A noite quente de domingo, 22 de abril, começou e acabou tranquila com o show do Radiohead no Allianz Parque, em São Paulo. Foi o show em estádio mais calmo que eu já vi, sem confusão pra entrar, sem empurra-empurra, sem filas. A arena estava cheia, mas longe de lotar, dando espaço de sobra pro pessoal ver o show de forma confortável. E o Radiohead entregou justamente um show dentro desse clima paz e amor: imperaram as canções com piano, as baladas mais deprês; e foram poucos os momentos de guitarra e peso, apesar de todo o show ser intenso emocionalmente.
Antes da banda inglesa, consegui chegar a tempo de ver o show do Flying Lotus, que era o oposto – com um palco todo high tech, com projeções 3D e hologramas, o DJ/produtor/rapper/multiuso misturava hip hop a batidões eletrônicos e samples (entrou até música brasileira na roda, com Os Mutantes). A brisa/fritação era tanta que você podia pensar que tinha entrado em uma rave por engano. FlyLo fez uma homenagem ao colega Avicii, que morreu dois dias antes ainda muito jovem (tinha 28 anos). E a galera animou quando ele tocou a música tema do seriado “Twin Peaks”. Antes dele, rolaram também shows de abertura da dupla brasileira de indie rock Aldo the Band e do grupo Junun, projeto que mistura música indiana, hebraica e árabe e que conta com o guitarrista do Radiohead Jonny Greenwood como membro.
Agora dá o play no setlist do show e vem comigo:
Sofrência
O Radiohead demorou 9 anos para voltar ao Brasil e não teve “Creep” nem “Karma Police”, o que desagradou muita gente. Mas teve “My Iron Lung”, “Paranoid Android”, “There There”, “No Surprises” e “Fake Plastic Trees”. Para quem é fã de verdade da banda, o show não decepcionou nem um pouco. Só o final que foi estranho, já que o grupo saiu sem se despedir e deixou todo mundo na expectativa por mais bis – mesmo após mais de duas horas e meia de apresentação.
Ainda assim, considerando que é uma banda inglesa alternativa e que já tem uma certa idade, achei o Thom Yorke bem felizinho, animado e falante. Ele disse “obrigado” em português várias vezes durante a noite e, depois de “No Surprises”, deu uma cutucada nos fãs brasileiros dizendo que, sem surpresas e mudanças, o mundo vai ficar do jeito que está, que não anda nada bom, né. Nem aqui, nem na terra do Brexit.
A banda misturou muito bem canções de todos os nove álbuns de sua carreira e entregou um show corretíssimo e bem equilibrado, apesar de o maior destaque serem mesmo as baladas e músicas que puxam mais para o experimental eletrônico. Eu, que gosto da fase mais rock’n’roll do Radiohead, senti falta de guitarra. Mas o grupo não faz feio, não! Todos já estão próximos dos 50 anos de idade e a voz de Thom Yorke segue impecável e impressionante ao vivo, enquanto Jonny Greenwood é como o vinho: só melhora com o tempo. O grupo segue inovando a cada álbum e faz um show bonito de se ver. Para quem já tem 25 anos de banda, é louvável.
O que eu também senti falta, no entanto, foi o telão. Em um estádio de futebol imenso, foi uma grande falha os dois telões, que eram pequenos, só mostrarem projeções psicodélicas do show. Quem é baixinho ou não tem cacife pra bancar pista VIP, como eu, perdeu muito nessa. A organização no dia estava ok, mas colocar o Radiohead em um estádio como o Allianz não foi acertado – pelo menos não neste momento da banda. Tanto é que os ingressos encalharam e rolaram várias promoções para desovar – ainda assim, restaram entradas e os setores não encheram. Poderiam ter feito em um espaço menor. De qualquer forma, o som estava bom e a vantagem de ter um estádio mais vazio é, mais uma vez, a tranquilidade do evento. O público também se irritou muito com a escolha da cerveja – ninguém gostou de pagar R$ 12,00 pra beber Itaipava e os copos promocionais que serviam de souvenir se esgotaram muito antes de a banda principal subir ao palco.
A música do comercial do Carlinhos
Em 1998, quando o Radiohead já era uma banda grande (depois de “Creep” estourar e de o álbum Ok Computer ser aclamado pela crítica), rolou um comercial na televisão brasileira que ficou muito famoso e que usava “Fake Plastic Trees” como trilha sonora. A propaganda contava a história de Carlinhos, um garoto com síndrome de down; e seu amigo morador de rua. A intenção do comercial era quebrar o estereótipo e os preconceitos contra portadores de Down. O vídeo estourou e, por causa dele, muita gente conheceu o Radiohead e comprou o disco The Bends, que tem essa música.
Minha mãe, que é professora e trabalha com crianças com deficiência, foi uma dessas pessoas. Alguns anos depois, eu roubei o CD dela e virei uma grande fã da banda. Ontem, quando eles encerraram o show com essa música (que já é muito emocionante por si só, convenhamos), não pude conter minhas lágrimas. Foi lindo.
Fotos: Rodolfo Yuzo