Um arco-íris de ritmos, o retrato do amor pelo ato de fazer música e o medo de perder o direito de fazê-lo. Eis Rainbow, o aguardado terceiro álbum de estúdio e comeback de Kesha.
Com participações de Dolly Parton, Eagles Of Death Metal e Dap-King Horns, o álbum mescla referências já recorrentes em seus discos anteriores, porém sem o peso da conversão radiofônica que ocorria ainda sob poder de seu ex produtor musical e executivo, Dr.Luke.
Abaixo, veja a review track by track do álbum:
- Bastards
Com sonoridade acústica e vibe anos 70, “Bastards” encara com otimismo os ‘haters’ de Kesha. O trecho “I know people gonna talk shit / and darling, that’s fine” traz em si a essência da música; o desligamento da opinião alheia, muitas vezes infeliz. O encerramento com clima das músicas de Bob Dylan – inspiração magna da cantora – é uma carta convite ao resto do álbum.
- Let ‘Em Talk (feat. Eagles Of Death Metal)
A segunda faixa do disco desmente a teoria que a imagem party-girl hardcore de Animal, seu álbum de estreia, fosse uma criação de estúdio. O arranjo energético com a irreverente rebeldia de um garage rock embala uma letra que estende a ideia ‘que os haters se fodam’ de Bastards; “Shake that ass, don’t care if they talk about it / Fuck all that, haters, just forget about ‘em (Woah) Just let ‘em talk about it”
- Woman (feat. Dap-King Horns)
Feminismo à la Kesha, “Woman” é uma composição direta, explícita e inteligente com a mensagem de empoderamento feminino. A letra que nasceu do polêmico termo ‘Nasty Woman’ expelido por Donald Trump, ganha força com o arranjo jazzy pop-rock. Resumindo, não tem como se manter indiferente e inerte ao explosivo “I’m a motherfucking woman, baby, alright!’’.
- Hymn
“This is a hymn for the hymnless / kids with no religion”. Um hino, literalmente. O aparente segundo single do álbum é um pop não explosivo, lunático, mas catchy. O refrão tem quase a mesma estrutura rimada de “Closer” do The Chainsmokers, porém com uma letra madura e bem pensada, e além disso menciona um Hyundai, não um Rover. Brincadeiras a parte, “Hymn” é uma ode à juventude desajustada que Kesha saudou ainda quando ‘Ke$ha’ com “We R Who We R” e “Warrior”.
- Praying
Certamente o maior presente que Kesha pôde dar ao mundo em 2017. O lead single do álbum é uma dramática balada com elementos gospel e uma letra memorável, trechos como “Cause you brought the flames and you put me through hell / I had to learn how to fight for myself / And we both know all the truth I could tell / I’ll just say this is I wish you farewell” carregam o clichê de músicas de superação e a verdade da cantora, unindo a força ao potencial comercial da canção. Certamente, uma das canções que ajudaram a modelar a imagem do álbum e a de sua própria carreira daqui pra frente.
- Learn To Let Go
Uma das canções do álbum que foram lançadas com o acompanhamento de uma carta aberta é também a única em que poderia ser facilmente parte da tracklist de seus álbuns anteriores. Porém, a letra carrega o grande diferencial; “So I think it’s time to practice what I preach”. Kesha coloca em questão a fidelidade a filosofia de vida impetuosa e sedenta por felicidade que prega e que inspirou seus fãs e admiradores. A letra forte e a base electropop agradam o público que se interessa pela organicidade de trabalhos recentes e os fãs de seus antigos trabalhos; dançantes, cheios de sintetizadores e auto-tune.
- Finding You
“I know forever don’t exist / But after this life, I’ll find you in the next”. A letra nos remete a “Past Lives” de seu álbum Warrior, enquanto o arranjo não carrega a sofisticação e os escapes psicodélicos da produção de Wayne Coyne e sua trupe, como na referida canção. Seu ritmo, traz um folk carregado de euforia, resgatando a atmosfera acústica e espontânea após a explosão eletrônica de “Learn To Let Go”. A música está incrivelmente situada no meio exato do álbum, e deixa explicito com sutileza a noção compositiva em relação a tracklist, harmônica e bem pensada. Mais uma prova do quão bem estudada foi a estrutura do projeto, desde os mínimos detalhes.
- Rainbow
Em comparação com suas antigas title-tracks, Rainbow não possui a energia de Animal, a nitroglicerina de Cannibal ou o orgulho hardcore de Warrior. Em contrapartida, sua vulnerabilidade e o seu arranjo orquestrado retratam a artista madura que o álbum homônimo nos apresenta. O grande ápice da música acontece no pré-refrão, onde a cantora canta “Yeah, maybe my head’s fucked up / But I’m falling right back in love with being alive”. De tirar o fôlego.
- Hunt You Down
“Just know, that if you fuck around / Boy, I’ll hunt you down”. Sem a necessidade de mensagem política ou a intenção catártica presente na maior parte do álbum, nasceu “Hunt You Down”, um dos momentos memoráveis da obra. A música de base honky tonk produzida por Rick Nowels, braço direito de Lana Del Rey, possui uma letra assustadoramente doce sobre paixão obsessiva, que guia nosso imaginário a um romance ambientado em qualquer dive bar do Tennessee.
- Boogie Feet (feat. Eagles Of Death Metal)
A segunda faixa com o Eagles Of Death Metal, é um rock de garagem com vocais forçados, intencionalmente cômicos e tom de improviso, é a faixa mais fraca do álbum. Soa como uma mistura crua de “Dirty Love” e “Party At Rich Dude’s House” da própria Kesha, com “MANiCURE” de Lady Gaga. ‘’Are you scared of these boogie feet?’’
- Boots
Uma das poucas faixas com potencial comercial, “Boots” é um pop com climão faroeste e pegada eletrônica, que poderia ser ridiculamente denominado como ‘western house pop’. É provavelmente a música que seus fãs vão pedir nas boates, mesmo cientes de que é mais sexy do que propriamente dançante. “If you can’t handle these claws / you don’t get this kitty”.
- Old Flames (Can’t Hold A Candle To You) [feat. Dolly Parton]
A canção é um clássico definitivo do country americano; foi escrita em meados dos anos 70 por Pebe Sebert (mãe de Kesha), gravada na mesma década por Joe Sun, imortalizada na voz de Dolly Parton em 1980 e regravada em 2012 pela própria Kesha, para seu EP acústico, Deconstructed. Agora em 2017, “Old Flames” tomou espaço novamente, e dessa vez como parceria de Kesha e Dolly Parton.
- Godzilla
Se for levar em conta só o ritmo, você vai achar que é uma declaração de amor improvisada no violão, mas não se engane, “Godzilla” é uma grande piada. Não que a música seja ruim, bem ao contrário, é ótima! Sua função no álbum – espontânea ou planejada – é explícita; deixar claro que o humor e trocadilhos da cantora de “Dinosaur”, “Tik Tok” e “Grow A Pear” continua vivo. Além disso, prepara o terreno para o encerramento triunfal do álbum. “That’s what you get when you take Godzilla to meet your mom”. Compositora de mão cheia, coloca o monstro dos cinemas como metáfora para um namorado grosseirão e desajustado. Genial!
- Spaceships
A canção que fecha o álbum é tão incrível, que já nos deixa com saudade do próximo álbum, que nem foi lançado. A base bluegrass da música abraça a letra pessoal que Kesha compôs após uma experiência de contato imediato. Uma composição deliciosamente despretensiosa que serve como retrato definitivo da artista e sua arte, e para o público, um lembrete do porquê o mundo se apaixonou por Kesha. O final da faixa conta com a declamação de um poema e efeitos sonoros de crianças e uma nave espacial hollywoodiana, anunciando o fim do projeto, como aconteceu em Warrior, com “Past Lives”.
VISUALS
Mais uma vez Kesha não poupou referências e provou que o exagero estético é marca registrada em sua carreira. Alusões a UFO’s, contracultura, psicodelismo pop, cultura hippie e pós-beat são termos chave se tratando do projeto.
A belíssima arte gráfica do LP ficou por conta de Robbert Beatty, artista e músico situado em Kentucky nos EUA, enquanto a direção de arte ficou por conta de Brian Roettinger, também responsável por trabalhos de Jay-Z, Florence + The Machine e Steve Aoki, já as fotos do álbum são da autoria de Olivia Bee.
Os vídeos que segundo a própria cantora foram planejados com carácter idiossincrático foram dirigidos por Jonas Akerlund (“Praying”), Isaac Ravishankara (“Learn To Let Go” e “Hymn”) e Lagan Sebert (“Woman”), seu irmão.
A propriedade imagética do álbum, além de rica e bem planejada, vai de encontro a ideia das músicas, se tornando uma fiel ilustração, o que é muito importante para ampliação da experiência do álbum enquanto um projeto audiovisual, assunto que já foi abordado anteriormente aqui no Audiograma.
COMENTÁRIO FINAL
Um dos melhores álbuns de 2017 é hora ou outra decepcionante tanto para aqueles que esperavam apenas por baladas épicas ou os que ansiavam pelas batidas eletrônicas que a consagraram no início dessa década. Sua maior qualidade é a espontaneidade e a forma crua com que é apresentado.
Liricamente falando, Rainbow é um grande resgate a esperança perdida; uma ode a beleza da imprudência e um mergulho de volta a pureza da infância. Já musicalmente, o LP é uma miscelânea de influências, soa como a fome de fazer música e tem toda a voracidade experimental dentro do entediante e previsível cenário pop.
Para resumir: a definitiva consagração de Kesha como compositora e cantora.
Kesha – Rainbow
Lançamento: 11 de agosto de 2017
Gravadora: RCA
Gênero: Pop / Indie Pop
Produção: Kesha, Brody Brown, Rogét Chahayed, Stuart Crichton, Ben Folds, Ryan Lewis, Nate Mercereau, Rick Nowels, Andrew Pearson, Ricky Reed e Pebe Sebert.
Faixas:
01. Bastards
02. Let ‘em Talk (feat. Eagles of Death Metal)
03. Woman (feat. The Dap-Kings Horns)
04. Hymn
05. Praying
06. Learn to Let Go
07. Finding You
08. Rainbow
09. Hunt You Down
10. Boogie Feet (feat. Eagles of Death Metal)
11. Boots
12. Old Flames (Can’t Hold a Candle to You) (feat. Dolly Parton)
13. Godzilla
14. Spaceship