Texto colaborativo escrito por Rafael Durão e Guilherme Weffort
Letra e melodia, técnica e tática, desempenho e resultado, voz e violão. Essas, dentre outras tantas, são exemplos clássicos de pares, de duplas inseparáveis quando pensamos em música e futebol. É como se uma não existisse sem a outra, como se fossem dois elementos de uma tabela perfeita ou um compasso impecável.
Nem sempre os dois elementos de uma dupla são igualmente brilhantes. Podemos passar tempo listando grandes equipes nas quais a técnica era coadjuvante de um esquema tático bem montado, ou grandes canções de letra complexa e melodia simples, e vice-e-versa. Mas é fato que o conjunto, a combinação dos elementos, se tornou inesquecível.
Nesse texto, no entanto, falaremos não da teoria, e sim de quem a colocou em prática. Dos artistas da bola e dos craques do som. De nomes que se combinaram e formaram algo maior ainda. Duplas que duram décadas. Duplas que jogaram juntas por pouco tempo, mas que são lembradas e cantadas por seguidas gerações. Duplas que nem chegaram a ser duplas, mas que bonito seria se fossem.
Para falar delas, nada mais adequado que uma dupla. Unida, dentre outros motivos, por duas paixões em comum: o futebol, e a música.
Gil e Caetano
Dois amigos, meio século de música. Nada mais sucinto sobre esta dupla do que o nome dado à turnê que celebrou os 50 anos de parceria. Gil e Caetano é algo tão natural que é quase uma palavra só, como Xavi e Iniesta, Lennon e McCartney. Os dois baianos são, talvez, o grande exemplo de longevidade aliada a qualidade que temos em nossa música. Uma amizade que foi presa e exilada junta, e que canta e conta a história de nosso país desde os anos 60.
Esse dueto afinado às vezes junta mais gente e vira trio, quarteto e até movimento. Às vezes forma outras duplas, tão ou mais geniais, em especial com um tal de Chico. Mas sempre parecem preferir tabelar entre eles. A discussão sobre “quem é melhor?” é recorrentes entre os fãs, e cria verdadeiras mesas redondas bares afora. Por aqui, ficamos com Gil e, ao que parece, Caetano concorda conosco.
O que ninguém discorda é que é muito difícil pensar em um sem pensar no outro. E que é um prazer escutar o que esses senhores têm a nos dizer.
Romário e Ronaldo
Um dos maiores “E se?” do futebol. Apesar do nome “Ro-Ro” ser pouco agradável aos ouvidos, o futebol jogado junto pelos dois era como música. foram impressionantes 33 gols nos 19 jogos em que formaram a dupla de ataque canarinho. Ué, com números desses, por que o “e se?”. Pelo fato de que a dupla, por ironia do destino ou teimosia dos treinadores, não pode existir em uma Copa do Mundo.
No tetra, em 94, um jovem Ronaldo assistiu, do banco, o baixinho decidir jogos e consolidar seu status de melhor jogador do planeta. Quatro anos depois, a expectativa era que a dupla, campeã da Copa América e da Copa das Confederações no ano anterior, liderasse o Brasil na copa da França. No entanto, Romário se lesionou pouco antes do mundial, e o já “Fenômeno” Ronaldo fez dupla com um envelhecido Bebeto.
Para 2002, havia incerteza sobre a condição física de Ronaldo, e o baixinho parecia caminhar para ser o líder do ataque brasileiro na Ásia. O fenômeno se recuperou, e foi o grande nome do penta. Romário, dessa vez, não foi convocado por Felipão, após um episódio controverso na preparação da seleção, que não vem ao caso.
Fato é que Romário e Ronaldo ficaram no imaginário como a melhor dupla de todos os tempos que quase aconteceu, ou que aconteceu menos do que gostaríamos.
João Gilberto e Stan Getz
Em 1963 João Gilberto e Stan Getz se juntaram em Nova York para gravar o que seria um dos melhores discos da história da música e a explosão da Bossa Nova no mundo. Um disco que faria com que a camisa da seleção brasileira deixasse de pesar só em campo e começasse a pesar em palco também. Essa dupla misturou passado, presente e futuro em um só disco. O violão de João, o sax de Stan. A ginga de Gilberto com a melodias de Getz. Bossa nova com Jazz. Bossa nova é jess.
“The Girl from Ipanema” ganhou o grammy internacional em cima de “I wanna hold your hand”. João e Stan levaram o prêmio mais cobiçado da noite em cima dos queridinhos Paul e John. Além disso, Getz/Gilberto é o primeiro disco de Jazz a ganhar o principal Grammy, assim como primeiro disco de fora dos EUA e o primeiro e único brasileiro.
Escutar esse disco é escutar a beleza. É o que há de mais sensível e esperançoso. É um disco que a gente ama por ser brasileiro e que a gente é brasileiro porque ama.
Marta e Formiga
Antes delas, nunca tínhamos chegado tão longe. Miraildes Maciel Mota, Formiga, é a única jogadora do mundo a jogar em 7 copas do mundo. Marta Vieira da Silva, Marta, a jogadora que mais marcou em partidas em copa do mundo. Ambos os recordes são do esporte e não da categoria.
Essa dupla é resistência, força e sentimento. Aqui no brasil, jogam contra tudo e todos e, ainda assim, ganham. Estão juntas dentro de campo desde 2003 e, desde então, conquistaram o mundo com seus dribles, gols e, acima de tudo, raça. Uma pena que essa dupla esteja chegando ao fim dentro de campo, mas ainda bem que a gente teve o privilégio de assisti-las.
Milton Nascimento e Lô Borges
Milton Nascimento e Lô Borges é natural. É o acaso mostrando que a gente está no mundo pra amar e ser amado. É aquela amizade que a gente encontra, se apaixona e nunca mais solta. Assim como eles, que se encontraram em um dia qualquer na escada do prédio em que moravam e nunca mais se soltaram. Fazem a música parecer fácil e orgânica, daquelas coisas que a gente faz sem pensar e depois pensa sobre. Pra eles, fazer música juntos é tão normal quanto respirar.
Quando Milton convidou o Lô Borges, com apenas 17 anos na época, para dividir o Clube da Esquina, teve que convencer os produtores da então gravadora Odeon de que daria certo. Pouco depois eles viraram tudo o que a gente já sabe. Amizade é isso mesmo, é enxergar além. É um convite para dividir momentos e aproveitar a vida juntos.
Maradona e Riquelme
Dois nomes gigantes do futebol argentino. Os dois maiores nomes do Boca Juniors jogaram pouco tempo juntos, sendo um período apenas simbólico perto do que poderia ter sido. Diego Armando Maradona estava encerrando a carreira e Juan Roman Riquelme apenas começando. Mestre e aprendiz sobre o que é fazer música com os pés. É uma despedida sabendo que está deixando o país e o clube em boas mãos- e pés.
O tempo é engraçado e não perdoa. Em sua última aparição, que foi contra o rival River Plate, Maradona não fez uma boa partida e foi substituído ao fim do primeiro tempo. No segundo entrou Riquelme, que mudou o jogo e levou o Boca a virada na casa do River, em frente a 60 mil pessoas. É daquelas duplas que quase não aconteceram, mas que a gente sempre imagina o que poderia ter sido.
Mercedes Sosa e Shakira
Duas mulheres, e toda a América Latina em suas vozes. Essa é daquelas duplas que aconteceu como um sopro, mas que rasga os ouvidos e corações como ventania. Aquela que, para muitos, é a grande voz latino americana de todos os tempos cantando com a mais importante representante do cone sul na música pop mundial. O encontro entre as duas foi no álbum Cantora, o último que “La Negra” gravou antes de morrer.
A música escolhida foi “La Maza”, escrita pelo cubano Silvio Rodríguez, e que, segundo o autor, fala da necessidade de o artista fugir da imagem de sobrenatural, mágico, e se aproximar do povo e dos movimentos sociais. O par perfeito para as vozes de Mercedes Sosa e Shakira.
A parceria ficou eternizada no Concierto Alas, organizado em 2008 para combater a pobreza infantil na América Latina. Neste dia, uma multidão de argentinos viu um ato tão ou mais simbólico que a entrada de Riquelme no lugar de Maradona naquele Boca x River de 1997. Alí, o público se despedia de Mercedes e reverenciava o auge de Shakira.
Paul McCartney e John Lennon
6 de julho de 1957 certamente é um dia marcante para a história da música. Nesta data o jovem Paul McCartney foi apresentado ao então vocalista da banda Quarrymen, John Lennon. Desde então a música nunca mais foi a mesma. McCartney e Lennon, Lennon e McCartney. Ainda que os dois já tenham brigado por isso, a ordem pouco importa. A relevância da assinatura é a mesma.
Existem muitos exemplos de times que dentro do campo se entendem como ninguém, mas fora dele vivem em uma grande desarmonia. Paul e John, ou John e Paul, são um grande exemplo disso. Em apenas 10 anos, essa dupla contou a trilha sonora de gerações, romances e histórias, inclusive a desta dupla que vos fala. Mas cantou também a própria história, que foi, e é até hoje, uma expressão de amor e raiva, com eles e com o mundo.
Pelé e Garrincha
Se começamos com a maior dupla da música, nada mais justo que terminar com a maior do futebol. O Rei e o Mané foram imbatíveis quando entraram em campo juntos. Foram 40 jogos, com 36 vitórias, 4 empates, 55 gols e duas estrelas na camisa amarela. A magia das pernas tortas e a potência do maior atleta do século XX foram a fórmula perfeita para o “complexo de vira-lata” ir para o espaço (pelo menos no futebol).
Sabemos que falta gente aqui, Muitas duplas que são de dois mas parece que são de muitos. Que fazem da bola som, e das notas gols. No entanto, como já mostramos aqui, muitas coisas boas vêm em par. E essa parceria não poderia ser diferente. Um novo texto virá. Certamente não em dois dias. Esperamos que não em dois anos. Mas, com certeza, em algum momento dobrado por aí.