De estrela obcecada por controvérsias a definitivo ícone do século XXI, é inegável que Lady Gaga se tornou um dos principais objetos de estudo da cultura pop na contemporaneidade.
Contextualizar a partir da filosofia o arsenal de referências oferecido pela artista é o objetivo do filósofo e pesquisador paulista Ali Prando em seu novo curso Lady Gaga e a Filosofia da Fama, que tem início marcado para o próximo dia 23.
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Ali já idealizou cursos de sucesso sobre o tema, como Politizando Beyoncé e Björk – Paradigmas do Pós-humanismo.exe, ministrado no MIS em 2019. O Audiograma conversou com o filósofo que amalgama cultura pop a referências como Paul B Preciado e Judith Butler em seus cursos em um papo sobre filosofia, cultura pop e claro, Lady Gaga.
Como podemos relacionar a cultura POP com a filosofia? Como você trabalha essa ponte?
Nos últimos anos, criei isso que tenho chamado de laboratórios anarcopopdadaístas: promovo encontros, especialmente para mulheres e pessoas LGBTQIA+, onde discuto tanto a importância do impacto cultural e estético de artistas icônicos da cena POP, que alteraram nossas percepções acerca de gênero, sexualidade, corpo, tecnologia…
É um exercício um tanto complexo, porque esses artistas tem diversos colaboradores (diretores, fotógrafos, make up artists, designers, produtores musicais) e se conectam também com diversos campos das artes (vídeo-arte, moda, performance, teatro, música).
Ao mesmo tempo, tento mapear com os estudantes quais são as curadorias propostas por esses artistas – as respostas estéticas que eles articulam a partir das suas afetações em relação aos poderes hegemônicos e como dialogam com seu tempo, seja por exemplo quando Madonna fez ‘Erotica’ em plena era pós-AIDs e a máxima do conservadorismo norte-americano, David Bowie que radicalizou a política de gênero criando a persona pansexual e pós-identidade de Ziggy Stardust, Beyoncé denunciando a violência policial contra a população negra. As perspectivas e os textos fundamentais de alguns teóricos norteiam esses encontros, como Judith Butler, Achille Mbembe e Paul B. Preciado.
E o que podemos aprender com Lady Gaga?
Lady Gaga sintetiza novas perspectivas em relação a gênero e sexualidade. Ela pode ser interpretada como um símbolo do fim da era da normalidade: cresce exponencialmente a mesma medida em que as famílias transviadas vão surgindo, e uma nova geração de jovens vão experimentando suas identidades, desmantelando a binariedade de gênero.
Bebendo das linguagens desenvolvidas pelos nossos ancestrais queer, como Andy Warhol e seu Studio 54, Grace Jones, Freddie Mercury, Bowie, Drag Queens, Club Kids e Madonna, ela funciona como uma antena que sinaliza o colapso da heterossexualidade. Lady Gaga incorpora uma espécie de pós-feminismo, fluidez sexual e de identidade.
Antes de Filosofia da Fama, você já deu cursos sobre Björk, Madonna e Beyoncé. Por que a escolha dessas artistas?
Sou profundamente interessado pelo cruzamento da política e da cultura POP. As artes podem ser utilizadas como espelhos de uma sociedade: elas mostram nossos anseios, medos, ambições, os valores que mediam nossas “realidades”.
Lembro que quando era criança, por exemplo, fui marcado pelo icônico beijo de Madonna, Britney Spears e Christina Aguilera no VMA em 2003, em plena Era Bush. Nos dias que sucederam essa performance, toda a imprensa, de maneira sensacionalista ou não, foi forçada a pensar sobre casamento LGBT – parece pouco hoje em dia, mas naquela época foi um boom gigantesco.
Desenvolvi o ‘Politizando Beyoncé’ inspirado no percurso estético que Beyoncé teceu nessa década principalmente, onde ela utilizou sua própria biografia e plataforma para forçar com que refletissemos acerca dos símbolos que perpassam a construção da negritude, a supremacia branca nos Estados Unidos, feminismo, representatividade.
Já o ‘Björk – Paradigmas do Pós-humanismo.EXE’ foi feito especialmente para a passagem da exposição ‘Björk Digital’ no Brasil. A obra de Björk é gigantesca, e permite infinitos diálogos: onde começa o humano e onde termina a máquina? O que significa a autoria do artista no contemporâneo? Podemos produzir um feminismo ciborgue que supere a noção de corpo biologizante? São questões assim que eu queria explorar nas ocasiões em que apresentei esse projeto.
Todas essas artistas operam de maneira a hackear nossos imaginários, funcionam como verdadeiras flautistas de Hamelin nos instigando a desejar mais do que a normatividade pode nos oferecer.
Como você acredita que a provocação POP pode servir como uma arma contra o conservadorismo crescente nos dias hoje?
O filósofo francês Michel Foucault tem uma tônica que nos provoca bastante; ele pensa que as opressões produzem também resistência e rebeldia academia nos ensina o tempo inteiro a sermos brancos, heteronormativos e comportados, sobretudo a Filosofia que é feita a base do pensamento eurocentrado. Então, quando faço laboratórios como ‘Lady Gaga e a Filosofia da Fama’, me sinto como se estivesse criando uma filosofia punk, transfigurando e desterritorializando os saberes hegemônicos acadêmicos e colocando-os para dialogar com aquilo que é desprezado, a cultura POP, os saberes queer. Foi uma das maneiras que eu encontrei de resistir e subverter um ambiente.
Da mesma maneira, é curioso observar várias obras POP geniais que foram criadas em períodos políticos turbulentos: ‘Formation’ de Beyoncé e ‘This is America’, que são criados durante o governo Donald Trump e o levante do Movimento Black Lives Matter, ou os manifestos audiovisuais transvestigêneres de Linn da Quebrada ou Ventura Profana que foram feitos durante o governo Bolsonaro no Brasil.
O fato é que os movimentos de emancipação sociais (feministas, negros, queer) são verdadeiros hackeadores e permanecerão resistindo filosoficamente e artisticamente, apesar de todas as opressões com as quais lidamos em nossos cotidianos. Nós aprendemos com a dança, a música, a poesia, o cinema, a performance, o videoclipe, e com várias tecnologias políticas que são frequentemente desprezadas.
Patria Hill Collins, uma importante teórica e feminista negra, escreve que durante seus primeiros escritos não encontrava as referências acadêmicas como primeira movimentação de suas provocações. Da mesma forma, penso que isso também acontece com a cultura desenvolvida pelas pessoas queer e transviadas. Nós aprendemos nossas técnicas de sobrevivência nas pistas de danças, nas ruas, nas boates e onde mais pudermos.
Além de filosofia, o curso tratará de outros temas relacionados a Lady Gaga, você pode falar mais?
Sempre gosto de ter convidades em todos os laboratórios que eu faço, até mesmo porque considero importante deslocar a academia e tensiona-la com artistas ou pessoas que tem saberes e tecnologias diferentes dos padrões das universidades.
Filipe Catto, Letrux e Luiza Lian passaram por ‘Björk.EXE’, Marina Lima e Aaron Smith (make up artist de Madonna) passaram pelo Madonna Explícita, MC Tha e Larissa Luz passaram pelo ‘Politizando Beyoncé’.
Em ‘Lady Gaga e a Filosofia da Fama’, convidei Matheus Gouthier, pesquisador e artista que admiro enormemente e trabalha com perspectivas relacionadas a direção de arte e Getúlio Abelha, artista nordestino que produz música POP misturando referências que vão de Lady Gaga até Calcinha Preta, tão irônico quanto a performer que motiva os diálogos propostos por esse curso.
SERVIÇO: LADY GAGA E A FILOSOFIA DA FAMA
Quando: 25 e 27 e novembro, 02 e 04 de dezembro de 2020 (quartas e sextas)
Quanto: R$ 100,00 + taxa (valor único parcelável)
Turma única das 19h30 às 21h30
Inscrições: até 25 de novembro através da Sympla. Após a confirmação do pagamento você receberá instruções sobre a transmissão do curso. Os encontros serão ao vivo, nas datas e horários indicados e através da plataforma Zoom.
Programa do curso:
– Encontro 1: Do que é feito o Gagaísmo?
– Encontro 2: Don’t be a drag, just be a queen (participação de Gouthier)
– Encontro 3: O fim do normal
– Encontro 4: Experimentações e constelações criativas (participação de Getúlio Abelha).
Quem orienta:
Ali Prando é filósofo. Pesquisador pelo CNPq com as temáticas de gênero, sexualidade e feminismo através de perspectivas butlerianas. Também escreve para os sites Disco Punisher e WhatElseMag, somando mais de 200 entrevistas com ícones pop – de Caetano Veloso à Charli XCX, de Elza Soares a Pabllo Vittar. Além de ‘Madonna Explícita’, também criou os cursos ‘Politizando Beyoncé: Raça, Gênero e Sexualidade’, considerado pelo jornal HuffPost como “tudo o que você precisa e não sabia”, ‘Björk: Paradigmas do Pós-humanismo.exe’, organizado com exclusividade para a passagem da exposição “Björk Digital” pelo Brasil, e mais recentemente ‘Madonna Explícita’, que celebrou o aniversário da rainha do pop e contou com participação de profissional que da equipe da artista. Em seu histórico estão festivais como Mix Brasil, No Ar Coquetel Molotov, Path, WHOW! e MECA, além de espaços como Tapera Taperá, Museu da Imagem e do Som de São Paulo, Museu da Diversidade Sexual, Unibes Cultural, unidades do Sesc em São Paulo e universidades brasileiras.
Participações:
– Gouthier é artista, pesquisador e jornalista musical. Graduando em Artes Plásticas pela Escola Guignard. Ele pesquisa a direção de arte fonográfica e suas potencialidades enquanto interseção de diferentes técnicas, como também seu jogo de referenciação e ressignificação com a arte moderna e contemporânea.
– Getúlio Abelha é cantor e compositor. Nasceu em Teresina (PI), mas radicou-se em Fortaleza (CE) em 2012, onde começou a fazer sucesso na cena alternativa. Desde então, saiu dos bares, rompeu as fronteiras locais e levou seu ecletismo e irreverência para outros estados. Também coleciona passagens pelo cinema e pelo teatro.
Realização: Disco Punisher