O músico NEVS celebra o Dia da Consciência Negra apresentando um trabalho extremamente pertinente com a data. Coisa de Preto é o nome de seu primeiro EP, que proporciona um mix de sons que envolvem samba, hip hop, funk e ritmos africanos.
Para ficar por dentro do lançamento, o Audiograma fez uma entrevista exclusiva com o cantor. No bate-papo, NEVS conversa sobre suas principais inspirações para o projeto, como conectou diferentes sonoridades em seu primeiro EP, quais colaborações gostaria de fazer e as barreiras que precisa romper por ser um artista independente.
Você acaba de lançar o EP “Coisa de Preto” e o nome é autoexplicativo. Porém, quais questões você pretende dar ênfase nessa produção?
NEVS: “Coisa de Preto” vem da ideia de retratar o cotidiano do povo preto mesmo. Esse é um termo dito há muitos anos e, recentemente, foi usado, por um jornalista (em vídeo vazado), como sempre, de forma pejorativa.
A gente sempre é suspeito, a gente sempre foi o alvo. A gente sempre foi hipersexualizado e fetichizado, usado para sexo e não pra relacionamento, pois o interesse sempre foi pautado pela suposta pegada forte, pelo suposto “faz gostoso”, pelo tamanho do pau e/ou da raba. Por isso, a ideia de “Coisa de Preto” é a reflexão. São canções com letras fortes, impactantes, mas com melodias enérgicas e, muitas vezes, dançantes. Acho que isso é o mais interessante desse trabalho, ele causa certa estranheza.
A faixa-título é um funk militante e me lembra muito aquele meme “uma mão no joelho e a outra na consciência”, sabe? O beat é ótimo pra dançar, mas a letra, em dado momento, te dá vários socos no estômago. Essa musica tem essa ambiguidade que eu, como compositor, acho lindo de ver nas reações das pessoas.
O EP vai conectar vários sons como samba, hip hop, funk e ritmos africanos. Foi difícil desenvolver diferentes sonoridades e deixar tudo coeso ao montar a tracklist final?
Engraçado que quando surgiu a ideia do EP, eu já tinha três faixas compostas e elas já eram completamente diferentes, só que o EP aconteceu, exatamente, porque eu notei que, mesmo com ritmos distintos, as músicas dialogavam. Elas conversavam entre si, mas parecia que, na ultima, a história não terminava de ser contada. E foi aí que eu resolvi fazer a faixa 4, “O Alvo”, pra encerrar esse EP da forma que eu gostaria. A faixa 5, “Tudo é Preto”, só surgiu quando eu entendi a necessidade de falar sobre um tema que era “muito coisa de preto”, que era sobre hipersexualização e fetichização dos corpos negros, e também sobre a falta de afeto e a solidão da mulher e do homem negro.
Você pode perceber que, de certa forma, tá tudo interligado, isso foi pensando também junto ao meu produtor, Donnar, mas também foi um processo muito orgânico, porque, ritmicamente, eu não pensei no projeto em si pra compor, apenas pensei no que eu queria falar e deu super certo.
Diversos artistas estão colocando em evidência, de forma popular e a nível mundial, produções que retratam questões sociais relacionadas ao negro, como Beyoncé, Childish Gambino, entre tantos outros. Você foi influenciado por eles?
Com certeza. A gente percebe o quanto tem se falado sobre questões raciais e sociais hoje na música e isso é incrível. Os artistas estão mais politizados na sua arte nesse momento, coisa que, há anos atrás, Nina Simone, Elis e Chico Buarque, por exemplo, faziam. Mas me parece que após essa geração, houve um distanciamento da arte com viés político (com raras exceções).
E ver artistas contemporâneos, negros, com tanta visibilidade, impactando a indústria como Beyoncé fez com “Formation” e todo o Lemonade, e o Childish com “This Is America”, é lindo. Ver artistas como eles fazendo música foda e falando sobre nós – e ainda assim atingindo o sucesso – é motivo de alegria, orgulho e esperança.
Quais faixas pretende trabalhar como forma promocional do EP? E quais são os maiores desafios de fazer um trabalho independente?
Quando eu pensei no EP, pensei muito nele como uma obra. Eu sempre acreditei na força desse projeto como um todo. Não planejei a divulgação de um single exatamente, porque isso implica na questão que você citou de ser um artista independente, se eu tivesse condições, apoio, patrocínio, eu já teria pensado em lançar um single com clipe e toda divulgação possível, mas ainda não é viável. Mas acredito que, se eu tivesse que investir numa canção, seria “O Alvo”, essa é uma faixa muito forte, desde o grito em coro ecoante no refrão, passando pelos ad-libs e pelo tema tão importante e tão presente nas nossas memórias, pois muito além dos citados 80 tiros, a gente é lembrado que o alvo é preto todos os dias.
Sobre ser independente, é uma luta. Tua mente artística tem constantes ideias incríveis e teu maior desejo é por em prática, mas nada é fácil, tudo é muito custoso e eu falo mesmo do custo financeiro. O fato de não ter gravadora, não é exatamente o problema no mundo de hoje, eu tive apoio do Opera 3 Estúdio, assim como a parceria e irmandade do meu produtor Donnar e, com isso, eu consegui realizar meu sonho que era o lançamento desse EP e eu sou muito grato. E acho que o primeiro passo foi dado e agora é aguardar esse som chegar em outros ouvidos e, quem sabe, eu não consiga um empresário/patrocinador? A música vai falar por si. E eu tô muito feliz com que eu fiz até agora.
Qual artista gostaria de colaborar e como você desenvolveria essa parceria?
Eu tenho muitos ídolos e poderia te listar uns 20 nomes, mas tendo que escolher um, sem dúvida, eu diria Emicida. Eu sou apaixonado pelo trabalho e pela inteligência dele. Ele abriu minha mente, mudou minha vida. Se eu tô lançando esse EP, é por que eu tive acesso ao trabalho dele antes. Eu dedico a ele esse trabalho e ele é meu dream collab.
A Xênia França também é uma inspiração pra mim. Eu cheguei a falar pessoalmente com ela para participar da última faixa do EP, “Tudo é Preto”, pois essa musica tem muito dela, pensei nela na hora de compor. Não rolou nesse momento, mas agora que a gente se conhece, acho bem possível uma colaboração no futuro. E levando o sonho pra voos internacionais, eu diria Rihanna e Kendrick Lamar.
Quais são os próximos passos em sua carreira após o lançamento do EP?
Eu pretendo divulgar esse EP durante um tempo, da forma mais abrangente em que um artista independente pode conseguir. O EP ficou pronto duas semanas antes do lançamento. Mas eu já tenho em mente, compostos, os dois próximos singles pós “Coisa de Preto”. Adianto que neles eu abordo outros temas, mas minhas músicas sempre trazem uma reflexão, é sempre sobre mensagem.
As pessoas ainda vão me conhecer, mas eu já adianto que não me limito, não chego num lugar e fico. Tenho tanto para dizer, tantas ideias e mensagens para passar. Vocês podem esperar conhecer muitas versões de mim.