Ser cantora de axé é pouco para Daniela Mercury. Se essa é a visão que você tem dela, então, você precisa se atualizar. Em oito álbuns de estúdio já lançados desde 1991, Mercury mostra que gosta de inovar e busca sempre o novo. Não é à toa que Camille Paglia, ensaísta e escrito estadunidense, disse que “Daniela Mercury é a artista que Madonna gostaria de ser”. Patriota, nacionalista e apaixonado pelo Brasil, é assim que podemos definir o último álbum de estúdio da baiana, que levou quatro anos para ser concluído. Influenciada pela antropofagia de Oswald de Andrade, Daniela Mercury lança Canibália.
A canção que abre a versão padrão do álbum é “Trio em Transe”, uma homenagem às artes plásticas e, nela, Mercury já mostra o que deseja no álbum: recriar o mundo. A canção contém referências a escritos brasileiros, como Jorge Amado (Gabriela), e às canções e cantoras que exaltam a nossa terra, como a portuguesa “abrasileirada” Carmem Miranda – uma das grandes homenageadas do trabalho. “Oyá Por Nós” mostra o sincretismo religioso presente na Bahia, e no Brasil, puxando Mercury para às origens africanas. Margareth Menezes dá força à canção com sua voz potente. A faixa composta por Menezes, Mercury e Alfredo Moura, contém batida eletrônica, que nos remete às canções do álbum Carnaval Eletrônica (2004), de Daniela.
Como dito, Carmem Miranda é uma das grandes homenageadas do trabalho. Ela canta com Daniela em “O Que É Que a Baiana Tem?”, de Caymmi, terceira faixa do projeto, que também ganha adição de sintetizadores e uma batida dançante. Seu Jorge chega em “Preta”, canção lançada por Daniela Mercury no carnaval de 2007, onde ela diz que em seu sangue “o dendê se misturou”. A faixa é carnavalesca, com batidas fortes e características do carnaval da Bahia, e, sobretudo de Daniela. A ela, são adicionados os versos de “Sorriso Negro” (Adilson Barbado, Jair Carvalho e Jorge Portela), eternizado por Dona Ivone Lara, e cantados por Seu Jorge, que finaliza a canção com rap.
“Sol do Sul” é um reggae praiano de fim de tarde. Foi escrito por Daniela e seu filho Gabriel Póvoas, em homenagem ao povo da América Latina, em especial do Brasil – “La, la, la, la, la, la Latina américa, latina américa/América do Sul (…) Eu trago o sol/Eu trago o sol do dul da América”. No álbum não tem tristezas, pois, afinal, “A Vida É um Carnaval (La Vida És un Carnaval)”. Na sexta faixa de Canibália, Mercury segue o ritmo tranquilo deixado por “Sol do Sul” em um samba carnavalesco que questiona: “Pra que chorar?/Se a vida é um carnaval/E é mais belo viver cantando?”.
“Castelo Imaginário” é uma canção que chega mansa e depois ganha tamanho e força. De temática romântica, mas sem melodramas, fala de um amor não correspondido (“Eu não vou te prender/Como flor num jardim (…). Eu não posso fingir/Que o amor é de dois/Se o amor é de mim pra você/Um pra você”). A oitava faixa do álbum é “Dona Desse Lugar”, uma homenagem às tribos indígenas do Brasil, e a própria história do país. Nela, Mercury fala da história e característica dos povos desde a chegada dos portugueses até os dias atuais.
Com assovios tranquilos no começo da faixa, Wyclef Jean soma em “This Life is Beautiful”. A canção segue tranquila do começo ao fim, alternando os vocais entre Jean e Mercury, que alterna entre o inglês e o português. “Bênção do Samba” é um medley muito bem feito de “Na Baixa do Sapateiro” (Ary Barroso), “Samba da Minha Terra” (Dorival Caymmi) e “Samba da Benção” (Baden Powell e Vinicius de Moraes). Na faixa seguinte, “Cinco Meninos”, Daniela chama toda a família Mercuri está sentada a mesa para cantar uma canção composta para homenagear os pais da cantora.
Mercury ainda tem espaço para fazer uma releitura de “O Que Será (À Flor da Terra)?”, canção lançada por Chico Buarque em 1976, que ganha batidas carnavalesca abafadas em um ambiente misterioso, engrandecido por sussurros de Mercury, em certos momentos, e os violinos. A percussão baiana ganha batidas eletrônicas em “One Love”, de Sara Tavares e “Tico-Tico no Fubá” – faixas boas para as pistas.
Canibália é um dos melhores álbuns de Daniela Mercury. Traz toda a alegria e brasilidade da cantora baiana, mesclada entre canções históricas e faixas nos estilo contemporâneas. Se você, como eu, precisa de uma boa dose de música brasileira para viver bem, então, Canibália tem que estar sempre a mão.
Daniela Mercury – Canibália
Lançamento: 23 de outubro de 2009
Gravadora: Sony BMG Music Entertainment
Gênero: Música brasileira
Produção: Ramiro Musotto, Alfredo Moura, Mikael Mutti, Gabriel Povoas e Wyclef Jean.
Faixas
01. Trio em Transe
02. Oyá Por Nós
03. O Que É Que a Baiana Tem?
04. Preta
05. Sol do Sul
06. A Vida É um Carnaval
07. Castelo Imaginário
08. Dona Desse Lugar
09. This Life Is Beautiful
10. Bênção do Samba
11. Cinco Meninos
12. O Que Será (À Flor Da Terra)?
13. One Love
14. Tico-Tico no Fubá