No dia 28 de outubro de 2018, após a vitória do então presidente, Artur Nabeth se viu impulsionado a interromper seu longo hiato na música — seis anos, precisamente — para reagir a um dos momentos mais aterradores da presente democracia. Decidiu tirar algumas melodias da gaveta e foi dando vida ao seu primeiro álbum solo, Mitos, um disco que fala sobre descrença, mas também esperança e resistência: “Quem acompanha a política de perto, como eu, já sabia que os artistas seriam perseguidos à partir daquele dia“, diz.
Inspirado pelo nascimento do filho, Nabeth retomou algumas ideias inacabadas e criou sete novas canções em duas semanas, acompanhado por Marcelo Rezende — produtor do disco e amigo de Artur —, criou os arranjos das canções e finalizou o processo de criação em dois meses. A faixa Mitos contém diversas camadas de boas contradições: uma animação em 8-bit que se passa no futuro; a figura do “mito” na política, e o verdadeiro mito, o filho do artista, são algumas delas.
“Todas as letras estão permeadas por um sentimento de desesperança, de frustração. Mas, ao mesmo tempo, de uma certa resignação diante disso, no sentido de ‘está horrível, a gente tombou, em vários sentidos, mas vamos seguir, vamos em frente, porque é isso que tem que ser feito’”
Não é apenas a faixa autointitulada que traz dualismos. A resignação é constante durante os 30 minutos de obra e aponta para diversos preconceitos existentes no país, inclusive a legitimação do trabalho artístico apenas quando há retorno financeiro. Gravado em três dias, a sonoridade vai do indie pop, passa pelo rock, jazz, soul e MPB, e conta com maiores influências de Los Hermanos, Luiz Melodia, Tim Maia, Stevie Wonder, Ed Mott, Jorge Ben, etc. Nabeth conta que queria um álbum que tivesse sonoridade semelhante, o que influenciou a escolha dos músicos que participaram como banda: são artistas que tocam de tudo um pouco.
Entre os artistas que tocam em Mitos, Leandro Vasques (Marcos Sacramento/Mart’nália/Alice Caymmi), Pedro Fonseca (Pedo Luís/Jorge Ben), Lourenço Vasconcelos (Letrux/Relógio de Dalí), Vinicius Lugon, Denize Rodrigues e Vitor Tosta. Manfredo Jr, ex-colega de banda e amigo de Artur, toca em quatro faixas. Uma equipe de peso para um grande álbum de estreia.
Em maio, foi lançada uma prévia do disco: o clipe de “Dois Náufragos”, feito com imagens de bastidores das gravações do álbum. A música tem um tema um tanto inusitado: um episódio de canibalismo após um naufrágio, relatado em um trecho do livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez — que é recitado por Artur Nabeth na gravação. Curiosamente, a canção foi parar em uma playlist de canções para procissão de Corpus Christi e teve um salto na audiência. O clima celestial do arranjo, o vocal doce e versos como “Onde quer que eu vá/ lembro de você/ do gosto granuloso e doce da tua santa carne” levam alguns a pensarem que se trata de um louvor religioso, uma alusão à comunhão católica. “Não imaginava que iria atingir esse público, mas sejam bem-vindos”, diverte-se Nabeth.
Mitos está disponível em todas as plataformas de stream.