Quem bateu ponto em um dos três dias de Lollapalooza Brasil deve estar se perguntando qual a placa do caminhão que passou bem em cima da sua vontade de viver após muitas horas de música, sol e caminhadas por todo o Autódromo de Interlagos.
Para muitos, a vida tenta voltar ao ritmo normal enquanto a gente ainda lida – das mais variadas formas possíveis – com tudo o que aconteceu no festival. Até por isso, essa resenha feita em conjunto pela Júlia da Matta e pelo John Pereira – nossos representantes oficiais no evento – chega com algumas horas de maturação, após longas conversas, pausas para recordações e com aquela pitadinha de nostalgia por ver que mais uma edição interessante se foi.
– O festival
Em seu quinto ano em Interlagos, o Lollapalooza Brasil passou por aquela que pode ser considerada como a sua primeira transformação estrutural dentro do espaço, que acabou envolvendo uma nova disposição para os palcos Axe e Perry, além de um Chef Stage em nova localização.
O grande X da mudança seria no funcionamento dos palcos Axe e Onix. Agora vizinhos, os locais tiveram as suas grades de shows intercaladas e o grande receio de quem amava os shows no Onix era que a presença de um outro palco no setor pudesse atrapalhar a “mística” criada em torno do espaço. Apesar da maior concentração de pessoas, o resultado no fim das contas acabou sendo positivo e, sem interferir no funcionamento do seu companheiro de espaço, conseguiram coexistir quase que perfeitamente. Talvez os saudosistas e amantes do Onix tenham torcido o nariz para um público maior e a extinção de um “oásis” para se ver shows, mas isso é papo para uma outra conversa.
Aproveitando mais o Autódromo, o festival não contou com grandes problemas de circulação além daquilo que já é tradicional em qualquer evento: muitas pessoas no mesmo espaço acabam por dificultar o fluxo em certos momentos. Apesar disso, a nova disposição dos palcos e o novo acesso ao Palco Budweiser para quem vem do Chef Stage ou do Palco Perry acabaram por amenizar bastante os problemas em alguns gargalos problemáticos dos últimos anos, tornando a circulação entre esses trechos bem mais tranquila.
Outro ponto positivo do evento estava nos caixas, bares e locais de alimentação, que foram dispostos de maneira mais efetiva, evitando as áreas de maior circulação de pessoas. Mesmo com filas, acabaram fluindo de maneira positiva ao longo dos três dias de festival. Isso também mostra que o brasileiro já se acostumou com o sistema cashless e que, definitivamente, ele veio para ficar.
Em boas localizações, os postos médicos trabalharam com muita atenção e eficácia e até foram usados pela Júlia no início do terceiro dia de festival. Os profissionais estavam prontos para atender às diversas demandas com rapidez e assertividade. Em contrapartida, os banheiros – como em quase todas os festivais do tipo no Brasil, não foram suficientes para receber a quantidade total de pessoas passando por ali. Sujeira, vazamentos e o mau cheiro são pontos que, infelizmente, foram difíceis de evitar.
Além das áreas de utilidade pública, várias foram as ativações criadas pelos patrocinadores do Lollapalooza Brasil. Espalhadas por todo o Autódromo, o público podia curtir uma roda gigante ou até mesmo colocar um piercing enquanto esperava pelo seu artista preferido. Com várias ideias interessantes, os patrocinadores levaram diversão para o público além dos aguardados shows.
– Shows
Em três dias, a lista de shows disponíveis aumentou e temos algumas coisas para relembrar. Dentre os que assistimos, eis as nossas sinceras opiniões:
# Spoon
Se você viu o show do Spoon no Lollapalooza, considere-se um sortudo. Primeiro por conseguir chegar ao Autódromo na sexta a tarde (você estava de folga no dia, aposto) e, claro, pela apresentação da banda norte-americana que foi bem interessante. Foi um daqueles shows que você imagina de um jeito, recebe de outro e ainda assim consegue curtir. Ainda que o horário não tenha ajudado, claro. [JP]
# Royal Blood
Que banda, senhoras e senhores. Cada vez melhor ao vivo, o Royal Blood entrega exatamente aquilo que se espera do duo britânico e, naquele fim de tarde de sexta, não decepcionou quem bateu ponto no Palco Onix. Para quem pega de primeira, pode parecer um som “mais do mesmo” ou “sem grandes variações”, mas pensar em toda a sonoridade que emana do palco e que tudo aquilo é feito por apenas duas pessoas é bem interessante. Após dois festivais, já merecem uma turnê solo pelo Brasil, hein? [JP]
# LCD Soundsystem
Penso eu que é preciso toda uma preparação para se ver shows do LCD Soundsystem e, em festival, isso pode ter grandes chances de dar errado. Se você estava imerso no som ou em um local propício para tal, o resultado de todo o trabalho feito por James Murphy e companhia no Palco Onix deve ter sido bem interessante, como bem lembra o amigo Fernando Scoczynski na resenha publicada pela Popload. Já por aqui, o fato de chegar tarde ao local – por conta de caminhadas pelo autódromo e por querer ver o trecho final do show do Chance The Rapper – acabaram prejudicando a minha percepção. Como estava bem na lateral, a minha primeira experiência com a banda acabou sendo bem pior do que esperava. Uma pena. [JP]
# Red Hot Chili Peppers
Como fã, eu esperava mais. Como um fã apaixonado, eu quase me decepcionei. Como um bom expectador, pode-se dizer que o show do Red Hot Chili Peppers foi bem interessante de se ver. Pessoalmente, tenho problemas com o setlist atual da banda e acabo sentindo falta de coisas mais “porradas” que eram tocadas. Por isso, poder ouvir “Nevermind” ao vivo pela primeira vez foi, facilmente, o ponto alto do show. Vale destacar também que o Josh Klinghoffer resolveu cantar “Menina mulher da pele preta” do Jorge Ben Jor e ganhou meu coração e que a banda mandou as sempre boas “Blood Sugar Sex Magik” e “Aeroplane”. Esses momentos quase me fizeram esquecer as jams ainda cansativas e o fato de ter sido agraciado com as desnecessárias “The Adventures of Rain Dance Maggie”, “Can’t Stop” e “Snow”. Pelo menos esqueceram “Did I Let You Know” na casa do Mauro Refosco, o que já foi um grande alívio para os meus ouvidos que queriam um setlist bem diferente do que Anthony Kiedis e companhia fizeram em toda The Getaway Tour. [JP]
# Kaleo
No meio da tarde – muito – ensolarada de sábado, a banda islandesa Kaleo trouxe uma setlist bem montada, alternando bem entre as suas músicas animadas e lentas. A banda conseguiu mostrar seu trabalho no palco, executando suas músicas para um público que respondia com muita animação e conexão. Até os mais curiosos, que passam ali sem saber sobre quem estaria tocando, acabaram se encantando com toda a energia passada pelo grupo, fazendo cada vez mais pessoas pararem no palco Onix para curtir o som. [JM]
# David Byrne
Palmas, muitas palmas. Com um show muito bem planejado – um parabéns aqui ao diretor artístico, David Byrne e seus companheiros desenrolaram uma performance músico-teatral, com coreografias, muitos instrumentos e muita precisão. Era impossível não perceber a conexão entre os integrantes no palco e tudo que se propunham a passar para o público. Um show realmente imperdível e maravilhoso de se assistir. [JM]
# Imagine Dragons
Energia. Essa palavra define completamente o show do Imagine Dragons. O vocalista Dan Reynolds se entregou completamente a cada música tocada. A setlist contou em sua maioria com músicas de seu último álbum, Evolve, mas não deixou para trás os hits da carreira dos norte americanos. Toda a energia provocada pelas músicas e pela performance em si, foi passada – magnificamente – para todos que estavam ali. Coros, danças, choros… podia-se observar as mais variadas reações no público. Entre algumas músicas, Dan fez discursos sobre assuntos de pauta atual, como depressão e respeito a diversidade, conectando sempre a energia de suas músicas com a vontade da mudança do mundo para o melhor. [JM]
# Pearl Jam
Dizer que um show do Pearl Jam foi bom é quase como chover no molhado para quem conhece o trabalho ao vivo de Eddie Vedder e companhia. Em mais uma apresentação interessante, a banda mostrou porque é sempre lembrada pela curadoria dos festivais mundo afora e porque, se quisesse, poderia vir todo ano ao Brasil que levaria público onde tocasse. Entre discursos políticos e sociais, a banda desfilou os hits clássicos; tocou a nova “Can’t Deny Me”; deu os parabéns ao Perry Farrell, convidando o vocalista do Jane’s Addiction e criador do Lolla para uma versão especial de “Mountain Song”; fez todos se emocionarem em “Jeremy” ou “Black” e acabou colocada para fora do palco no fim de “Yellow Ledbetter”, que acabou sendo cortada devido o avançar da hora. Talvez eu trocasse os covers por músicas próprias em setlists de festivais… mas isso é uma opinião estritamente pessoal. [JP]
# Sofi Tukker
O duo formado por Sophie Hawley-Weld e Tucker Halpern encarou o sol forte do último dia de Lollapalooza Brasil e colocou o povo para dançar no Palco Onix. Eu não tinha um drinque, mas tomei a minha cerveja enquanto saciava a minha curiosidade entorno da apresentação do Sofi Tukker e a combinação de músicas como “Energia”, “Baby I’m a Queen”, “Fuck They” e “Drinkee” com toda a fofura emanada por Sophie no palco ganharam o público que por lá estava. Valeu chegar “cedo”. [JP]
# Milky Chance
A banda alemã mostrou bem o que veio fazer nesse festival: trazer muita música e diversão naquele domingo ensolarado. Com uma setlist animada, poucos conseguiram ficar parados com a performance do Milky Chance. Surpresos com a multidão que os acompanhava no Palco Bodweiser, o grupo se dedicava cada segundo mais para trazer A EXPERIÊNCIA para os presentes. O guitarrista Antonio Greger, querendo sentir um pouco mais daquelas pessoas animadas, ainda desceu na platéia e tocou sua gaita junto à multidão. [JM]
# Khalid
Com cheerleaders e o seu hip hop mesclado com r&b e uma pitada de pop, Khalid não fez feio no Palco Onix. Já tendo que lidar com um grande número de fãs que esperavam por Lana Del Rey, o cantor mostrou as faixas de seu excelente álbum American Teen, como as boas “Another Sad Love Song” e “Therapy”. Confortável no palco, o músico conseguiu entreter o público. Infelizmente, dei início a minha caminhada para o show do Liam Gallagher antes de ouvir “Location”, mas quem sabe na próxima… [JP]
# Aurora
A norueguesa que cada dia mais cresce na indústria musical mostrou toda a sua fofura e potência no palco. Mesmo entrando no lineup a poucos dias do festival, Aurora não demonstrou despreparo para se performar em frente àquela multidão que lhe esperava. Emocionada em diversos momentos, arriscou algumas frases em português e agradeceu genuinamente a todos os presentes. [JM]
# Liam Gallagher
No Palco Budweiser, Liam Gallagher entregou um show visceral e bem interessante, se assim podemos dizer. Ao contrário do irmão, Liam mergulha bastante no legado de sua antiga banda e, das 13 músicas tocadas em Interlagos, oito fazem parte das criações do Oasis. Soma-se a isso a marra de sempre do vocalista, uma banda competente, a interessante “Wall of Glass” e o resultado foi um show bem legal. Bem legal mesmo! [JP]
# Lana Del Rey
Com toda sua delicadeza, Lana Del Rey subiu ao palco e se entregou de corpo e alma na performance de suas canções. Transmitindo, como sempre, todo o carinho aos fãs, Lana desceu na plateia, aceitou pedido de música, e ainda fez um quiz no final para definir a última canção. Era clara a sua intenção em unir sempre a artista, a obra e os fãs, o que transforma o seu show em algo emocionante e poderoso. [JM]
# Wiz Khalifa
Ajudando a fechar o festival, o rapper norte-americano trouxe músicas importantes de toda sua carreira e, em cada verso entoado, se conectava mais com seus fãs e curiosos que estavam presentes no Palco Axe. Com discursos empoderadores entre suas músicas, Wiz Khalifa mostrou um carinho com os fãs e um cuidado com toda a experiência que proporciona a eles. [JP]
# The Killers
Antes do festival começar, eu me perguntava o motivo pelo qual decidiram colocar o The Killers como headliner do Lollapalooza Brasil. Ainda que tenha grandes hits e feito shows bem interessantes em festivais no último ano, dar a missão de encerrar o festival me parecia algo muito maior do que a banda merecia pela atual fase da carreira. Eis que Brandon Flowers e companhia resolveram provar por A + B que mereciam esse status e, com um show vigoroso, mostraram que a banda ainda tem força no Brasil para encerrar um festival do porte do Lolla. Mesclando todos os álbuns da carreira com faixas do mais recente deles, Wonderful Wonderful, o carismático Flowers interagiu com o público, convocou Dedé Teicher (baterista da Scracho e apresentadora do Multishow) para tocar em “For Reasons Unknown”, viu Liam Gallagher invadir o palco em “All These Things That I’ve Done”, fez o público chorar em alguns momentos e comemorar como se não houvesse amanhã em outros. No fim, nada mais justo do que encerrar o show – e o festival – com a grandiosa “Mr. Brightside”, talvez a música mais apropriada para se encerrar um evento na face da terra. [JP]
– Prós e contras
E aí? O que o Lollapalooza Brasil teve de bom ou ruim? Listamos alguns pontos positivos e negativos da edição 2018 do festival para você:
# Prós
- A proximidade dos palcos Axe e Onix acabou sendo uma experiência positiva para quem estava naquele setor do Autódromo e queria ver mais shows. Temos a certeza de que boa parte das caminhadas previstas antes dessa mudança estrutural foram poupadas.
- A distribuição de bares, locais de alimentação e caixas foi funcional e, após problemas no primeiro ano, a adaptação do público e de quem trabalha no festival com o sistema cashless parece ter ocorrido com sucesso. O resultado disso foi um funcionamento mais rápido e menos tempo perdido entre busca por bebidas, comidas ou compra de produtos.
- Salvo alguns nomes, a pontualidade dos shows foi também um ponto interessante do Lollapalooza Brasil.
- A reestruturação de alguns acessos – como as escadas criadas próximo ao Palco Budweiser – foi um grande ganho do festival.
- Com um lineup robusto e mais convidativo, o público vai ao Lollapalooza e esse ano não foi diferente. 2018 não fez feio e nos deu um dos três melhores lineups da história do festival no Brasil.
- Nada contra a Skol – que ainda podia ser encontrada em sua forma Beats em Interlagos, mas ter a Budweiser como cerveja oficial do Lolla e ainda encontrar um stand da Goose Island no Chef Stage não poderia ficar de fora dessa lista.
- Falando em Chef Stage, a mudança de local e uma maior distribuição das opções de alimentação no espaço que antes era o Palco Perry foi talvez o grande ganho do evento.
# Contras
- Ainda que tenha facilitado o acesso a mais shows, a proximidade dos palcos Axe e Onix acabaram descaracterizando um dos locais mais interessantes para se ver shows do festival.
- É complicado lidar com os preços das coisas em um evento desse porte, né? Ainda mais quando não se tem clareza sobre o que você pode ou não levar ao festival. A dúvida em torno do “pode ou não pode” levar água nos dias que antecederam o Lollapalooza – e um copo custando R$6 dentro do festival – poderiam ser evitadas, ainda mais quando você lembra que a edição de Chicago oferece água de graça para o público em seus quatro dias.
- A expectativa era de chuva, mas ela não veio. Com isso, quem deu as caras em setores do festival foi uma poeira que saiu do chão mais do que parte do público em alguns shows no Onix/Axe ou no Perry. Será que dá para minimizar isso?
- Os banheiros no Lolla sempre causam problemas. Ter torneiras nos banheiros já foi um grande avanço quando comparado com outras edições, mas ainda dá para fazer mais. Bem mais.
- Encarar três dias de festival sem feriado é tarefa para poucos e, talvez, isso explique o fato da sexta-feira não ter esgotado com antecedência. A locomoção em São Paulo é complicada e, ter o seu primeiro dia acontecendo em data útil, torna complicado para o público chegar em Interlagos a tempo de ver determinados shows. Isso poderia ser facilitado com uma maior organização do transporte público, com um menor intervalo entre trens e uma ampliação do serviço de ônibus que liga o Autódromo ao Terminal Santo Amaro.
– Saldo final
O Lollapalooza se adaptou bem em Interlagos e, hoje, é difícil imaginar o festival em outro lugar na capital paulista. Desde a sua mudança de local, ficou claro que o Lolla era grande demais para o Jockey e, agora, começa a lidar com um certo sufocamento – gerado pelas várias ativações – dentro do espaço ocupado no Autódromo. Não sabemos se é possível aumentar a utilização de m² do local, mas talvez o Lollapalooza mereça ganhar mais espaço para respirar e acomodar o seu público de 100 mil pessoas por dia.
Dito isso, é possível cravar que essa foi a melhor edição do festival no quesito estrutura. Não era difícil se locomover, comprar bebidas ou comidas, ir ao Lolla Market ou a Lolla Store adquirir uma lembrança ou registrar o seu momento preferido. Da abertura dos portões ao final de “Mr. Brightside”, o festival respirou música, comportamento e uma vibe positiva que até nos faz esquecer de certos detalhes nos quais o festival ainda pode crescer.
Na eterna briga pelos nossos corações, o Lollapalooza Brasil ganhou muitos pontos em 2018 e mostrou mais uma vez que não é difícil acertar, principalmente quando se respeita uma fórmula do sucesso já conhecida: lineup com grandes nomes como headliners, mescla com nomes atuais interessantes e uma estrutura que consegue envolver o público. E que venha 2019!
Cobertura feita por John Pereira e Júlia da Matta. Fotos por John, Júlia e Karen Rubim.