É dessa maneira que o público brasileiro costuma saudar os britânicos do Muse desde a primeira visita da banda em 2008, naquela época para três pequenos shows no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Até então, A Saga Crepúsculo não havia ganhado as telas de cinema (o que aconteceria apenas meses depois), então o Muse era uma banda para poucos e felizes fãs.
A partir do sucesso do longa-metragem, cuja melhor cena envolvia “Supermassive Black Hole” como trilha de um jogo de baseball entre vampiros, o trio formado por Matthew Bellamy, Chris Wolstenholme e Dominic Howard deixou de ser uma atração média ao redor do mundo e virou um monstro das grandes arenas, como foi o caso da última parte da turnê brasileira com esse show no Allianz Arena, o estádio do Palmeiras, em São Paulo.
O público mudou. E como mudou.
Nos “primórdios” do começo da fama do Muse no Brasil (e acredite se quiser, mas a cantora Pitty foi a principal “embaixadora” do trio no país. Ela sempre encontrava tempo para apresentar releituras de algumas canções da banda em seus próprios shows. Obrigado, Pitty!) existia uma comunidade oficial no Orkut e lá se concentravam boa parte desses fãs. Eram uns loucos alucinados que certamente venderiam o próprio corpo no eBay para realizarem o sonho praticamente impossível de ter um show da banda no país. Isso em 2005, 2006, vejam bem.
Se “Supermassive Black Hole” já havia sido uma grande ruptura do que o Muse costumava fazer em seus discos, os trabalhos seguintes foram se afastando cada vez mais daquela pegada insanamente agressiva do Origin of Symmetry. A cada novo disco, o sucesso com um público jovem e que desconhecia a banda aumentava proporcionalmente à decepção dos velhos fãs com os caminhos cada vez mais experimentais, preguiçosos e comerciais da banda. No entanto, quando você ama algo (seja uma pessoa ou uma banda), é normal ter comportamentos incomuns e gastar uma quantia considerável no preço do ingresso (em tempos de crise econômica) para assistir ao show de um artista que você passou os últimos meses reclamando. É exatamente como numa relação amorosa em que a outra pessoa te decepciona o tempo inteiro e você é incapaz de devolver na mesma moeda ou dizer: “basta!“. Como fã-apaixonado, você se obriga a acreditar que será diferente. Que você será notado, que conseguirá fazer a diferença, que voltará para a casa realizado.
Mas o Muse não é uma banda que faz questão de surpreender para agradar. Ele é previsível e burocrático. Murrinha do caralho. Sofre muito do mal das bandas que dependem das suas programações de sampler ou da deficiência vocal de Bellamy para conseguir sustentar mais de 1h20 de show. O que eles apresentaram em São Paulo nesse último sábado é praticamente o mesmo que fizeram no Rio de Janeiro (leia aqui) e em boa parte da turnê do disco Drones (leia o review aqui). É frustrante que um trio (ou quarteto, tadinho do Morgan) de músicos tão competentes se limite a seguir um roteiro pré-determinado e exaustivamente ensaiado. Nada no show do Muse pode ser considerado como um improviso ou algo especial de verdade.
São Paulo, assim como o Rio dois dias antes, viu o Muse cumprir a promessa feita em 2014 (quando cancelaram uma apresentação solo e fizeram um show meia-boca no Lollapalooza) de tocarem “Muscle Museum”. Antes, claro, a banda tocou “Resistance”. Quem conhece bem o Muse sabe que eles tem a hora certa de trocar as músicas do show. Se não for naquele momento, dificilmente acontecerá. Ao apresentarem uma novidade (“Resistance”) exatamente na hora em que se esperava por “Muscle Museum”, a impressão óbvia era que os caras não cumpririam a promessa. Felizmente, Matthew repetiu o discurso no show carioca e falou que tocaria uma “velharia”. Tocando com um tom diferente da gravação original (consequência direta do tempo na voz do vocalista), esse provavelmente teria sido o auge da apresentação, mas aí eles apresentaram “Citizen Erased” pela terceira vez no Brasil. E apenas por conta dessas duas músicas todo o esforço, frustração, toda a dor de um coração partido se transformou em parte da noite. Tudo aquilo fez sentido. Valeu a pena.
A comparação com o amor é justa, afinal vivemos uma eterna relação de troca. Foda-se o falso altruísmo. A parte do fã é comparecer incentivando, cantando e aplaudindo. A banda precisa dar esse retorno. A partir do momento que sua carreira segue rumos cada vez mais tortuosos e deixa parte dos fãs insatisfeitos com as novas músicas (“The Handler” e “Reapers” são as excessões nesse mundo de pop-rock brega que o Muse anda produzindo e não é por acaso que foram os melhores momentos da noite) e com ingressos considerados caros por muitos, a última coisa que se pode fazer é acomodar e deixar rolar. Você nem precisa ser notado, sabe, como na maioria das vezes acontece. Não me parece que Bellamy e companhia conseguirão sustentar por muito tempo essa marra e a absurda incompetência em trabalharem com um repertório variado e que permita improvisações reais. O Foo Fighters, por exemplo, enrola os seus fãs psicóticos com longas sessões erroneamente chamadas de jam’s, já que elas se tornaram músicas que se repetem nota a nota em cada show, mas pelo menos conseguem ter a cara de pau de se esforçarem para tornar aquilo memorável. O Muse nem se preocupa em olhar o relógio e por isso perderam o trono de melhor show de rock há muuuito tempo, infelizmente.
Não lotou o estádio (o público estimado foi de 27 mil pessoas), não foi nem de longe o melhor show do Muse no Brasil, mas estavam lá os fãs novos cantando “Madness”, “Dead Inside” e “Mercy” como se não houvesse o amanhã, os fãs da leva Crepúsculo se jogando com “Supermassive Black Hole”, e os fãs guerreiros calejados vibrando pelas migalhas de três canções “estranhas” naquele repertório básico e pouco inspirado. E essa mistura é sempre curiosa por permitir que tantas pessoas diferentes se conheçam e façam novas amizades (como ganhar uma cerveja porque pisam no seu pé). No final das contas, quando se fala de Muse, são os malucos apaixonados (mas cada vez menos loucos pelas músicas e mais com cara de cu por acharem que esse Muse atual é especial) que realmente fazem a diferença e tornam cada apresentação única e inesquecível.
Fica o desejo para que o Muse retorne num futuro não muito distante – e nem tão próximo assim. E que volte com sangue nos olhos para voltar a ser aquela banda incrível que servia como definição de “show” num dicionário. Os apaixonados agradeceriam imensamente se pudessem ter motivos de superar a frustração desse atual momento. Um dia poderá ser diferente.
Cheers.
[youtube]https://youtu.be/NNKD1Nlpz0Y[/youtube]
“Wash me away
Clean your body of me
Erase all the memories
They will only bring us pain
And I’ve seen all I’ll ever need“