Quando o Pearl Jam iniciou a tour pela América do Sul, com as apresentações em Santiago e La Plata, ficar observando cada setlist e suas peculiaridades me deixaram com uma obrigação moral ou, como cheguei a dizer a alguns amigos, com uma dívida comigo mesmo: Eu realmente precisava ver a banda mais de uma vez no Brasil. Como já tinha comprado meu ingresso para o show em Belo Horizonte, ficou a dúvida: Para onde ir agora?
Porto Alegre ficou fora de cogitação devido ao custo/benefício, mas os deuses conspiraram e fizeram com que um presente caísse em minhas mãos. Ou melhor, na minha caixa de e-mail. Nunca antes na história deste país, cheguei a dizer que estava fazendo o trabalho mais prazeroso da vida e era exatamente essa a sensação quando saí de Belo Horizonte rumo a São Paulo sem a menor ideia do que esperar e com muitos desejos na cabeça. Eram muitas as possibilidades, muitas as músicas e, como já sabemos, o Pearl Jam nunca entrega o mesmo show por onde passa. E aquele era o meu primeiro. Era a primeira vez que Jeff Ament, Matt Cameron, Stone Gossard, Mike McCready e Eddie Vedder estariam ali, tão perto. Dá pra entender a minha empolgação, né?
Enquanto passava por todo o processo de viagem, acomodação, percurso até o Morumbi e, finalmente, chegar ao credenciamento, era raro não pensar em alguma música que a banda poderia tocar em São Paulo. Quando se vê uma banda pela primeira vez, você tem um setlist ideal na cabeça… e o meu, como podem imaginar, deveria ter pelo menos umas 75 músicas. Queria ouvir “Low Light”, “Dissident”, “Grievance”, “Daughter”, “Immortality”, “Life Wasted”, “Red Mosquito”, “Indifference”, “Release”, “Nothingman”, “Go” e “In Hiding”, só para citar algumas que foram tocadas nos shows anteriores pela América do Sul. No entanto, isso não faz do que eu vi em São Paulo algo ruim. Era impossível ser algo ruim, convenhamos. O fato é que são tantas músicas boas que, por mais que possa citar um setlist novinho agora enquanto escrevo sobre o que vi sábado, percebo que elas realmente não fizeram falta durante as mais de três horas de show na capital paulista. Tudo aconteceu como tinha que acontecer.
Quando as luzes do Morumbi se apagaram, a banda entrou no palco e “Long Road” começou a ser tocada, percebi que nada seria capaz de estragar aquele momento. Lá estava eu, estrategicamente posicionado no meio do público formado pelas mais diversas pessoas, das mais diversas idades e experiências, apenas observando aquela que é uma das bandas que me moldou musicalmente. E eles estavam tocando ali, quase ao alcance das mãos (ou não, rs). A sequência inicial formada ainda por “Off The Girl” e “Love Boat Captain” já deixou claro que aquilo que os presentes no Morumbi veriam era algo único. Em um português esforçado, Vedder se comunicou com o público e lembrou com pesar dos atentados ocorridos na noite anterior, em Paris. “Temos muito o que superar juntos” é a frase que fica não só para o que ocorreu na Europa, mas para todo e qualquer conflito existente mundo afora e, porque não, para o desastre ocorrido aqui do meu lado, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG).
Muito pelo discurso e pelas músicas escolhidas, o show estava com aquele clima que a banda sabe criar melhor do que ninguém. Quem era fã, cantava junto e se emocionava, mas faltava aquela canção que ia, de fato, incendiar a apresentação. Coube a “Do The Evolution” fazer as honras da casa no melhor estilo “taca pedra na vidraça” e fazer com que todo mundo se empolgasse. Inclusive São Pedro que, lá de cima, resolveu se empolgar com a sequencia do show, formada por “Hail Hail”, “Why Go” (que este que vos escreve acabou jogando cerveja pra cima em um momento especial de empolgação), “Mind Your Manners” e “Corduroy”, fazendo com que as nuvens, raios e trovões também se fizessem presentes no Morumbi. O que era um vento agradável se transformou em ventania e o palco começou a sofrer com tudo aquilo. A estrutura começou a se mover a ponto da banda interromper o show, com medo de que tudo despencasse.
Vedder, como bom mestre de cerimônias que é, pegou seu violão e mandou “Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town”, realizando um dos meus 75 sonhos. As coisas amenizaram a ponto do resto da banda voltar ao palco e já colocar fogo no público com “Even Flow”, que ainda teve Mike McCready solando com a guitarra nas costas no meio do público. Na sequência, espaço para “Come Back”, “Swallowed Whole”, “Given to Fly”, o clássico “Jeremy” e “Better Man”, que emocionou São Pedro a ponto da chuva começar a cair no trecho final da música e ajudar a disfarçar as várias lágrimas que estavam escorrendo pelos rostos de muita gente, inclusive em mim. Para fechar a primeira parte do show, a empolgação característica de “Rearviewmirror”, com a qual eu já tava tocando air-guitar sem me importar com o fato de que estava sozinho e, talvez, sendo observado pelas pessoas que estavam ao lado. Algumas mais empolgadas que eu, inclusive.
Após um pedido antecipado de desculpas da banda e da produção, o intervalo antes do “primeiro bis” durou dez minutos para que o palco fosse organizado. Parte da estrutura foi retirada para que a banda ficasse mais confortável durante o que viria pela frente. E não era pouca coisa. A volta se deu com “Footsteeps”, seguida do cover de “Imagine”, em mais uma referência aos acontecimentos em Paris. Momento único e que deveria ser encarado e entendido por todos. Não adianta você cantar o clássico de John Lennon como um pedido de paz em Paris ou na esquina da sua casa quando, momentos antes, estava levantando a voz e a mão para outro ser humano por causa de espaço na pista premium. Ainda é estranho perceber o quanto o ser-humano é contraditório. Um dia a gente aprende, eu acho.
Voltando ao show, “Sirens” levou fãs mais recentes as lágrimas. “Whipping” causou alegria no rapaz que estava ao meu lado que se sentiu realizado. “I Am Mine” deixou a esposa/namorada do cara tão feliz quanto. E eu? Aguardava naquele momento a sequência de “Blood” e “Porch”, que fecharam o primeiro bis e valeu por tudo aquilo. E sabe o pior? Ainda tinha pelo menos mais cinco ou seis músicas para ouvir e aquela noite parecia nunca mais ter fim.
Ao voltar para o segundo bis, veio aquela que foi a maior surpresa da noite para mim: “Comatose”. A melhor música do Pearl Jam (o disco de 2006) e que não era tocada desde outubro do ano passado. Era uma daquelas que eu não esperava mesmo ouvir. E tocaram. E foi lindo. Quem era “State of Love and Trust”, “Black” ou “Alive” depois daquilo? Ok, não é preciso exagerar e diminuir as outras, né? É que, pra mim, “Comatose” representou algo como você ganhar aquele presente de criança tão esperado, depois de quase dez anos. Se bem que tudo aquilo que estava vivendo era um presente. Um presente que me deram com pelo menos 15 anos de atraso. Um presente que, mesmo com o atraso, me deixou feliz igual criança.
E ainda teve “Rockin’ in the Free World”, o já tradicional cover de Neil Young. E ainda teve “Yellow Ledbetter”, aquela música que normalmente é tocada nos encerramentos dos shows e que, naquele momento, parecia mesmo o fim, já que todas as luzes do estádio estavam acesas desde que a banda tocou “Alive”. Os cinco (seis, contando com Boom Gaspar) se despediram, agradeceram ao público e saíram. Era o fim, mas ainda tinha mais, já que eles ainda voltaram para tocar “All Along the Watchtower”, cover de Bob Dylan e imortalizada por Jimi Hendrix.
Depois de mais de três horas, era o momento do Pearl Jam se retirar do palco em definitivo e deixar os fãs irem embora para casa. Não que a gente quisesse sair de lá, mas dado o avançar da hora e a logística de saída do Morumbi, era preciso. Como disse lá em cima, “tudo aconteceu como tinha que acontecer” e, por mais que tenha lamentado profundamente não ter visto a banda em terras brasileiras nos anos de 2005, 2011 ou 2013, algo quis que as coisas acontecessem agora, quase no apagar das luzes dos grandes shows de 2015. E posso falar? A experiência não poderia ter sido melhor, tenho certeza disso.
E o melhor é saber que ainda tem outro show (literalmente) para ver nessa semana. Definitivamente, eu não posso reclamar da sorte que tenho.
Fotos: Fábio Tito / G1
Setlist: pearljam.com