Texto por Felipe Ferreira.
Muito se fala sobre a efemeridade da música brasileira contemporânea e do seu curto prazo de validade no panteão da indústria musical. Entre promessas, “cases” de sucesso e vozes alternativas que ecoam resistentes num cenário mutável que dança conforme a conjuntura econômica, social e cultural do país, a nova MPB tenta dar um novo significado aos seus acordes sem deixar de beber na fonte da qualidade e da diversidade musical que rompeu fronteiras e inspirou gerações.
Os mais saudosistas insistem em ladrar que “não se faz mais música como antigamente” ou que “a música de hoje é descartável”, embora devessem considerar que para tais sentenças sejam proferidas é necessário analisar e entender quem é esse sujeito que faz música hoje e, principalmente, em que contexto a indústria regente desse mercado está inserida e se correlaciona.
Que carecemos de uma nova leva de artistas mais provocadores e politizados, como um dia foi e ainda são Tom Zé, Renato Russo, Gil, Chico, Cazuza e Cássia Eller, é um diagnóstico explícito que até mesmo um ouvinte mais desplugado consegue fazer. Ainda assim, não podemos fechar os olhos e ignorar um autêntico movimento de oxigenação da nossa música, cujas notas se prolongam na construção de expressões artísticas e culturais transgressoras.
Precisamos distanciar a direção dos nossos ouvidos pra uma zona menos pirotécnica e mais sensorial. Ao restringirmos o senso crítico à parte escolhida do mainstream consolidada pelos superlativos, pela exploração exaustiva de determinado gênero musical e por uma repercussão midiática refém do próprio palanque, reduzimos a MPB a expressão fugaz e superficial de uma produção pasteurizada na qual a embalagem sobrepõe o conteúdo.
Sem a pretensão de fazer qualquer juízo de valor ou polemizar acerca da bandeira classificatória do que é “bom” e “ruim”, tenho cada vez mais consciência de que o termômetro qualitativo de uma canção está na capacidade que ela tem de provocar e expurgar sentimentos. A identificação musical que sua execução é capaz de criar em quem a aprecia é a premissa de uma relação afetiva e memorial. Se determinada canção – independente do gênero musical ou do artista que a interprete – nos instiga a sair de uma zona letárgica e mergulhar numa onda de nostalgia e prazer, é mérito dela e das mãos envolvidas na sua criação, da composição crua na folha de papel à voz que lhe dá vida.
Assim foi o que aconteceu quando ouvi “Seu Costume”, novo single do cantor e também ator Bruno Gadiol em parceria com Gabriel Nandes. A música remete à época do Romantismo e nos insere nas entranhas do amor idílico e perfeito dos líricos medievais. A letra remonta as desventuras que a arte de amar proporciona. A sensibilidade do dueto entre os jovens cantores envolve a doçura da melodia e a poesia à flor da pele dos seus versos. As vozes soam como um soneto trovadoresco que inunda o peito de esperança e eleva a bandeira do amor sem medo ou repressões.
Ao ruir essa teoria anacrônica de que a juventude atual não sabe consumir e fazer boa música, Gadiol e vários artistas, como Luedji Luna, Johnny Hooker, Luciana Oliveira e Liniker, por exemplo, provam que a música renasce por uma vibração contínua e que o diálogo entre o passado e o presente é um caminho coexistente referencial.
Se “Seu Costume” tivesse sido lançado há cinco anos, com certeza, o Bruno Gadiol teria dividido o fone de ouvido com Moska, o cantor canadense Daniel Powter, a banda britânica Ben’s Brother, e enxugado a dor e o pranto do coração dilacerado de um jovem aspirante a ator, desacostumado a sofrer e a amar.
Felipe Ferreira é escritor, roteirista, jornalista e autor do livro Griphos Meus: Cinema, Literatura, Música, Política & Outros Gozos Crônicos. Atualmente, escreve para o Feminino e Além e trabalha em seu segundo livro, DESMEMBRO, um romance no qual a memória e seu entrelaçamento nas relações humanas são o tema central.