Você já parou pra pensar quanta produção musical feminina é baseada na dor de ser mulher?
Esse é o tipo de frase que atrai a raiva de um monte de gente. Te juro que pelo menos uns moços leram isso e pensaram “ah, mas um monte de produção masculina também é baseada na dor de ser homem!”. E pensando superficialmente, esse até é um raciocínio válido. cada gênero escreve a partir da própria visão de mundo, certo? Pensando assim, o que a mulher faz é baseado em ser mulher, e o que homem faz é baseado em ser homem. Né?
Então, não. Porque a gente aí esbarra numa coisa muito curiosa: é óbvio que as canções e discos criados pelos homens também são frequentemente pautados no sofrimento inerente a ser humano – música triste tem pra todo lado, em todos os tempos da humanidade, afinal. Mas a diferença entre boa parte da produção masculina e feminina (e isso se estende a outros meios também, como a literatura e o cinema) é que a linguagem “humana” é baseada na masculinidade. Explicando em miúdo, como diria minha avó, é o seguinte: o homem frequentemente em sua produção fala do “ser humano”, por que ele se sente um humano comum.
Nós, mulheres, por outro lado, fomos tão oprimidas ao status de cidadãs de “segunda classe”, menores e menos importantes, com a existência completamente atrelada e dependente dos homens, que a nossa experiência “humana” passa quase que obrigatoriamente pela nossa experiência feminina – e é frequentemente diminuída por isso. Um exemplo claro: cê já reparou que um monte de livros, músicas e filmes feitos por mulheres ficam restritos à mulheres? Pense nas comédias românticas da Nora Ephron ou filme da Ada Vidal, em livros da Jane Austen, da Sylvia Plath, da Chimamanda Ngozi Adichie, em músicas da Beyoncé, do Garbage, do Blondie. Todas artistas famosas, validadas pela crítica especializada, cheias de sucessos – mas que ficam, por algum motivo, quase apenas nas rodas femininas. Quantos homens você conhece que curtem de verdade autoras e artistas mulheres?
Agora pense em quantas mulheres você conhece que gostam de Beatles, Rolling Stones, Drake, Strokes, Frank Ocean, Kanye West, Metallica, Game of Thrones, The Get Down, Quase Famosos, e mais tantas outras obras feitas por homens, sobre homens?
Tem alguma coisa meio estranha aí, não tem?
É importante demais que a gente consiga desfazer a noção de que o “normal” é ser homem e que a linguagem padrão é a masculina. Que o herói de mil faces é o homem e a mulher é a mocinha a ser resgatada, apenas um apêndice do personagem principal. Menos Mary Jane Watson, mais Gwen Stacy. Menos Cho Chang, mais Hermione. E a única maneira de fazer isso é ouvindo as mulheres – entender o que elas falam e perceber que a “experiência feminina” é tão humana, rica e cheia de significados quanto a masculina. Como diria a Regina Spektor, we’re the hero of the story, we don’t need to be saved.
Pra isso, precisamos colocar a produção e a voz femininas em pauta. Quando foi a última vez que você ouviu, leu ou assistiu uma mulher? Deixamos aqui uma playlist prontinha, que passa por tudo quanto é gênero musical, época e tem em comum essa visão de mundo tão peculiar às mulheres – não tem desculpa pra não se envolver hoje. 😉