Quando o piano se fez presente na introdução de “Dark Necessities”, já era possível se ter uma ideia da mudança que vinha junto com The Getaway, o novo álbum de estúdio dos californianos do Red Hot Chili Peppers.
No entanto, antes de falar do novo álbum, é preciso voltar alguns anos no tempo e perceber que essa mudança sonora já se passava pela cabeça de Anthony Kiedis, Flea, Chad Smith e Josh Klinghoffer, ainda que com menos liberdade e/ou impacto. Quem dedicou um tempo da sua vida aos californianos e ouviu as b-sides de I’m With You que foram lançadas entre 2012 e 2013, conseguiu perceber que tinha algo diferente na sonoridade de faixas como “Magpies On Fire”, “Love Of My Life”, “Pink As Floyd” ou “Your Eyes Girl”, só para citar algumas. Claro que a pegada antiga ainda estava lá e as faixas tentavam se moldar no formato padrão da banda, mas essas músicas já indicavam um pouco do que poderia acontecer no futuro.
Apesar desses spoilers liberados anos atrás e das faixas divulgadas nas últimas semanas, The Getaway consegue ser um disco cheio de surpresas. Ainda que já entregue a nova sonoridade já nas três primeiras músicas – as já conhecidas “The Getaway”, “Dark Necessities” e “We Turn Red”, é da quarta música em diante que conseguimos perceber que o Red Hot Chili Peppers está em um outro estágio e se permite navegar por águas antes não exploradas. É possível dizer até que esse estágio é algo no qual muitos não acreditavam que a banda conseguiria chegar, já que era difícil imaginar os Peppers fora do padrão musical construído ao lado de Rick Rubin e que se consolidou para o mundo com o álbum Californication.
São trinta e três anos de uma carreira intensa, carregada de altos e baixos e que, mesmo com mudanças em sua formação, mostravam a banda sempre em um trabalho linear, que não dava espaço para experimentos tão intensos. Desde o lançamento de Blood Sugar Sex Magik até o I’m With You, o Red Hot era muitas vezes uma banda previsível. Boa, mas previsível. Assumir riscos em sua sonoridade não era um ponto obrigatório no quarteto e, fora uma música ou outra jogada nos discos que preenchem esse tempo – como é o caso de “Cabron”, você já sabia o que esperar quando vinha um novo álbum. E isso foi rompido. Agora a banda resolveu apostar no novo, trocou Rick Rubin por Danger Mouse e Nigel Godrich, mudou o seu processo de produção e composição e o resultado é um disco que deixa expressa essa vontade de se libertar da tal formula e partir em busca de novos horizontes, com elementos que nunca foram explorados anteriormente.
É difícil apontar o motivo principal para essa mudança e talvez nenhum dos quatro integrantes saiba qual seria esse motivo. Talvez tudo isso seja fruto da idade, de experiências em outros projetos, de um amadurecimento tardio ou até mesmo da constatação de que o tempo passou e, por mais que seja legal, engraçado e que a banda não perca o bom humor que lhe é característico – principalmente em cima do palco, não dá pra mais para enfiar o dedo na tomada antes de ir pro estúdio e seguir num formato que visava entregar aos fãs faixas que tentavam ser uma nova “Give It Away” ou “Scar Tissue”.
The Getaway é um álbum que retrata bem esse momento atual da banda e as suas letras retratam o momento atual de um Anthony Kiedis que saiu de uma relação da pior forma possível e canalizou toda a sua frustração em diversas composições. Mesmo que algumas ainda sejam rasas como nos “velhos tempos”, o disco conta com algumas letras fortes, obscuras e com uma interpretação bem interessante de seu vocalista, que parece ter encontrado um encaixe perfeito de sua voz – e limitações impostas pelo tempo – com o instrumental da banda. O principal exemplo disso é “The Longest Wave”, faixa que considero como a mais consistente e marcante do álbum já em suas primeiras audições. Outras músicas interessantes que retratam essa vibe do vocalista são “Goodbye Angels” – uma das faixas que mais flerta com os álbuns I’m With You e Stadium Arcadium – e “This Ticonderoga”, que fala sobre lidar com o envelhecimento enquanto se está em um relacionamento com alguém mais jovem.
Em sua sonoridade, o álbum flerta de forma intensa com o R&B. “Sick Love” tem guitarras marcantes e remete a coisas produzidas dentro do gênero nos anos 90. Não sem motivo, o pianista convidado da faixa é ninguém menos que Elton John, que poderia ter soltado seu vozeirão pelo menos no refrão da faixa – o que também seria uma quebra de paradigmas da banda; mas ficou restrito ao instrumento. “Go Robot” também flerta com coisas antigas da música e cheira aos anos 80, com direito a sintetizadores tocados por Danger Mouse e uma pitada suave de Daft Punk.
Para não dizer que a banda abandonou completamente a sua fórmula de sucesso, The Getaway tem “Detroit”, aquela que pode ser conhecida como a única canção capaz de conquistar de cara os fãs antigos da banda. Fechando o disco, Kiedis e companhia entregam três faixas sombrias. A principal delas é “Dreams Of Samurai”, que começa com uma bela introdução de piano e a participação de Beverley Chitwood, abrindo espaço para o baixo sempre marcante do Flea, o vocal conciso de Kiedis e uma pegada psicodélica de Josh e Chad.
Várias são as bandas que encontram o seu formato e permanecem nele e, para o Red Hot Chili Peppers, seria muito fácil manter a linha segura e entregar mais um disco com a sua marca registrada e já consolidada. No entanto, a banda resolveu arriscar e entregar um disco diferente de qualquer coisa que tenha feito antes e o resultado foi realmente melhor do que o esperado. The Getaway não é um disco que vá brigar pelo posto de melhor álbum dos californianos – e talvez fique longe disso – mas é um disco coeso e que diz bem do atual momento dos Peppers. É um disco que mostra como o trio de casa enfim se encaixou e descobriu o seu caminho com Josh Klinghoffer – coisa que não tinha acontecido de um jeito tão uniforme no I’m With You – e acaba servindo como um ritual de passagem pelo qual a banda precisava trilhar. Se em 1995 teve o One Hot Minute e o seu ponto fora da curva, agora é a vez do The Getaway preencher esse espaço.
É difícil dizer o que será daqui para a frente e se a banda se manterá nessa linha apresentada em seu novo álbum, mas é fácil perceber que Anthony, Chad, Flea e Josh ainda possuem algo a oferecer aos fãs e a música depois de 30 anos, muitos hits e milhões de discos vendidos. E não é pouco.
Red Hot Chili Peppers – The Getaway
Lançamento: 17 de junho de 2016
Gravadora: Warner
Gênero: Rock
Produção: Danger Mouse (Nigel Godrich na mixagem)
01. The Getaway
02. Dark Necessities
03. We Turn Red
04. The Longest Wave
05. Goodbye Angels
06. Sick Love (feat. Elton John)
07. Go Robot
08. Feasting on the Flowers
09. Detroit
10. This Ticonderoga
11. Encore
12. The Hunter
13. Dreams of a Samurai