No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, a banda Violet Soda transformou o que seria um show de lançamento de seu disco de estreia em um grande festival feminista.
Quem não foi, perdeu. Foi o evento musical mais emocionante que presenciei em muito tempo e com certeza ficará marcado na história da cena independente brasileira, na memória e no coração de todos que estavam presentes. Somando forças com as bandas Miami Tiger, Putz e The Mönic, além de participações especiais, o Violet Soda conseguiu lotar o Fabrique Club, em São Paulo, em uma noite em que as protagonistas foram as mulheres.
O festival começou cedo, mas a casa já estava cheia para ver a volta triunfante do Miami Tiger. A banda paulistana estava em hiato por conta da gravidez de sua vocalista, Carox.
Emocionadíssima na volta aos palcos após apenas 2 meses do parto, ela dividiu chorando sua experiência com a plateia. “Eu fiz uma cesárea e meu parto foi muito difícil. Eu queria parto normal, mas fiquei em trabalho de parto por 24 horas e tive uma hemorragia. Meu útero rasgou e eu descobri que tinha endometriose. Por isso, meninas, se informem. Se cuidem”, disse a artista, que apesar da recente cirurgia e da alegada falta de fôlego performou lindamente, se entregando de corpo e alma em uma apresentação intensa, visceral, subindo e descendo do palco várias vezes para cantar no meio da galera e aparecendo com figurino e maquiagem impecáveis e bem artísticos.
Sendo estilista, pode apostar que nada da parte visual do show dela foi escolhida à toa. Em um dado momento do show, ela tirou o camisetão largo que usava e escreveu “LIVRE” na barriga. Em seus braços, Carox também trazia a mensagem “Existo, Resisto”, atualizando uma prática muito comum do movimento Riot Grrrl dos anos de 1990. O show emocionou muito a plateia e trouxe fortes mensagens de empoderamento feminino e união entre as mulheres, encerrando com o hino “Meu Lugar”, que tem um dos clipes mais legais e necessários do mundo. O Miami Tiger se mostrou em plena forma, com destaque também para os guitarristas Henrique Almeida e Phá Bemol, integrantes de longa data que só melhoram sua performance com o tempo.
Em seguida, foi a vez da Putz, uma banda nova formada pelo casal Giovanna Zambianchi (que, como o sobrenome entrega, é filha do veterano Kiko Zambianchi) e Cyro Sampaio (do incrível Menores Atos).
O som do Putz tem uma pegada bem anos 90 e letras apenas em português. O vocal de Gi surpreendeu ao vivo, e a banda toda soou bastante coesa, com destaque também para a baixista Sarah Caseiro, apesar da timidez (ela passou a maior parte do show de costas para o público).
O Putz foi a banda que menos conversou com a plateia, mas o grupo não era nada antipático. Pelo contrário, mantiveram uma pose mais cool, com curtas interações, mas puxaram um coro de “Fora, Bolsonaro”, agradeceram diversas vezes e saíram ovacionados depois de uma bela jam instrumental que desembocou no excelente single “Vou Cair”. Nada mal para um grupo que começou no ano passado.
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Mas a grande surpresa da noite, para a maioria dos presentes, foi o quarteto The Mönic. Formada apenas por mulheres, a banda fez um show impecável, agradando muito quem já era fã e encantando quem não as conhecia.
Com um som mais sujo e pesado, bem grunge, as meninas entregaram uma apresentação confiante, divertida, agressiva quando tinha que ser, animada e empolgante. Os vocais divididos entre a baixista Joan Bedin e as duas guitarristas Dani Buarque e Alê Labelle (que também toca no Trago) arrancaram elogios, assim como a performance assertiva da baterista Daniely Simões. Os solos de Dani também causaram furor e a reação da plateia não podia ser melhor, com todo mundo batendo palma, gritando, aplaudindo e rasgando elogios.
Foi um show de rock exemplar, cheio de energia e sensualidade, pra galera pular junto e se acabar, saindo de alma lavada. Era como se o Angus Young tivesse uma filha com a Courtney Love, ela fosse muito fã de L7 e estivesse ali no holofote, bem plena e afrontosa mesmo, pronta pra encarar qualquer parada. No meio do show elas também chamaram a Carox do Miami Tiger de volta ao palco para cantar a excelente música “Maldizer”, uma das melhores do set, e a musa inspiradora Flávia Biggs, guitarrista veterana líder do power trio The Biggs e fundadora do Girls Rock Camp Brasil, para cantar “Scars and Cigarettes”.
As meninas estavam emocionadas e repetiram muitas vezes que aquela era a melhor apresentação da vida delas, e a entrega da banda e do público foi absoluta. Todo mundo que estava no Fabrique voltou pra casa fã de carteirinha da The Mönic, uma das melhores bandas do Brasil atualmente, que merece muito mais reconhecimento e projeção.
Encerrando a noite, veio o show tão esperado do Violet Soda. Apesar de ser um evento especial de lançamento do primeiro álbum da banda, eles não deixaram de fora do setlist as canções de seus dois EPs anteriores, como a já gigante “Tangerine”, que a plateia cantou palavra por palavra a plenos pulmões.
Foi muito bonito de se ver uma banda independente de rock alternativo, com letras em inglês e um perfil que parecia zero comercial, fazer o sucesso que está fazendo. É muito merecido, e é incrível poder acompanhar o crescimento do grupo desde o começo. Na plateia, cheguei a ver uma garota bem novinha que parecia uma “mini Karen”, imitando igualzinho as roupas e o corte de cabelo da vocalista. Isso sem contar os fãs fazendo tatuagem da banda. Se chegou nesse ponto de fandom é porque já é sucesso total, né, gente?
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E os demais integrantes também não ficam para trás. André Dea é o melhor baterista do Brasil em atividade, o baixista Tuti fez história com o Medulla, e Murilo era baixista do Corona Kings antes de assumir as guitarras solo da Violet Soda, dando forma à identidade da banda. Todos tocaram maravilhosamente bem no domingo, em uma performance impecável. Mas o destaque é a Karen, não tem jeito.
Depois de uma maratona com 2 shows seguidos no sul do Brasil e viajando de carro, ela impressionou com a potência de seu vocal no show especial em São Paulo, principalmente quando cantou “Ashes”, do EP de estreia da banda. Isso porque nos shows anteriores ela estava ali empolgada na lateral do palco cantando e gritando enquanto assistia as outras bandas amigas. Chegou até a tomar bronca da Carox para não gastar a voz antes da hora. Dava para perceber que ela estava rouca quando falava, mas quando cantava era impecável. Como ela faz isso é um mistério da fé.
Karen é sem dúvida uma cantora acima da média, além de inspirar tocando guitarra, compondo e liderando o grupo. Mesmo com todas as maravilhosas cantoras que se apresentaram no domingo, ela roubou a cena. Já virou ídolo e merece o estrelato, tamanho talento e carisma.
O show ainda contou com ótimas participações especiais de Isa Salles, da Scatolove, cantando “I’m Trying”; e de duas integrantes do Far From Alaska: Emmily Barreto cantando “Friends” e Cris Botarelli tocando guitarra em “Just Do It”, uma música MUITO FODA que a Karen Dió lançou em carreira solo e que acabou se tornando um embrião do Violet Soda. E foi no meio dessa música que ela se jogou na galera em cima de uma pizza inflável gigante, como se estivesse surfando em cima do público. Foi legal demais.
Para fechar o show, a banda repetiu o número memorável de quando tocaram na Audio abrindo pra Pitty – Karen desceu do palco e, no meio da plateia, terminou de cantar “Self-esteem” invocando um bate cabeça gigante com ela mesma bem no meio. Catarse coletiva e noite inesquecível.
O Violet Soda tem tudo para crescer ainda mais, fazer sucesso em todo o Brasil, tocar no exterior e continuar conquistando o reconhecimento que eles tanto merecem. O mais legal de tudo é que eles não fazem isso sozinhos, e estão sempre incentivando outras bandas junto, fortalecendo uma cena que está se reinventando liderada por mulheres para devolver o rock brasileiro ao lugar de onde ele nunca deveria ter saído: jovem, contestador, divertido, inteligente, criativo, democrático, diverso e gregário.