Cinco longos anos se passaram desde aquele par de shows em fevereiro de 2006. A maior banda do cenário mundial continua capaz de atrair os olhares e corações do público em qualquer lugar que passe. Não seria diferente imaginar a situação no Brasil, onde mesmo repetindo o velho clichê de “Nós amamos o Brasil”, a frase não é dita em vão: a relação do país com a banda liderada por Bono Vox é mesmo especial e isso foi provado com o Morumbi lotado para os dois primeiros shows da turnê 360. Foram duas apresentações inesquecíveis, com direito a quebra de recorde mundial de público numa turnê (o valor anterior de US$ 558 milhões pertencia aos Rolling Stones) e músicas raramente tocadas, como o primeiro single da carreira do U2 “Out of Control” e “Zooropa”.
Com pouco mais de 1000 pessoas acampando na fila (algumas pessoas estavam lá desde terça-feira) de sexta para sabado, a expectativa era alta. Os fãs de U2 bem que tentaram fazer o trabalho da T4F em organizar a fila, mas era praticamente impossível conter os ânimos do público em geral, que “desrespeitou” a fila e causaram grandes confusões ao redor das entradas do estádio. Foi apenas mais um dos deslizes da empresa, que em dezembro protagonizou um verdadeiro caos e causou ira em fãs do país inteiro que acabaram sem conseguir os seus ingressos, enquanto os cambistas imediatamente começavam a repassar os ingressos por valores exorbitantes. Outro problema foi na falta de compromisso em cumprir o horário programado para a abertura dos portões: anteciparam em uma hora nos dois dias. O respeito pelos horários deveria ser respeitado em qualquer apresentação e os eventos no Brasil parecem ignorar esses detalhes. Pelo menos o que faltou em capacidade de lidar com a demanda pelos ingressos e respeito ao público da fila foi compensado durante as apresentações da banda de abertura e do show principal, que começaram pontualmente e sem deixar a chuva atrapalhar a festa.
O som do primeiro dia estava insuportavelmente alto e não foram poucas pessoas que saíram do estádio com os ouvidos zumbindo. Todo esse poder sonoro acabou prejudicando a apresentação do U2 (o som do Muse estava com um volume moderado), tornando impossível ouvir o baixo de Adam Clayton em algumas canções. Aqueles que chegaram cedo para ficar perto do palco tiveram a desagradável surpresa de perceber que esse palco da tour não é muito visualmente convidativo para quem quer ter a experiência completa da apresentação. Além de ser muito alto, acaba sendo impossível acompanhar todos os efeitos especiais do telão e o belo jogo de luzes. Raros são os shows em que o melhor é ficar um pouco distante da galera do gargarejo e curiosamente, isso acontece justo no show de uma banda do calibre doU2. E vale dizer que o palco é realmente sensacional (mas não chega a ser mais bonito que o usado pelo Radiohead na turnê anterior da banda) e a sua estrutura facilita a vida daqueles que sempre sonharam em assistir a um show do U2 bem de perto.
Os britânicos do Muse subiram no palco com sua tradicional música de abertura e depois de uma recepção calorosa dos fãs de U2 que mal sabiam pronunciar o nome da banda, iniciaram o show de sábado com “Uprising”, primeiro single do último disco de estúdio da banda. Logo depois tocaram “Supermassive Black Hole” e tudo parecia perfeito para os fãs de U2, até que “Stockholm Syndrome” apresentou todo o peso do Muse e a intensidade de seus fieis fãs (a equipe do fan site Muse Brasil estava em peso dentro do inner circle, com direito a placas pedindo a execução de “Citizen Erased”, uma das melhores canções da banda) que não se intimidaram com a chuva inconveniente. O grande destaque do show foi a performance do vocalista Matthew Bellamy, que demonstrou uma eficiência técnica ainda maior do que os fãs estavam acostumados. Talvez tudo isso seja o efeito avassalador da paixão pela atriz Kate Hudson, que estava bem pertinho do palco e lançava olhares apaixonados para o futuro papai Bellamy. E pensar que tem gente que acha que o amor não faz diferença na vida de uma pessoa…
Assim como aconteceu com o U2, a segunda apresentação do Muse também foi melhor que a primeira. Talvez pela escolha do repertório (“United States of Eurasia”, “Supermassive Black Hole” e “Hysteria” foram substituídas por “Feeling Good”, “Resistance” e “Time Is Runing Out”) ou pelo som mais alto e equalizado. Ouvir “Resistance” e “United States of Eurasia” foi uma demonstração muito curta do poder de fogo do trio britânico e deixou água na boca para o show completo. Uma pena que o Brasil provavelmente vai ficar de fora da turnê de The Resistance e que essa foi a única oportunidade dos fãs ouvirem um pouco das músicas novas. O segundo show ainda contou com um breve cover de “Very Ape” do Nirvana. Delírio total para os fãs que conseguiram reconhecer a riff.
Pouco antes de Bono Vox e companhia subirem ao palco, o Morumbi quase veio abaixo quando “Trem das Onze” começou a tocar pelos falantes do estádio. Praticamente todo mundo cantou as estrofes de uma das principais músicas brasileiras da história. Depois do orgasmo coletivo, os primeiros acordes de “Space Oddity” (de David Bowie) aumentaram as expectativas dos fãs e logo o telão mostrou imagens de Adam Clayton, Larry Mullen Jr, Bono e The Edge subindo calmamente para o palco. Os gritos foram ficando cada vez mais altos até a banda começar com “Even Better Thant the Real Thing” e tentar mostrar para o público que aquele momento era real. Era mais um show do U2 no Brasil e definitivamente, se tem uma coisa que os caras conseguem é ser ainda melhor que a realidade. Os acordes de “I Will Follow” provaram isso logo na sequência. Um dos maiores sucessos doU2 ganhou uma versão empolgante e ainda melhor do que a original. Nem precisa falar que depois dessa, Bono já havia conseguido ganhar a atenção de todos os presentes (se é que havia alguém que não estava prestando atenção desde que eles subiram as escadas para o palco).
Mesmo quando a pessoa não é tão fã do U2, é meio impossível não gostar ou conhecer a maioria das músicas. O repertório da turnê privilegiou demais os sucessos antigos e músicas como “Mysterious Ways”, “Elevation” , “Sunday Bloody Sunday”, “City of Blinding Lights” (com um show a parte do telão) e “Beautiful Day” fizeram a alegria dos fãs. Bastava olhar para os lados e observar as expressões de êxtase nos rostos de pessoas que dividiam os sorrisos com as lágrimas. A turma do fan site U2br tentou organizar um momento de interação dos fãs com a banda durante “Where Streets Have no Name” e distribuiu vários balões (ou bexigas, dependendo da região) azuis e amarelos para o público. No sábado a intenção chegou a funcionar, mas no domingo o público estava um pouco apático (a arquibancada estava dividida. enquanto um lado era pura empolgação para fazer a “ola”, o outro lado estava morto e tomou várias vaias até entrar na brincadeira) e a brincadeira não foi tão bonita assim. Não faltou espaço para músicas mais “desconhecidas” (existe isso no show do U2?), como a linda “In a Little While” e a antiga “Hold Me, Thrill Me, Kiss Me, Kill Me”, que é o momento em que Bono se agarra a uma roda e começa a se balançar de um lado para o outro. Os momentos de emoção ficaram por conta de “I Still Haven`t Found What i Looking For” (na minha humilde opinião, é a melhor música da banda) e a clichê “With or Whitout You”, que mesmo depois de todos esses anos ainda consegue emocionar.
O repertório das duas noites variou um pouco, para a alegria daqueles que resolveram ir em mais de uma apresentação. No primeiro dia tocaram “I Will Follow”, “Stuck in a Moment”, “In a Little While” e “Hold me, Thrill Me, Kiss Me, Kill Me”, que deram lugar a “Out of Control” (antes de tocar, Bono disse que iriam tocar essa música devido a “ocasião especial” e os fãs mais antigos ficaram enlouquecidos, cantando e pulando durante a música inteira) , “Zooropa” (que deve ter sido tocada ao vivo apenas 2 ou três vezes em toda a carreira da banda) , “Pride” , “Ultraviolet” e a inédita “North Star” na noite de domingo. Bono disse ainda que o governador de São Paulo decretou que a segunda-feira seria feriado nacional. Em um português arranhado, o vocalista disse: “Amanhã ninguém trabalha”. Toda a simpatia serviu ainda para elogiar a apresentação do Muse e fazer um pequeno charme, dizendo que o U2 não era mais a banda favorita dos brasileiros. Mas Bono Vox não foi bem humorado o tempo inteiro. Mantendo o discurso político, ele aproveitou o momento para tecer elogios ao país dizendo que não somos mais o país do futuro, somos o país do presente e ainda prestou uma bela homenagem às vítimas do atentado na escola pública no Rio de Janeiro. Pouco antes de encerrar o show com a linda “Moment of Surrender“, Bono pediu para o Morumbi inteiro ligar as luzes dos celulares (ou isqueiros, né?) e protagonizou um momento marcante enquanto os nomes das doze crianças apareciam no telão.
Independente de amar ou odiar o U2, fica aquela sensação de que fazer parte daquele show foi algo especial e sincero. Por mais chatos que sejam os discursos políticos de Bono e sua vontade de mostrar que existem pessoas de bem ao redor do mundo, ele sabe o que diz. O marketing dele oferece lucro tanto para o seu lado pessoal quanto para as causas que defende, então como recriminar ou criticar alguém que luta tanto pelos direitos humanos? Talvez o show não tenha sido melhor que o de 2006, talvez toda a grandiosidade da banda e a estrutura majestosa do palco sejam um disfarce para as fragilidades da banda. Ou talvez, o U2seja mesmo a maior banda do mundo. Todas as opiniões tem o seu fundo de verdade, mas a verdade é que ninguém passa indiferente ao show e muito menos pode tirar do Bono Vox a coroa de rei do rock mundial. Gostando ou não, presenciar um evento desses é algo que dificilmente pode ser colocado em palavras e muito menos avaliado se foi bom ou ruim. Um show do U2 é sempre especial e inesquecível.