O que acontece com o meio musical? Ai como eu já estava muito revoltado com meus coleguinhas e professores da faculdade, eu comecei a fazer uma crítica a essa musicologia e a essa bolha de pessoas fora da realidade. Muitas vezes a gente estuda música no Brasil e acaba vivendo mais na Europa do que aqui.
Antes de ir, deixo aqui uma playlist feita pelo Thiagson pra gente poder sarrar a bunda no chão.