Já faz bastante tempo desde que a música não fala por si só, o que não é inteiramente ruim. Com a transformação da música num fenômeno audiovisual, a indústria fonográfica teve a oportunidade de oferecer a fãs e admiradores uma experiência cada vez mais imersiva, com possibilidades que seriam remotas antes da revolução digital no mundo da música, iniciada por softwares de edição de imagem e vídeo que embora revolucionários, hoje não passam de ferramentas ultrapassadas.
O fato é que hoje em dia, a indústria da música não é simplesmente produtora de arquivos de áudio, ela é uma maquina geradora de tendências e responsável por difundir na cultura popular traços de diversos movimentos, alguns dados como ‘’superados e/ou ultrapassados’’, outros ‘’underground e/ou alternativos’’, nascendo assim a importância de artistas estéticos na era do Audiovisual.
Para melhor entendimento é necessário exemplificar: imagine o ano de 2009, vários novos nomes tentavam a sorte de um grande sucesso, então, Lady Gaga, já famosa pelos singles de seu álbum de estréia, buscava “a sua marca”, algo que seria chamado de icônico. A americana juntou forças ao diretor Francis Lawrence e eis que surge a estrondosa e plástica “Bad Romance”. De fato, a música tem um imenso potencial comercial, mas não seria o sucesso que foi caso não tivesse a produção que teve, com um clipe memorável e uma coreografia que não demorou muito pra cair no gosto popular.
A música não seria o fato consagrador da carreira da cantora norte-americana caso o clipe fosse algo “comum” pois, nos dias de hoje, não se vende apenas a música, mas também a imagem do artista, o conceito explorado por ele e a complexidade que é incorporada a sua obra. Por isso que hoje, no mundo da música, o maior desafio não seja mais a superação de estilos, afinal, atualmente mescla-se tudo que faz sucesso – do tropical house ao trap – em uma só sonoridade, quase não existe mais o tesão insaciável na busca por uma nova musicalidade e, na contramão disso, a superação visual e a busca por novas correntes estéticas é a grande dádiva da música no século XXI.
Em constante crescimento e cada vez mais possibilitando que o público (re)conheça o artista e o admire não só por sua música, mas por sua marca num todo, esse momento representa uma imensa ferramenta para expressão de idéias, como é o caso de Charli XCX com seu álbum Sucker (2014), originalmente planejado como um álbum de punk rock, o álbum teve o percurso mudado por exigências da gravadora – fato que a própria britânica expôs em diversas declarações – e tecnicamente falando se tornou um álbum pop, com influencias da almejada essência punk porém longe de ser o produto final desejado pela cantora. O visual do álbum segue o conceito “teenage-punk GRL PWR”, foi planejado pela própria artista com auxílio da fotografa e diretora criativa Bella Howard e é um dos vários casos que, sem o auxílio estético, dificilmente compreenderíamos a alma do projeto.
Artistas musicais e bandas de todo o mundo tem dado imensa importância a diretores criativos e visionários das artes visuais. Entre os casos que merecem ser mencionados para ilustrar de melhor forma a importância dessa função muitas vezes não reconhecida estão Storm Elvin Thorgerson, o responsável pela maioria dos intrigantes clipes e as irreverentes capas de álbuns do Pink Floyd; o sueco Tim Erem, que auxiliou Tove Lo em sua descoberta visual; Julian Peploe (Perfectionist) e Sarah Schlumberger (Trouble), que ilustraram os conceituais álbuns de Natalia Kills; Giovanni Bianco, criador de toda atmosfera exterior do álbum Bang da Anitta; Ruth Hogben e Andrea Gelardin, donas do estúdio Lobster Eye e aliadas de Lady Gaga para a imagem do álbum Joanne; além de Angelica Cob-Baehler e Nicole Frantz, que basicamente deram vida a carreira de Katy Perry com a proposta visual do álbum Teenage Dream e as alegorias que consagraram a cantora, como os famigerados “algodão doce e chantilly”.
Para cada novo projeto, cantores e bandas reinventam suas imagens e buscam unir diversas áreas da arte para conceber aquilo que melhor ilustra sua criação primária, que no caso é a música. Alguns optam por manter determinado conceito condicionado a um álbum, outros criam álbuns com um conceito majoritário e exploram diferentes estéticas em seus singles. A verdade é que hoje a embalagem é tão apreciada quanto o conteúdo e isso não quer dizer que seja ruim ou signifique que a música passou a ser apreciada com os olhos, significa apenas que as possibilidades que hoje podem ser exploradas por um artista musical são várias, podendo migrar entre correntes estéticas ligadas a tribos urbanas e até ressuscitar o glamour de determinada época, como é o caso de Lana Del Rey e tantas outras artistas que se apropriam de estilos alternativos misturados a cultura vintage para elaboração de sua identidade visual.
Mudanças no formato de comercialização da música propiciaram o fenômeno audiovisual na indústria, a propriedade de imagem e as maravilhas decorrentes dessa. Porém, novas mudanças na indústria fonográfica e no formato de vendas podem comprometer ao longo do tempo o fenômeno do qual tanto falamos aqui.
Com a substituição do lançamento de álbuns por singles avulsos, como é o caso de Calvin Harris que não pretende lançar mais álbuns, apenas singles, a estratégia que parece estar sendo testada através de um DJ consolidado e tem como único objetivo poupar gastos desnecessários, pode se tornar padrão para várias gravadoras e selos, e consequentemente prejudicar uma onda de artistas, os roubando o prazer de arquitetar conceitos de imagem e levando também a abertura criativa existente.