Os dias 11 e 12 de dezembro ficarão marcados para sempre na história dos fãs brasileiros de Pink Floyd como o momento em que David Gilmour se apresentou no Brasil pela primeira vez. Na sequência, o ex-vocalista e guitarrista de uma das maiores bandas de todos os tempos encantará Curitiba e Porto Alegre, em 14 e 16, respectivamente.
Como apaixonado pelo trabalho de Gilmour (o Pink Floyd é a única banda em que eu prefiro o guitarrista ao baixista), não estava nos meus planos deixar de fazer parte dessa festa inesquecível que uniu gente de todas as idades. Possivelmente, nunca vi tanto tiozão derramando lágrimas e pessoas disputando cada centímetro do Allianz Park para ficar próximo do palco. Aliás, quem enxerga mal e ficou longe do palco certamente teve problemas para poder ver com detalhes toda a perícia técnica do guitarrista. O palco possuía apenas um telão que era usado primariamente como efeito, como na época do Pulse. Ainda com esse probleminha, bastava fechar os olhos e sentir: era um show do David Gilmour, sabe? Ouvir é o suficiente. Fazer parte daquilo já é especial.
E bota especial nisso.
Nem mesmo o repertório ser previsível e idêntico de um show para o outro (algo que nós sempre discutimos muito nas páginas laranjas do Audiograma) diminui o brilho da noite. Afinal de contas, estamos falando do David Gilmour tocando e cantando clássicos do Pink Floyd, canções que fazem parte de qualquer seleção de melhores músicas de todos os tempos. E ele nunca veio ao Brasil antes, o que deixa uma carta branca para ele tocar o que quiser e bem entender, inclusive faixas do seu disco de estúdio mais recente, Rattle That Lock, como “Faces of Stone”, “A Boat Lies Waiting” , “Today”, a envolvente “The Girl in the Yellow Dress” e “In Any Tongue”, além da obra homônima que batiza o quarto álbum solo. Ou seja, Gilmour ainda permanece relevante e sem precisar usar os sucessos da sua antiga banda como muleta para tocar ao redor do mundo com turnês megalomaníacas. Não, isso não foi uma indireta para o ex-parceiro Roger Waters.
Falando nele, incrível como a técnica de Gilmour e sua banda afiada (especialmente a cozinha com o baterista Steve DiStanislao e o excelente baixista Guy Pratt, que é um tipo de músico competente que sabe mostrar a força e importância de seu instrumento nas horas certas e sem precisar chamar a atenção o tempo inteiro. Cada improvisação, cada nota fora da gravação era sentida e causava arrepios), que conta com um saxofonista brasileiro que teve vários momentos de destaque nas músicas mais clássicas do Pink Floyd, conseguem compensar a simplicidade do palco com uma pegada monstruosa. Com Gilmour no palco não precisamos de apetrechos tecnológicos de última geração para tornar um show de rock num espetáculo circense. É 100% pela música.
Ele não precisava, mas depois de tocar duas canções mais recentes, Gilmour colocou logo todo mundo para cantar e chorar com “Wish you Were Here”. Foi o jeito dele de dizer: “É, vocês estão me vendo. Sou eu aqui, pessoal.”, e emocionar todos que ainda se seguravam ou se mantinham incrédulos com a realização desse sonho. “Money” (o solo de guitarra nessa música, cara!), “Us and Them” e “High Hopes” (em um momento Gilmour acabou tocando parte do solo todo mascado [quando as notas não saem perfeitas e um pouco abafadas], e até isso foi um sinal de que a noite era perfeita por mostrar que até Deus pode errar) foram as outras clássicas que apareceram nessa parte inicial do show.
O show de Gilmour é dividido em três partes, sendo que a segunda dela começa apenas depois de um longo intervalo de vinte minutos. Para quem esperou a vida toda por essa oportunidade, isso é quase nada. “Astronomy Domine” abre o segundo bloco e logo depois temos “Shine on You Crazy Diamond”, o que foi uma verdadeira surpresa. Ouvir essa música ao vivo era um sonho para a maioria dos fãs que se espremiam e choravam no estádio do Palmeiras. E uma surpresa, repito, afinal a música não apareceu no repertório dos shows mais recentes e já havia deixado minhas esperanças de lado. “Shine on You Crazy Diamond” é algo inexplicável ao vivo. Temos a guitarra chorando baixinho naquele dedilhado único. O clima sendo criado aos poucos, sem pressa, deixando todo mundo “chapado” com as notas que chegam direto do CARA que inventou isso, da lenda viva que mantém a sua voz quase tão boa quanto na época dourada de sua banda. Aquele “tanan nan-nannnn” seguido da entrada da banda é de matar. Desde já rivaliza (dadas as devidas proporções) com a sirene que antecedeu o show do Rage Against the Machine no SWU como um dos momentos mais incríveis que presenciei nessa vida de colecionador de shows. Preciso dizer o quanto foi arrepiante gritar os versos que batizam a música?
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A parte três, o bis, foi breve. Desta vez o intervalo foi menor (lembrando que Gilmour tem 69 anos de idade) e a banda retornou para arrasar com o coração e mente de todos apaixonados por rock e psicodelia. A entrada com “Time” seria apenas mais um motivo para dizer que o preço ridículo dos ingressos valeu a pena. Cada centavo foi muito bem gasto para fazer parte daquela noite e guardar a recordação para a vida inteira, mas ainda tivemos “Breathe” de quebra. O Gilmour consegue combinar momentos de reprodução perfeita da gravação com outros em que improvisa e faz modificações discretas de quem domina a sua obra e também seu instrumento. Em “Time/Breathe” tive a sensação de pisar em nuvens e uma força quase sobrenatural me obrigou a fechar os olhos para entrar nessa viagem sonora e manter os pés no chão para dar conta do aguardado encerramento com “Comfortably Numb”. Ali, pertinho de todos nós, David Gilmour fazia os solos e cantava “Comfortably Numb”. Parecia um sonho ou uma alucinação causada pelo efeito lisérgico das músicas do Pink Floyd, mas era a pura realidade. Para todos que viram David Gilmour no Brasil, será para todo o sempre uma experiência única para se relembrar com lágrimas nos olhos e a certeza que ele faz por merecer todos os elogios.
Foto: Renata Belich