Na semana passada (21/06) foi o aniversário de 50 anos do tricampeonato mundial do Brasil. Pensando nisso, decidi fazer uma releitura da copa de 70 com alguns discos da época representando seus devidos países.
Para iniciar, comecei uma pesquisa e fui desenterrando algumas listas dos melhores álbuns daquele ano, como Let It Be, dos Beatles; Paranoid, do Black Sabbath; Bitches Brew, do Miles Davis; III, do Led Zepplin; etc. Eu fiquei muito decepcionado ao ver que alguns dos álbuns mais icônicos da música brasileira não se encontrava em nenhuma dessas listas, como o Tom Zé, do próprio; e o Milton, de Milton Nascimento.
Dito isso, eu distorci a ideia inicial para revisitar um pouco esses discos que são tão relevantes para a música brasileira, assim como o é o tri para o nosso futebol, mas que muitas vezes são esquecidos. São álbuns que batem de frente com seus contemporâneos como o dos Fab Four, do Pink Floyd, Black Sabbath e que confirmariam o 1 a 0 chorado em cima da Inglaterra na fase de grupos daquela copa.
É admirável o que faz Tom Zé em seu primeiro disco. A junção do humor e da ironia com a poesia concreta, os jogos linguísticos para transformar os nomes dos artistas gringos em algo banal e extremamente cotidiano. “Jimmy renda-se” é um grito de valorização da cultura nacional e uma revolta com a situação política, é um tapa de luva de pelica na cara do governo que se aproximava cada vez mais dos EUA.
É também um grande condensado do tropicalismo, quando ele coloca “Billy Halley Roleiflex” na letra. Billy Halley foi o cara do Rock quando gravou “Rock around the clock” em 1954 e Roleiflex foi a marca de câmera que ficou famosa no Brasil com “Desafinado”, um marco da Bossa Nova. Atravessar esses dois elementos não é coincidência, é tropicalismo puro, é a junção do rock e da MPB.
“Guindaste a rigor” é elegante, questionadora. É uma grande piada sobre a própria poesia concreta. Demonstra um certo duelo do poeta consigo mesmo que escreve sobre querer escrever. Faz jogos sobre as estrutura da música como “dez máquinas de concreto porque não gosto de violino”, “doze motocicletas no lugar do contrabaixo” e “um discurso do Nero para fazer o contraponto”. Mas, também é muito mais do que isso, é potente e certeira com “pendurado sem socorro já parou de balançar as pernas”.
É um disco que deveria marcar época assim como o tri marcou.
Em 70, Milton acabara de sair de duas experiências com o cinema: com o documentário Tostão, no qual fez o tema; e com a trilha de Os Deuses e os Mortos, do diretor moçambicano Ruy Guerra. Ele levou toda essa base cinematográfica para o disco Milton, que é cheio de clássicos como “Para Lennon e McCartney”, “Alunar” e “Clube da esquina”.
É uma grande paisagem sonora sobre sonhos e Minas Gerais. Não tem ponto fraco, é sólido do começo ao fim. “Para Lennon e McCartney” é o gol de Jairzinho que dá a vitória pro Brasil em cima da Inglaterra. Gol que não poderia começar diferente, que vem de Tostão, ídolo do Cruzeiro e de BH, que dá um rolinho dentro da área, toca para Pelé que entrega pra Jairzinho correr pro abraço. É time, é ginga e é Minas Gerais.
Nesse ano também foi lançado o disco Força bruta, de Jorge Ben Jor. Foi um disco quase unânime, sucesso comercial e da crítica.
Gravado a noite e na base do improviso, é um disco gentil, orgânico e difundido de melancolia. Explode com a idiossincrasia do samba-lamento de Jorge Ben e inicia o samba rock. “Zé Canjica” experimenta cadências rítmicas inovadoras, criando contrastes entre o Trio Mocotó, que foi a banda de apoio do disco, e as vozes e instrumentos de Jorge Ben. É a mistura do Samba com a Bossa nova, tem vocais intimistas, com um toque crocante e folclórico. É um disco que “janta” o Emozione do Lucio Battisti, melhor disco italiano desse mesmo ano. Assim como o Brasil fez com a Itália naquele 4×1 da final da copa.
O ponto de tudo isso é que o ano de 1970 é incomparável. Na música, no futebol e, infelizmente, nos contextos políticos. “Pra frente brasil” – trilha da ditadura – serviu como hino da copa. Imagina o que poderia ter sido com “Aqui é o país do futebol” do Milton. Uma canção que genuinamente representa a cultura nacional e dialoga com o cotidiano. Foi um ano pra gente lembrar com carinho por títulos e discos históricos e relevantes até hoje e, também, pra gente nunca mais esquecer quem joga lado a lado com a gente.