A primeira credencial a gente nunca esquece. Sou nova aqui no Audiograma e esse é o meu primeiro texto na casa, mas sou macaca velha. Jornalista com 10 anos de carreira e passagens por vários blogs, sites e revistas de música, já entrevistei artistas do mundo inteiro e vou em tantos shows que há tempos perdi a conta. Ainda assim, na última sexta-feira foi quando tive minha primeira credencial de evento grande. Louco, né?
Já comecei no Audiograma com o pé direito cobrindo o show do Green Day em São Paulo, em 3 de novembro. E que noite, meus amigos. Que noite! Adepta do jornalismo gonzo que sou, esse texto vai ser bem pessoal. Dá o play aqui em baixo nos setlists completos e vem comigo:
Cheguei no Anhembi às oito e meia da noite em um calor de 32 graus. O lugar é gigante e logo foi enchendo com o público de 25 mil pessoas (!).
Tava me achando com a entrada separada sem fila, a pulseirinha de rei do camarote escrito “PRESS” e a sala de imprensa. Melhor parte: poder fazer xixi em um banheiro de verdade sem fila enquanto a galera sofre no banheiro químico. Ah, as vantagens de ser jornalista. Mesmo parecendo o pai do Chris e tendo sempre 2 ou 3 empregos, eu sabia que uma hora essa profissão ia compensar!
Saí pra pista e por coincidência vi o show inteiro do lado do João Gordo (ídolo). O Noel do Rock Rocket e o Supla também estavam lá pertinho, no cantinho direito do palco. Aliás, o Supla virou uma atração à parte. As pessoas formaram fila para tirar foto com o Papito – que, como sempre, tem uma paciência de Jó e é gente boníssima, atendendo a todos com muita simpatia. Way to go, champ!
Antes do show começar, fiquei ali comendo uma mini pizza de R$ 24,00 (!) e reparando nas pessoas e no ambiente. A banquinha das bandas era caríssima, com camisetas custando R$ 80,00. Nem parcelando, moça, brigada. Tinha um painel bonito com fila pra tirar foto, que só perdia pras filas do Supla e da cerveja (Budweiser, que custava R$ 12,00 e foi motivo de muitas críticas e xingamentos no Twitter e no Facebook pelos fãs. “Ah, mas você ganhava um copinho de souvenir!”. AHAM). O uniforme básico da galera era short ou calça jeans, blusa preta, camisa xadrez e tênis Vans ou All Star. Tive várias paixonites platônicas, a começar pelo muso mor/crush eterno/colega Itaici Brunetti, com quem dei de cara assim que entrei na sala da imprensa (quase desmaiei), além de vários meninos na frente do palco, como um ruivinho hipster de regata e um punk de respeito com um colete do Rancid. Me liguem, ok?
No entanto, vi pouquíssimas pessoas negras no show. E olha que tinham mais de 20 mil pessoas. REFLITAO.
The Interrupters: a banda família
A noite começou pontualmente às 21h com a apresentação curtinha da banda californiana The Interrupters, apadrinhada pelos veteranos e conterrâneos do Green Day. O quarteto faz uma mistura de ska com punk maravilhosa, que remete aos gloriosos tempos de Specials e Operation Ivy (banda que foi o embrião do Rancid e de quem eles, inclusive, fizeram um cover). Foi a primeira vez na vida que vi os caras, não quis estragar a surpresa – aliás, fica a dica, o melhor jeito de conhecer bandas novas é vê-las tocando ao vivo – e a vocalista Aimee me impressionou. A banda é estilosíssima (que roupas, minha gente!), faz um show muito animado e competente e estava visivelmente emocionada com aquela multidão. Apesar de já terem 6 anos de carreira, eles ainda são pouco conhecidos e era a primeira vez do grupo na América Latina. O guitarrista, Kevin, repetiu várias vezes durante o show que essa era a maior plateia que a banda já tinha tido e não parava de agradecer. Seus irmãos, os gêmeos Justin (baixista) e Jesse (baterista), também eram só sorrisos. Pra quem curte música jamaicana, como eu, é impossível ficar parado no show dos caras. Junte a isso toda a simpatia deles e o resultado não poderia ser diferente: saíram ovacionados, com lágrimas nos olhos, felizes da vida e cheios de novos fãs.
Ainda estamos vivos
Eu vi o Green Day em São Paulo em 2010 e acompanho a banda desde que era criança. Não esperava que o show fosse tão diferente, mas já se somavam aí sete anos de espera e estrada, 5 álbuns e muito mais material para explorar. O último disco da banda, que dá nome a esta turnê (Revolution Radio), rendeu inclusive um ótimo clipe mostrando o quão longe eles já chegaram:
O setlist de duas horas e meia passou por toda a carreira do grupo, agradando tanto os marmanjos que estavam ali para chorar de nostalgia com as músicas do Dookie quanto as novinhas fãs de “Jesus of Suburbia” e a molecada que acabou de descobrir a banda. Às 22h em ponto, depois de uma espera ao coro de “Bohemian Rhapsody”, do Queen; “Blitzkrieg Bop”, dos Ramones, com um cara fantasiado de coelho e um rodie de tutu de bailarina; e uma música clássica de suspense e climão do Strauss que ninguém sabe o nome mas todo mundo já ouviu pelo menos uma vez na vida por causa do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, o trio finalmente subiu ao palco acompanhado de uma forte banda de apoio e abriu o show com as músicas mais novas.
Para quem nunca viu o Green Day de perto, o que o Billie Joe tem de talento, ele não tem de altura. Mas o baixinho não pára quieto no palco e usa muito a passarela, interagindo com toda a plateia, convidando fãs para participarem do show, pedindo trocentas vezes palmas e coros de “Hey, oh”!. Ele canta, toca guitarra, gaita, bateria, troca de instrumento, troca de roupa, conversa com a galera, pula, sobe no retorno, se joga no chão. Não dá pra acreditar que o cara tem 45 anos! Tré Cool e Mire Dirnt também fazem um show enérgico e esbanjam simpatia. O diferencial do trio é mesmo a zoeira. Quem sabe o punk rock seja, afinal, a fonte da juventude.
Eu sei, todo mundo reclamou que eles não tocaram “She”, mas não faltaram clássicos como “Basket Case” (momento catártico do show), “Longview”, “When I Come Around” e “Nice Guys Finish Last”. Agora, a grande surpresa da noite foi desenterrarem o Kerplunk. Esse é o segundo disco da banda, de 1991; e o meu preferido. Tocaram “2 Thousand Light Years Away”, desconhecida pela maioria do público ali, mas nem liguei. Nessa hora eu realmente me emocionei e me empolguei, cantando cada palavra a plenos pulmões e pulando que nem uma minhoca louca, para divertimento das meninas que riam ao meu lado, que deviam ter 18 anos recém-completos e não sabiam nem o refrão de “Welcome to Paradise”, mas quase choraram quando rolou “Saint Jimmy”. Acho que já cheguei naquela idade em que posso dizer que tocaram as músicas do meu tempo. Afe.
Eles também fizeram um cover de Operation Ivy e tiveram momentos marcantes como um mega solo de bateria do Tré e as inclusões de “J.A.R.” (Jason Andrew Relva) e “F.O.D.” no setlist. Essa última eles não tocavam ao vivo desde 2013! Vale relembrar também dos três fãs que subiram ao palco, com destaque para o último, que tocou guitarra e, mesmo nervoso, explorou todo o espaço como se fosse o show dele. Arrasou, migo! Em “Boulevard of Broken Dreams”, Billie pediu pra todo mundo acender a lanterna do celular, criando um ambiente bonito e um momento emocionante. Enrolado na bandeira do Brasil, ele dizia: “Isso que é vida, gente. Amigos, família e rock’n’roll!”. Aliás, o vocalista mandou várias frases motivacionais e esperançosas para a plateia durante todo o show, dizendo “ainda estamos vivos” em Português e tudo, mas sem deixar de lado alguns momentos de protesto. Como de praxe, criticou Trump, o racismo e a homofobia, levantando também a bandeira do arco-íris LGBT; e disse sentir muito pelo momento difícil que os fãs brasileiros passavam em seu país. A plateia respondeu com gritos de “Fora, Temer”, apesar de sempre ter aqueles manés que curtem punk rock mas não entendem as letras. AQUELES mesmos que você tá pensando, que só curtem o instrumental, que nem os fãs de direita do Dead Fish (risos).
A apresentação também foi cheia de explosões e fogos. Os estalos eram tantos e tão altos que várias vezes eu tomei uns baita sustos durante o show. Depois de uma música acústica, era praticamente um mini infarto. Não tem miséria! Haja efeito. Ainda teve mangueira de água, arminha que disparava camisetas super longe de presente pra galera, fumaça e chuva de papel picado colorido no final. Eles não precisam economizar, fazem o que querem e esbanjam essa extravagância divertida, incluindo um medley bizarro no final com a banda de apoio. Beatles, Stones, Doors e até “A Vida de Brian”, do Monty Python (!); solo de saxofone incluindo um trecho de “Garota de Ipanema”, Tré Cool vestido de passista de escola de samba cantando “Shout”, dos Isley Brothers… the zoeira never ends.
Mas e aí? Valeu a pena?
Minha missão era descobrir se ainda era relevante ver um show do Green Day. Isso porque eu sou uma grande fã, hein. Veja bem: a banda já tem 29 anos, 12 álbuns, muitos hits e duas passagens pelo Brasil (em 1998 e 2010). Estourou com o disco Dookie, de 1994; e marcou gerações. Tanto que, ali no Anhembi, era possível ver fãs de todas as idades, pais acompanhados de filhos pequenos, garotas jovens que curtiam mais a banda do American Idiot pra frente e gente na casa dos 30 anos, como eu, curtindo a nostalgia da infância e da adolescência. Se o Green Day é provavelmente a banda de punk rock mais bem sucedida desde os Ramones, como assim teria eu a audácia de questionar se o show deles ainda importava? Porém, vejo uma mesmice nos álbuns mais recentes, apesar das megalomanias que são a ópera rock American Idiot e a trilogia ¡Uno!, ¡Dos!, ¡Tré!. O Green Day foi taxado como “pop punk”, é o rei da fase áurea da MTV e todo jovem adulto que se preze tinha esse CD aqui em casa:
Ainda assim, vale a pena ver uma banda gigante hitmaker como eles de novo? Será que os trabalhos mais recentes, desde o American Idiot, são mesmo assim dignos de pagar 300 reais num ingresso, 12 numa breja e 6 numa água, pegar fila e usar banheiro químico? A resposta é sim.
Sim, meus amigos, porque o trio é realmente talentosíssimo e faz bonito em cima do palco, com a mesma gana e a mesma energia de quando eram moleques em seus primeiros anos de estrada. Porque o Billie Joe não para quieto um minuto sequer. Porque eles têm sucessos para dar e vender e uma memória afetiva de dar inveja a qualquer artista, botando milhares de pessoas para cantar a plenos pulmões em um idioma estrangeiro músicas que marcaram suas vidas. Porque entregam mais de duas horas e meia de show animadíssimos, genuinamente felizes, como se aquela fosse a melhor noite de suas vidas. Porque fazem a gente esquecer um pouquinho dos nossos problemas e poder curtir sem preocupações um bom show de rock, focar nas coisas boas da vida, sair do Anhembi suados, felizes e de alma lavada.
Ter quase 30 anos de banda realmente não é pra qualquer um e, além da resistência e da ótima forma, os caras são apaixonados pelo que fazem, tocam pra caralho, marcaram gerações, construíram um estilo único e são super divertidos e cativantes no palco. O show é uma experiência muito boa para pessoas de todas as idades e fases da banda. Então, sim, ainda é relevante e vale a pena!
Quase chorei no final quando o Billie Joe tocou sozinho, no violão, Good Riddance (Time of Your Life). Vida longa ao Green Day. Que voltem logo.