Uma das primeiras colunas criadas no Audiograma, a (Re)descobrindo Sons surgiu como uma forma da gente contar o que tocava de bom em nossos players. De lá para cá, muita coisa aconteceu neste espaço, os objetivos do site foram se alterando, as atenções em torno dele também e, entre idas e vindas, reativar essa coluna de forma definitiva é uma das vontades que eu mantive comigo nos últimos anos.
Essa vontade em especial existe por três motivos: primeiro, ela é uma forma interessante de compartilhar experiências e falar sobre música. Claro que ela não representa nada novo sob o sol, eu sei disso, mas ainda me parece ser algo eficiente. É pegar o que você ouviu ao longo do mês, peneirar as coisas importantes e escrever sobre elas. Não deveria ser muito difícil, não é mesmo?
O problema é que isso esbarra no segundo motivo, que é o meu hábito de produção de conteúdo nos últimos vinte meses. Por quê exatos vinte, você pode se perguntar, e eu já explico: desde o meio de 2017, quando tentei resgatar a coluna pela última vez, que venho lutando contra uma “acomodação” em relação ao que eu publico por aqui. Se você clicar no meu perfil, vai ver que existem mais de cinco mil e quinhentos posts publicados até hoje e esse é um número bem expressivo, certo? No entanto, a maioria absoluta dos conteúdos nesses vinte meses foram notícias, divulgação de clipes ou informações de shows e festivais. Não é que eu não considere esse conteúdo importante, vamos deixar isso claro, mas é que esse tipo de publicação acabou tornando – ao meu ver – a minha contribuição ao Audiograma bem mecânica e, fora uma cobertura de shows aqui, uma resenha de CD ali ou uma lista acolá, sinto que eu não falo mais de música como eu gostaria… ou como eu planejava lá em 2010, quando eu desisti da ideia de desistir de ter um site e nasceu o Audiograma.
Tudo isso nos leva ao terceiro – e mais importante – motivo: essa “acomodação” tem se refletido também no que eu ando ouvindo. Ao pegar as minhas listas de “músicas mais ouvidas” de 2017 e 2018 no Spotify ou o meu perfil no last.fm, percebi que tenho ouvido quase sempre as mesmas coisas. Ao longo do ano passado, eu só parei para ouvir coisas novas de fato no fim do ano, por conta do nosso listão, ou quando algo estava sendo comentado em todos os cantos possíveis. Ao longo de 2018, acabei transitando mesmo dentro da minha bolha de artistas e playlists, que tocaram incessantemente enquanto produzia os posts publicados por aqui ou conteúdos produzidos para outros sites, empresas ou redes sociais.
Quer um exemplo? Se você me perguntar qual o álbum que eu mais ouvi em 2018, poderia dizer que foi o EVERYTHING IS LOVE do The Carters, o Bluesman do Baco Exu do Blues ou o Joy as an Act of Resistence do Idles. No entanto, lá no subconsciente, eu sei que o que o álbum mais ouvido foi, na verdade, uma playlist com o I’m Beside You, álbum que o Red Hot Chili Peppers lançou apenas em vinyl em 2013 e que contém todas as b-sides da era I’m With You. Nada contra elas, inclusive. Provavelmente, é o trabalho que eu mais gosto da banda californiana – uma das minhas preferidas – nos últimos dez anos. O ponto onde eu quero chegar é: me pegar ouvindo sempre as mesmas coisas causou um certo incômodo e, para mudar isso num primeiro momento, eu vou precisar de um estímulo. Por isso decidi tentar – mais uma vez – reativar essa coluna, explorando os dois formatos de textos que ela apresentou até hoje: falar de algum assunto específico, como as músicas que fizeram parte da minha infância, ou fazer um breve resumo daquilo que ouvi ao longo do mês, quase como um diário redigido em conjunto pelo meu ouvido e pelos meus players, entende?
Além das coisas já citadas por aqui, alguns álbuns ficaram bastante no meu radar nos últimos vinte meses. No entanto, é aqui que eu faço o recorte definitivo para a retomada da coluna, afinal você não quer saber o que eu estava ouvindo em outubro de 2017, não é mesmo? Já que esse espaço vai funcionar como um motivador para que o meu comportamento musical mude em 2019, vamos fazer esse recorte bem aí e focar no que eu andei ouvindo nos primeiros meses do ano.
Recentemente, redescobri o The Sea, álbum que a Corinne Bailey Rae lançou em 2010. Em alguma das várias playlists criadas no Spotify, alguém achou por bem colocar a faixa “Feels Like The First Time” e me fazer relembrar desse álbum que eu ouvi bastante entre 2010 e 2011. De longe, é o melhor dos três álbuns da cantora britânica pra mim e o que mostra todo o seu potencial. É também o álbum mais pesado de sua carreira, já que ele é influenciado diretamente pela morte de seu então marido em 2008. Apesar da temática, é um belo álbum, daqueles que te prendem da primeira à última faixa. Outra descoberta dos últimos meses foi o Trust No More, álbum que o Dave Navarro lançou lá em 2001. Eu já conhecia “Rexall” faz anos, mas nunca tinha parado para ouvir as outras músicas do disco e acabei gostando do que encontrei, até por ter uma pegada diferente daquilo que o guitarrista fez no Jane’s Addiction ou nos Chili Peppers. Com letras bem sombrias – temos um padrão aqui, hein? -, o álbum acaba mostrando um lado “vulnerável e depressivo” de Navarro, que divaga sobre a vida e suas lamentações ao longo das dez faixas.
Na última semana, o Spotify colocou no meu radar a faixa “Got The Time”, lançada por Joe Jackson em seu primeiro álbum de estúdio, Look Sharp!, que saiu em janeiro de 1979. Mesclando new wave, pop rock e power pop, o álbum é bastante atemporal e, num primeiro momento, nem consegui imaginar que eu estava ouvindo algo produzido na década de 70. Após essa informação, músicas como “Is She Really Going Out with Him?”, “Look Sharp”, “Sunday Papers” e “One More Time” se tornaram ainda mais legais.
Em alguma das inúmeras listas de fim de ano publicadas em dezembro, vi alguns elogios ao Your Queen Is a Reptile, terceiro trabalho de estúdio do grupo britânico de jazz Sons of Kemet. Lançado em março do ano passado, o álbum é simplesmente incrível, seja pela sua sonoridade ou por sua representatividade. O nome do álbum é uma referência à monarquia britânica e como ela não representa os imigrantes negros. Já que essa monarquia não é adequada, o projeto capitaneado por Shabaka Hutchings resolveu alçar várias mulheres negras influentes ao longo da história ao posto de rainha, colocando os nomes delas nas faixas. Mesclando jazz com ritmos africanos e latinos, faixas como “My Queen Is Ada Eastman” e “My Queen Is Angela Davis” ficam na cabeça facilmente.
Das terras brasileiras, um álbum que merece destaque é o Par de Olhos, que a YMA lançou em janeiro. Listado em nossa seleção de lançamentos do primeiro mês do ano, o álbum é um pop gostoso, com pitadas de experimentalismo e muita criatividade. As faixas “Evaporar”, “Shake It” e “Colapso Invisível” são bons exemplos de toda a diversidade que podemos encontrar no debut da jovem Yasmin Mamedio. É um álbum poético, divertido e melancólico, tudo junto e misturado e sem parecer desconexo. Outro lançamento de janeiro que ficou na cabeça foi o Strength In Numb333rs, debut da banda californiana Fever 333. Promovendo uma mistura de rap e hardcore que há tempos não ouvíamos por aí, o trio lançou um álbum que nos coloca num mundo onde o Rage Against The Machine se casou com o Linkin Park e eles tiveram um filho pronto para fazer muito barulho por aí. Se você duvida disso, é só ouvir “Burn It” que você vai entender do que eu estou falando.
Antes de fechar esse relato sobre o começo de 2019, preciso fazer uma última citação: um álbum que passou completamente fora do meu radar no ano passado foi o debut do britânico Isaac Gracie. Autointitulado, o registro é um indie rock misturado com folk e o resultado é bem interessante. “the death of you & i” é uma daquelas músicas que torna a missão de não gritar junto praticamente impossível, sabe? Como eu já estou gritando aqui enquanto escrevo, acho melhor me despedir e dizer que, se tudo der certo, volto no fim de março fazendo um apanhado do mês ou, quem sabe, antes disso, já que o Lollapalooza está chegando.
Com a volta da coluna, deixo aqui uma novidade para movimentar também o nosso perfil no Spotify: vou produzir playlists para cada texto com uma música de cada álbum citado na publicação, tanto no texto corrido como na tradicional lista que encerra a coluna. A primeira já está prontinha e é só dar play!
Álbuns ouvidos:
# Unplugged, da Alanis Morissette
# Mint, da Alice Merton
# Live At The Royal Albert Hall, do Alter Bridge
# Still Life, do Aqualung
# Bluesman, do Baco Exu do Blues
# O Futuro Não Demora, do BaianaSystem
# Disco Adulto, da Barcamundi
# Whatever And Ever Amen, do Ben Folds Five
# amo, do Bring Me The Horizon
# Parachutes, do Coldplay
# The Sea, da Corinne Bailey Rae
# My Favourite Faded Fantasy, do Damien Rice
# Trust No One, do Dave Navarro
# Why Hasn’t Everything Already Disappeared?, do Deerhunter
# Habla Tu Espejo, do El Cuarteto de Nos
# Porfiado, do El Cuarteto de Nos
# Raro, do El Cuarteto de Nos
# Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos, da El Toro Fuerte
# I Love You, Honeybear, do Father John Misty
# Strength In Numb333rs, do Fever 333
# The Now Now, do Gorillaz
# Joy as an Act of Resistence, do IDLES
# Marauder, do Interpol
# Isaac Gracie, do Isaac Gracie
# KOD, do J. Cole
# Assume Form, do James Blake
# A Funk Odyssey, do Jamiroquai
# Look Sharp!, do Joe Jackson
# Inner Monologue Part 1 [EP], da Julia Michaels
# Primal Heart, da Kimbra
# Heard It in a Past Life, da Maggie Rogers
# Maybe You’ve Been Brainwashed Too, do New Radicals
# In Rainbows, do Radiohead
# Só No Forevis, do Raimundos
# Californication, do Red Hot Chili Peppers
# Feral Roots, do Rival Sons
# 71, do Rumbora
# Exército Positivo Operante, do Rumbora
# Trio Elétrico, do Rumbora
# Remind Me Tomorrow, da Sharon Van Etten
# Diorama, do Silverchair
# Clean, da Soccer Mommy
# Your Queen Is A Reptile, do Sons Of Kemet
# Stone Temple Pilots (2018), do Stone Temple Pilots
# EVERYTHING IS LOVE, do The Carters
# Why You So Crazy, do The Dandy Warhols
# Certifiable (Live In Buenos Aires), do The Police
# Outer Peace, do Toro Y Moi
# Weezer (The Teal Album), do Weezer
# Par de Olhos, da YMA