Uma das primeiras bandas que ouvi e criei um certo apego foi o Red Hot Chili Peppers. Isso começou na época que o Californication (1999) foi lançado, quando a banda reconquistou o mundo com “Otherside”, “Scar Tissue” ou a faixa que dá nome ao seu sétimo álbum de estúdio.
Avançando vinte anos nessa história, chegamos ao mais recente fato envolvendo a banda e os brasileiros: a apresentação ~controversa~ no Rock in Rio. Headliners no dia 03 de outubro, o quarteto californiano apostou em um setlist que mesclou alguns sucessos, muitas jams, covers e raridades, algo que acabou decepcionando parte do público que estava aguardando ansiosamente pela sua coleção de sucessos.
Em seu décimo quinto show no Brasil, o terceiro nos últimos três anos, o Red Hot Chili Peppers deixou diversos hits guardados na mala. Quem esteve na Cidade do Rock ou viu pela TV (meu caso) teve a chance de ouvir “Can’t Stop”, “The Zephyr Song”, “Dani California”, “Californication”, “Aeroplane”, “By The Way” e “Give It Away”, mas acabou ficando sem outras músicas marcantes de seus mais de 35 anos de carreira. Muita gente reclamou por não ouvir “Under The Bridge”, “Scar Tissue”, “Otherside” ou “Tell Me Baby”, por exemplo.
Ainda que, oficialmente, a turnê de promoção do mais recente álbum da banda, The Getaway (2016), tenha acabado em outubro de 2017, a banda vem fazendo uma espécie de tour 2.0. Tanto que a formatação do show apresentado é quase a mesma. No entanto, o quarteto resolveu abrir espaço para canções que não foram tão frequentes ao longo da turnê. Não foi só no Rock in Rio que teve mais jams, covers ou músicas pouco tocadas. Nos últimos meses, faixas como “Strip My Mind”, “I Could Have Lied”, “I Like Dirt”, “Factory of Faith”, “Hard to Concentrate”, “Me & My Friends”, “Nobody Weird Like Me”, “Sir Psycho Sexy” e “Nevermind” – que apareceu no setlist do Lollapalooza Brasil em 2018 – foram tocadas em detrimento de alguns hits. Ao longo de 2019, a banda ainda abriu espaço para momentos especiais como tocar “This Is the Place”, algo que não acontecia desde 2003; “Throw Away Your Television”, que não era tocada desde 2014; e “Fortune Faded”, que voltou a aparecer em um setlist após doze anos.
No Rock In Rio veio, talvez, a cereja do bolo dessa série de shows, quando o Red Hot Chili Peppers decide tocar pela primeira vez em toda a sua história a faixa “Sikamikanico”, b-side de “Under The Bridge”, lançada em 1991. A música foi um presente para o guitarrista Josh Klinghoffer, que completou quarenta anos no dia do show, mas também foi um agrado mais do que especial aos fãs que sempre pediram por faixas esquecidas nos shows. A apresentação no Rio contou também com “The Power Of Equality”, música que foi dedicada para a Amazônia e que não era tocada pela banda desde abril do ano passado.
Mas você deve estar se perguntando: precisava de tantas jams e dos covers? Fora as músicas gravadas pela banda em algum momento, como “Higher Ground”, é difícil ver a banda tocando covers em suas turnês tidas como tradicionais. Até mesmo na apresentação do Lolla de 2018, que já era um “pós-turnê”, isso não aconteceu. O único cover foi mesmo a versão da música de Stevie Wonder, isso sem contar o momento em que Josh cantou sozinho “Menina Mulher da Pele Preta”, do Jorge Ben Jor.
No entanto, tocar covers não é uma novidade na história da banda: lá em 2004, o Red Hot Chili Peppers fez uma série de shows por Europa, Ásia e América do Norte – intitulada Roll on the Red Tour – onde também encheu o setlist de covers, com direito a versões de “I Feel Love”, da Donna Summer; “Brandy (You’re a Fine Girl)”, faixa do Looking Glass; e “Black Cross”, do 45 Grave. Essa turnê acabou gerando o Live in Hyde Park, primeiro (e único) álbum ao vivo dos Peppers, lançado em agosto daquele ano. Voltando ao ano de 2019, se você analisar bem, a banda não tem tocado tantos covers além dos que foram gravados por eles em algum momento. Olhando as setlists, apareceram “The Needle and the Damage Done”, música do Neil Young cantada pelo Flea; “Just What I Needed”, música do The Cars que apareceu nos últimos shows após a morte do grande Ric Ocasek; e a icônica “I Wanna Be Your Dog”, do The Stooges. Isso sem contar os momentos solos de Klinghoffer onde já rolou trechos de músicas do Radiohead, Tom Waits e Prince, para citar alguns.
O que eu quero dizer com tudo isso? É que o Red Hot Chili Peppers fugir do óbvio em shows de uma turnê que não é promocional de algum álbum não é nenhuma novidade e, como fã, ainda bem que a banda se permite fazer isso sem se preocupar com a opinião do público. O quarteto sempre visou se divertir em suas apresentações, sobretudo em shows soltos como os que vem fazendo ao longo de 2019. É a hora certa para testar coisas novas, conseguir experimentar ou revisitar a carreira. Sendo sincero, até me surpreendeu o fato da banda não ter aproveitado os shows para mostrar alguma coisa inédita – ainda que parte do público que viu o show ainda ache que eles tocaram músicas novas (!) -, algo que aconteceu lá em 2004 quando mostraram “Leverage of Space” e “Rolling Sly Stone”. Naquela época, as faixas acabaram não tendo as suas versões de estúdio lançadas e só podem ser ouvidas no álbum ao vivo gravado no Hyde Park.
A dinâmica do show também flui de uma forma diferente. Você vê uma banda claramente mais relaxada no palco, com Flea e Anthony brincando um com o outro e conversando aleatoriamente ou o Josh cada vez mais solto e, ao mesmo tempo, ainda mais encaixado na dinâmica da banda. Além do Chad Smith que, como um bom vinho, vai ficando cada vez melhor na bateria com o passar dos anos.
Eu realmente entendo quem se frustrou com o show ou achou ele empolgante no começo e no fim, mas “arrastado” no seu meio de campo. As jams e músicas mais desconhecidas do grande público acabam potencializando isso e é algo totalmente compreensível, principalmente quando se criou o conceito de que show em festival é só para tocar hits. Dito isso, boa parte dos fãs que acompanham a banda com mais frequência já deveriam ter em mente que isso aconteceria, principalmente pelas apresentações que antecederam o Rock in Rio.
Ainda que tenha tido algumas coisas desnecessárias como “The Adventures of Rain Dance Maggie” e “The Zephyr Song” (claro que eu iria ~cornetar~ a banda que sou fã, né?), achei o setlist apresentado no Rio um dos melhores da banda no país nos últimos anos. No fim, nada vai me fazer pensar que um show nos deu o debut de “Sikamikanico” nos palcos e a chance de ouvir “Hey”, “The Power Of Equality”, “Soul To Squeeze”, “Aeroplane” e “Right On Time” tenha sido ruim. Longe disso!
Ps.: o texto não conta com vídeos da apresentação no Rock in Rio por conta de direitos autorais.