Na transição dos anos 2000 para 2010, houve um boom de bandas que fugiam da estética do indie rock baseada no garage e no punk; bandas como Arcade Fire, Fleet Foxes e o Deerhunter trouxeram renovação ao gênero, e mais do que isso, conseguiram dar uma nova cara ao rock de uma forma geral.
Foi nesse cenário que, no primeiro ano da década passada, o quarteto liderado por Bradford Cox lançou um dos discos que mais representam esse momento: Halcyon Digest. Em 2020, esse álbum que pode ser considerado um clássico desse século, completa dez anos, e até hoje é marcante pela complexidade sonora e temática que o Deerhunter conseguiu entregar.

Quem era o Deerhunter até então?
O Deerhunter foi formado em 2001 na cidade de Atlanta; entretanto, foi somente em 2007 que a banda ganhou destaque com Cryptograms, seu segundo disco de estúdio. O grupo logo chamou a atenção por combinar aspectos da psicodelia dos anos 60 e música ambiente de forma bastante intimista. Em 2008, o Deerhunter se firmou como um dos grandes nomes do rock alternativo com Microcastle, registro que exibia a inclinação do quarteto ao shoegaze. O trabalho foi bastante aclamado, estando em diversas listas de veículos especializados.
Além disso, nesse meio tempo, o vocalista Bradford Cox também realizou projetos interessantes com o seu projeto solo Atlas Sound, exibindo uma faceta ainda mais experimental e demonstrando ter domínio de diversos universos sonoros. Tudo isso, de uma forma geral, serviria como pano de fundo para o próximo passo, Halcyon Digest, que seria lançado em 2010.

Um disco que rejeita o passado enquanto o abraça
Uma das questões mais marcantes e que faz de Halcyon Digest tão especial é como ele, ao contrário da maioria dos trabalhos daquela época, conseguiu apresentar uma sonoridade que, apesar de fazer referência à momentos encantadores e importantes da história da música, consegue soar completamente único. Inclusive, esse movimento de rejeitar o passado enquanto se funde com ele é o conceito central do disco.
Respondendo uma questão sobre o álbum à Q Magazine, Cox afirmou que o nome Halcyon (que significa remeter a um tempo do passado que supostamente é melhor em nosso pensamento do que realmente foi), era realmente para enganar, uma vez que isso “Tem muito a ver com a maneira como as pessoas romantizam o passado, mesmo que tenha sido horrível”.
A própria capa é uma referência ao passado: uma drag se apresentando no The Miss Star Lite, um concurso que aconteceu no Star Lite Lounge, uma boate de Atlanta que hoje não existe mais. A foto, de autoria do fotógrafo George Mitchell, agradou o grupo por seguir o universo das faixas de Halcyon Digest; nas palavras de Cox, a capa “teve uma conexão imediata para as músicas, especialmente com canções como ‘Basement Scene’”, música sobre a recusa em querer envelhecer.

A sonoridade peculiar de Halcyon Digest
No disco, é possível ver se não uma evolução, uma expansão do que o Deerhunter tinha apresentado para os ouvintes até então. Em Halcyon Digest, a presença das guitarras que marcam uma espécie de melodia crescente dita o tom. De um modo geral, é como se a banda tivesse pegado um pouco de My Bloody Valentine e Slowdive e feito uma junção das duas sonoridades, além do noise e psych-pop que já acompanhavam-os. A produção, comandada por Ben Allen, é excelente.
Apesar de se encaixar no rótulo de rock alternativo, a obra é uma das mais acessíveis do Deerhunter, com faixas que em sua estrutura cativam o ouvinte, como “Revival” e “Desire Lines”. Os momentos de junção entre passado e presente também ocorrem em canções como “Helicopter” e “Fountain Stairs”, perfeitas pra fãs dos anos 60 e do Velvet Underground. Apesar disso, as canções sempre tem uma identidade própria, ficando distantes de parecer um cover. É o Deerhunter em um momento extremamente exposto.
Halcyon Digest soa atual até hoje
Presente no momento que unia bandas de indie rock que apresentavam fórmulas antigas e ao mesmo tempo discos que soam incríveis até hoje, o álbum é o maior registro do Deerhunter e um dos melhores da última década. Em meio a tentativa de soar nostálgico, o trabalho envelheceu muito bem e surpreende por suas texturas até hoje. Ao contrário do que Bradford Cox disse em relação ao passado, Halcyon Digest se renova a cada ouvida e será marcante pra sempre.