(…) “Acho que a banda gostaria que a mensagem de união entre as subculturas, de resistência underground, fosse lembrada. Que o que estamos fazendo agora encoraje outras pessoas aqui de Minas e JF a fazerem o mesmo, a fazerem por elas mesmas, seja um som, ou zines, ou eventos, pra que nossa cultura, ou nossa subcultura, jamais morra” (…)
A Poetisa Dissecada é uma banda nova no cenário underground nacional. Saíram das sombras urbanas e poéticas de Juiz de Fora em meados de 2016 e, desde então, passaram a oferecer ao mundo uma sonoridade híbrida de dosagens caóticas herdadas do Punk Rock com elogiáveis pinceladas obscuras da Dark Wave. O aspecto sombrio misturado com um instrumental um tanto agressivo (ressalte-se, no que diz respeito a algumas músicas), produz resultados interessantes e os torne promissores.
Os “poetas dissecados” que formam a banda são: Bernardo Falcão na guitarra, Júlia Amorim no baixo, Eduardo Vianna na bateria, e Bira L. Silva no vocal. Todos muito empenhados, decididos e talentosos, sendo que a fusão destes quatro integrantes proporciona resultados positivos. Além disso, há de se ressaltar que as apresentações feitas ao vivo são muito qualificadas e a banda recebe bastante elogio e reconhecimento pelas performances.
Abaixo, você ler uma entrevista inédita que o Audiograma fez com os membros da Poetisa Dissecada. Confira esta troca de palavras, de ideias e de pensamentos e aumente o som (de preferência, no volume máximo, sem medo)!
# Poderiam explicar o significado de O Deus Verme, nome do primeiro EP de vocês?
Primeiramente gostaríamos de agradecer nossa participação no Audiograma, e parabenizar a todos que se disponibilizam em apoiar bandas independentes, o underground nacional precisa muito de atitudes assim. A música “O Deus Verme” é, na verdade, um poema musicalizado de autoria do poeta Augusto dos Anjos. Desde o começo da banda, a ideia era interagir com poesia e arte, trazendo para dentro da esfera do som outros poetas, artistas visuais, etc.
Escolhemos “O Deus Verme” como a faixa título do CD, pois ela foi uma das primeiras canções que fizemos no início da formação, e a primeira a ser divulgada, apresentando a banda para os amigos que aguardavam algum primeiro lançamento nosso.
# Quais são suas principais influências artísticas de vocês?
Mesmo cada um dos integrantes tendo suas próprias influências musicais, acredito que nossas fontes estejam no Punk, Post Punk e Deathrock. Também temos influências de Salvador Dalí e dos surrealistas, de Kubin, Doré, Witkin, de poetas como Augusto dos Anjos, Edgar Allan Poe. Para o novo CD da banda já gravamos uma musicalização do poema “O Morto Alegre”, sob influência do Charles Baudelaire, enfim… som, poesia e arte nos inspiram!
# Qual foi o show mais marcante que já realizaram desde que começaram a se apresentar ao vivo e por quê?
Não sei se dá pra chamar de marcante, mas nosso primeiro show foi algo que realmente deixou boas recordações. Aconteceu de repente. A banda estava recém-formada, tínhamos acabado de compor as primeiras músicas, depois ensaiamos em estúdio apenas algumas vezes. Nesse meio tempo recebemos o convite da amiga Emma Riot pra tocar num evento Punk em Petrópolis, RJ. A banda fez sua primeira viagem neste dia. A Fabíola, ex-baterista, não pôde nos acompanhar, então, de última hora, o Eduardo Vianna (baterista atual) foi com a gente, tendo ensaiado apenas duas vezes (hahaha). Com toda correria, tinha tudo pra ser um desastre, mas mesmo a banda sendo nova, mesmo tocando poucas músicas, nossos amigos estavam lá empolgando, animando o show, dando força! O show acabou sendo muito inspirador e nós voltamos de lá com a certeza da continuação do projeto. É muito legal quando alguém acredita em algo antes mesmo daquilo acontecer, como fizeram.
# Como vocês veem o cenário underground nacional? Quais são os pontos fortes e os pontos fracos?
Aparentemente as coisas vão bem. Mesmo sob todas as adversidades que existem para os artistas independentes, vejo bandas lançando materiais incríveis, discos, CDs, camisas… os shows estão acontecendo, com muita garra de quem se dispõe a organizar e a fazer as coisas acontecerem.
O ponto fraco talvez esteja na própria “mídia underground”, pois hoje não há tantos projetos voltados para a divulgação das bandas, dos shows, da cena, e muita coisa boa acaba ficando nas sombras. Por isso agradecemos novamente o espaço aqui no Audiograma. Acredito também que temos que continuar apenas tomando cuidado para que nosso underground não caia em “mãos erradas”, pois com toda esta onda de extrema direita que vem acontecendo no Brasil e no mundo, as posturas opressoras vêm se tornando cada vez mais visíveis, presentes, e no underground não há lugar para essas pessoas.
# Há um clipe que vocês gravaram no qual há uma mescla entre cenas da banda tocando e fotos de Joel-Peter Witkin. Quem escreveu a letra dessa música? Como foi a produção do vídeo?
Bira: A letra foi escrita por mim. Me lembro de quando tive contato pela primeira vez com a arte de Joel-Peter Witckin, faz anos… Um amigo chamado Rafael me mostrou as imagens e me contou sobre a vida do artista. Mano… fiquei imediatamente fascinado com todo aquele teor surreal. Basta uma rápida pesquisa na internet sobre o Witckin, para entender tudo o que a música diz, que nada mais é que uma tentativa de descrever um pouco a arte dele.
A produção do vídeo foi divertidíssima, feita, assim como tudo que fazemos, de forma totalmente independente, sempre contando com a ajuda de amigos. Imprimimos as imagens e colamos pelo estúdio. A ideia era mesclar aquilo com cenas de documentários onde ele aparece montando seus cenários, e preparando seus “modelos”, pra, no final, soar como uma “homenagem”.
# O Dennis Sinned tocou com vocês no Woodgothic, correto? Como foi a participação dele?
Sim, correto. O Dennis Sinned é um amigo muito querido. Pessoas como ele são raras. Muito raras. Admiramos ele não só pela amizade, mas pelo artista que ele é… nunca ouvimos um só projeto dele que não soasse genuinamente profundo. Nosso ex-guitarrista arranjou problemas na primeira noite de festival, e foi embora. Problemas que tentamos esquecer e nunca mais passar por nada parecido…
Pensamos que nem fosse ser possível tocar, porém muitos amigos estavam lá, nos incentivando. Falamos com o Dennis, e ele aprendeu as músicas em uma única tarde, então fizemos uma apresentação que, para nós, foi inesquecível. Somos muito gratos a ele, e ao Festival Woodgothic que, a cada ano que passa, fica cada vez mais maravilhoso e intenso.
# Vocês trabalham as suas músicas com base no D.I.Y? Como costuma ser o processo de produção?
POETISA DISSECADA: Bom, O Deus Verme foi inteiramente gravado no estúdio de um amigo, e a versão física do CD foi feita com grana da própria banda. A gente valoriza muito materiais físicos, não apenas CDs, discos e fitas K7, mas também zines impressos, panfletos, apoiamos quando a coisa é feita dessa maneira também… hoje em dia tudo passou a ser virtual demais, e a graça do toque, das coisas palpáveis, está cada vez mais diluída na era da internet. Estamos trabalhando no segundo álbum, que será lançado em breve. A produção deste segundo lançamento está sendo bem diferente, passando por várias etapas. O Bernardo Falcão, nosso novo guitarrista, grava as cordas junto com a Júlia em casa mesmo, sem precisar do estúdio…
# Poderiam contar um pouco sobre o conceito por trás da arte da capa do EP?
Seguindo a ideia inicial, de dialogar nosso som com o universo das artes, a capa do EP é a imagem “Vision Of The Valley Of Dry Bones”, do artista Gustave Doré. É interessante na obra do Doré a forma como ele retrata os elementos de religião, sendo que seus trabalhos mais conhecidos são ilustrações de textos clássicos como a Bíblia, e da Divina Comédia, de Dante. Escolhemos aquela imagem porque ela é intensa, forte, misteriosa, assim como a maior parte da obra do autor, e acreditamos que ela ilustra muito bem o tema do CD.
# Quais são os planos de vocês para este ano? Há algum show agendado? Estão gravando algum material atualmente?
Inicialmente não tínhamos nenhum plano, pois a banda ficou um tempo sem guitarrista, mas agora estamos novamente a todo vapor, com o amigo Bernardo Falcão, também integrante das bandas Dignatários do Inferno e Ex-Filhos, completando a formação. Conhecemos o Bernardo através da Dignatários do Inferno, banda na qual é guitarrista, vocalista e compositor, e ele completa muito bem as ideias do Poetisa. Este ano, nosso maior plano é finalizar a gravação do próximo disco, Morte Absoluta, que terá oito faixas.
# Já há previsão para lançamento de novo material?
POETISA DISSECADA: Sim. O Morte Absoluta deve estar no ar em outubro ou novembro, mas antes do lançamento do álbum, uma das faixas, intitulada “Ossuários da Alma” deve ser lançada com um vídeo, como prévia do CD.
# Como vocês querem ser lembrados um dia?
Pergunta difícil… Acho que a banda gostaria que a mensagem de união entre as subculturas, de resistência underground, fosse lembrada. Que o que estamos fazendo agora encoraje outras pessoas aqui de Minas e JF a fazerem o mesmo, a fazerem por elas mesmas, seja um som, ou zines, ou eventos, pra que nossa cultura, ou nossa subcultura, jamais morra. Não queremos que ouçam, e nem que conheçam nosso som, os racistas, machistas, homofóbicos, fascistas, ou qualquer pessoa que se sinta superior às demais.
# Se vocês dividissem o palco com qualquer artista (pode ser vivo, ou já falecido) com quem dividiriam?
Júlia: Dentre muitos artistas internacionais e nacionais que admiro profundamente, e poderia escolher nesse “faz de conta”: Karolina Escarlatina. Porque além de mulher, ela é uma exímia baixista e vocalista. Consegue transmitir e aflorar sentimentos de forma singular quando ouço sua música – juntamente com Zaf, seu cônjuge e parceiro de banda. Acho que ela (eles) não tem ideia do que passa com sua voz alucinante, como num espiral de frenesi, e aquele baixo super na pressão. Hahaha.
Bernardo: Jimi Hendrix.
Eduardo Vianna: Jonny Cash!
Bira: Com o Dennis Sinned, outra vez! Haha.
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Abaixo, você pode ouvir o EP O Deus Verme: