O texto abaixo pode conter spoilers das duas temporadas de The Umbrella Academy.
Existem séries com uma ótima trilha sonora, existem séries que falham em conseguir uma trilha sonora que funcione em meio à história contada, existem séries que ignoram a trilha sonora e existe The Umbrella Academy.
Baseada nos quadrinhos homônimos criados por Gerard Way, membro do My Chemical Romance, e pelo brasileiro Gabriel Bá, a segunda temporada da série, que conta a história de sete irmãos com super poderes tentando salvar o mundo do apocalipse, estreou na Netflix no último dia de julho, acompanhada por uma nova seleção de músicas para servir como pano de fundo para seus personagens surrealistas em meio à histórias sobre viagens no tempo.
A nova temporada repete o feito da temporada de estreia ao misturar diversos estilos musicais e regravações orquestradas por Gerard Way, algumas em parceria com Ray Toro, também membro do My Chemical Romance, para contar a história dos irmãos Hargreeves, utilizando de músicas de artistas populares, como Kiss e Aretha Franklin, de covers, como a regravação em sueco de Hello, da Adele, e da banda de ska punk The Interrupters para Bad Guy, da Billie Eilish, como recurso narrativo e complemento ao roteiro ao selecionar letras que podem descrever exatamente o que está se passando em uma determinada cena, seja ela um momento de interação e reencontro entre seus personagens, um funeral, massacre ou o desenvolvimento de um culto.
Os momentos de personagens se reunindo para dançar ao som de alguma música também se repetem. Se na primeira temporada Luther e Allison se juntaram para uma cena de dança de Dancing in the Moonlight, do Toploader, agora é a vez de Vanya, Klaus e Allison se juntarem para um momento família tendo Twistin’ the Night Away, de Sam Cook, como trilha.
As letras de músicas, principalmente o pop dos anos 70 e 90, desta vez fez parte também de um dos plots da série. Formado por Klaus em 1960, o culto, chamado de Destiny’s Child, segue ensinamentos de frases tiradas de músicas como Waterfalls, do TLC, e I Will Survive, de Gloria Gaynor, sem que saibam, já que as músicas seriam lançadas apenas anos depois do ano em que a história se passa.
Porém, um recurso muito utilizado pelo showrunner Steve Blackman é o de soundtrack dissonance.
Utilizado para criar o contraste entre a cena e a música escolhida para aquele momento, o soundtrack dissonance não é novidade em produções audiovisuais. A ideia de causar confusão no cérebro do espectador e fazer com que ele lide com dois elementos extremamente opostos sendo unidos ao assistir cenas impactantes ou de extrema violência ao som de melodias upbeats ou colocá-lo para ouvir uma música triste como trilha para uma interação feliz já foi utilizada por diversas produções, como as séries The Sopranos, Game of Thrones, How I Met Your Mother e o filme Pulp Fiction, seja para criar momentos dramáticos ou uma atmosfera de humor.
Em The Umbrella Academy, existem momentos em que o soundtrack dissonance é utilizado de uma maneira menos chocante, como quando a Handler, interpretada por Kate Walsh (que fez parte do elenco de Grey’s Anatomy, outra série com uma trilha sonora memorável) volta dos mortos ao som de Bibbidi-Bobbidi-Boo, música conhecida por estar na trilha sonora de Cinderela, mas os momentos mais interessantes são exatamente quando o recurso é utilizado em cenas de lutas e assassinatos, se mostrando necessário e muito bem vindo quando se leva em conta o surrealismo, o tom humorístico e a constante ironia presente na série e em seus personagens.
Enquanto na primeira temporada uma cena de tiroteio e destruição de uma loja de donuts acontece ao som de Istanbul (Not Constantinople), do They Might Be Giants, o primeiro episódio lançado esse ano abre sua narrativa com uma cena de guerra ao mesmo tempo em que My Way, de Frank Sinatra, toca ao fundo, tem cenas de pancadaria entre duas versões do mesmo personagem usando como trilha Dancing With Myself, do Billy Idol, e leva o recurso ao limite ao fazer uma sequência sangrenta de luta ao som de, pasmem, Backstreet Boys, no que provavelmente é uma das cenas mais repulsivas e sangrentas da temporada, que acaba se tornando extremamente divertida ao som de Everybody (Backstreet’s Back) e, consequentemente, se tornou um dos melhores momentos dos dez episódios lançados.
The Umbrella Academy ainda não foi renovada para uma terceira temporada, mas, se isso acontecer, já existe a certeza de que os episódios também virão acompanhados de mais uma leva genial de músicas para acompanhar a história.
E talvez seja o momento de introduzirem o clássico episódio musical quase sempre presente em séries norte americanas. Já que a música e a bizarrice são partes do DNA da série, talvez ver super heróis repentinamente cantando e dançando em meio à batalhas não será algo tão fora da realidade assim.