O Quântico Romance é um dos projetos experimentais mais originais e interessantes vigentes no Brasil.
Suas letras exploram as profundezas da mente humana e suas metamorfoses emocionais. O instrumental, por sua vez, se constrói a partir de uma liberdade estética plena, diante da qual os músicos não tem o menor receio em navegar por zonas desconhecidas. Por vezes, eles soam como o Neu! e, em outros momentos, lembram o Joy Division.
O Quântico Romance é certamente um dos nomes mais promissores da cena independente brasileira que, ao meu ver, de maneira geral está cada vez mais migrando para experimentações ousadas ao invés de se prender a estilos padronizados.
Conheça agora o admirável universo quântico e misterioso formado pelo duo Karlos Junior e Bruno Dorian.
Vocês poderiam nos contar um pouco sobre o surgimento do projeto Quântico Romance e explicar aos leitores sobre o significado do termo “Homecomputer Music”, que é a base da produção de vocês?
O Quântico Romance é um essencialmente um projeto de garotos, daqueles que você idealiza enquanto cresce e vai se interessando por Música durante a fase ginasial e posteriormente a faculdade. A gênese do Quântico Romance está em meados de 2003 quando produzi, gravei e lancei o álbum do projeto Technofactor na Internet numa época em que não existiam mídias tão poderosas como as plataformas de streaming e nem o Youtube era o que é hoje. Era só mesmo o espírito de criar, compor, gravar e distribuir nos sites de música especializados da época como o FiberOnline e o Trama Virtual. Depois era juntar os amigos com afinidade musicais em comum e formar banda para tocar ao vivo. Foi um período de muitas descobertas e aventuras, algumas muito bacanas e outras derrotas, mas faz parte da jornada, é claro. De lá pra cá muitas coisas mudaram na própria Internet, no universo da Música e nos processos de produção e acesso às tecnologias o que responde à questão do termo “HomeComputer Music”.
Claramente, nossa música pode ser classificada como Synthpop, Technopop, Dance, Eletrônico, Pop e afins, mas quis destacar pelo termo o fato de nossas composições serem inteiramente produzidas 101% in the box, com uso de diversas ferramentas de VSTis, DAWs e toneladas de samples. Tirando os vocais e algumas guitarras, basicamente tudo na música é virtual feita por um processo minucioso de “sound design“, o que embora traga algumas relativas vantagens também pode se tornar bastante lento. Mas sempre friso que Música não deve ser uma arte apressada, embora a ansiedade nos tome em alguns momentos. (risos.)
Ainda sobre a gênese do Quântico Romance, o Technofactor teve uma vida como banda mais ou menos até 2007, e dali fui tocar em outras bandas de amigos com destaque para a fase mais recente no Cubüs (projeto de meu amigo Diego Oliveira) em que estive na GIG entre 2016 e 2018.
Embora eu goste de todas essas empreitadas, o fato é que eu tinha um bom material na gaveta e muitas músicas inacabadas, que não necessariamente tinham a ver com as obras já estabelecidas nas outras bandas em que atuei. É meio como se o espírito da coisa precisasse de uma forma própria e daí foi o caminho para criar um projeto conceitualmente novo e sem as limitações que me impus no período do Technofactor.
Explico: Havia sim um claro objetivo em fazer Música Eletrônica, mas hoje eu faço música eletrônica não necessariamente “tecno”, o que me deixa livre pra produzir qualquer coisa que me inspire, como sonoridades que podem ir desde Enya até Apotygma Berzeker, guardadas as devidas proporções.
Também é preciso considerar que tenho uma certa experiência e formação como cantor, tendo um registro vocal de barítono brilhante, e participando de alguns notáveis coros do Rio de Janeiro. Com isso, tenho então com o Quântico Romance a oportunidade de usar o potencial e a experiência vocais adquiridas ao longo desses anos, em músicas que não sejam exatamente líricas ou eruditas.
Quais são as principais influências musicais de vocês? E além da música? Que outras referências os inspiram? Como surgiu a ideia para o nome da banda?
Kraftwerk, Depeche Mode, Information Society, Erasure, Legião Urbana, RPM, Madonna, Cyndi Lauper, The Sisters of Mercy, Nightwish, Jean Michel Jarré, Stevie B, Michael Jackson (para citar alguns que eu e Dorian gostamos) e toda o caldeirão de diversidades que foi a música internacional e nacional dos saudosos anos 1980. Além da música curtimos muitos filmes e quadrinhos clássicos dos anos 80 como Robocop, Blade Runner, Aventureiros do Bairro Proibido, Karate Kid, Guerra nas Estrelas, Jornada nas Estrelas, todos os gibis Marvel e DC da época da Editora Abril como Superaventuras Marvel, Superamigos, Super-Homem, Heróis da TV, Espada Selvagem de Conan, Novos Titãs, X-men, Watchmen, Piada Mortal, na Literatura clássicos como Drácula de Bram Stoker, Senhor dos Anéis (Tolkien), Trilogia Fundação (Asimov), Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marquez), Memórias Póstumas de Brás Cuba (Machado de Assis), Ordem Vermelha (Felipe Castilho), O Homem que Calculava (Malba Tahan), além da poesia de Manuel Bandeira, Pablo Neruda, Florbela Espanca e muitos outros.
O nome também pintou não exatamente baseado em alguma coisa específica. Simplesmente joguei algumas ideias e conversando com Dorian, chegamos ao sugestivo título “Romance Quântico”, dois termos que remetem na parte do “Quântico” às coisas das Ciências e do Esoterismo, e “Romance” mais às coisas da Literatura e Poesia. Daí foi um pulo só para inverter a ordem dos termos chegando assim à Quântico Romance. Importante destacar que a lógica do nome segue a mesma lógica de bandas mais antigas, com dois termos concludentes ou inusitados (Capital Inicial, Legião Urbana, Barão Vermelho para citar alguns exemplos), ao passo que percebo que as bandas hoje procuram um único termo para nomear.
Como foi o processo de criação do primeiro EP da banda, intitulado “Azul na Escuridão”? O significa esse título?
Inicialmente pretendíamos lançar o single de Oração do Véu Azul e Êxtase como B-Side no final de 2018, mas à época Marcha dos Enterros estava em produção portanto achamos uma boa ideia estrear o Quântico Romance com um EP de três faixas. De todo modo, o single de Oração do Véu Azul saiu antes na coletânea Analog e Digital do nosso selo Paranoia Musique, abrindo caminho para o Azul na Escuridão cerca de quatro meses depois. Sobre o conceito de AnE, inicialmente o título previsto era Samsara, cuja referência os iniciados vão identificar na roda das encarnações do Budismo, e sinto que fazia sentido já que por essas coincidências auspiciosas os temas cantados nas músicas “conversavam entre si”. De última hora, o título Azul na Escuridão caiu como um raio na minha cabeça e concluí que mesmo que Samsara passasse a mensagem, Azul na Escuridão no título traria um certo mistério, embora vago traria uma sugestão poderosa de atmosfera e curiosidade. O que significa esse Azul afinal?
Assim como as músicas, eu deixo o título para os ouvintes e os fãs darem suas próprias interpretações e terem suas próprias experiências com o conceito. Na minha própria viagem, eu imagino a vastidão do Cosmos como o grande manto de escuridão do Espaço-Tempo, em que temos alguns orbes inseridos nesse manto tão poderosos em energia que emitem luz azul. Como os amigos físicos podem confirmar, as estrelas azuis são mais intensas que as que emitem outros espectros de luz visível. Não entendo nada do conceito de cromoterapia, que no caso já acho que foge do escopo científico citado até então, mas imagino que o azul seja uma cor que mexe com nosso interior, nossa psique e nossos ciclos mentais. Em muitas culturas como a brasileira em especial, o azul é tratado com o sentido de alegria e positividade, enquanto em países mais frios simboliza sentimentos como tristeza e melancolia. Pra mim, tudo é válido desde que você se permita sentir.
Vocês se consideram uma banda essencialmente underground? Como veem o cenário independente do Brasil?
Na verdade não. Em essência a música que fazemos hoje, em termos de qualidade e produção, não deve nada ao que é feito no mainstream. Estamos no underground essencialmente porque é onde nos dão espaço para mostrarmos nosso trabalho, mas penso que assim como toco numa casa pequena e desconhecida para 30 pessoas, podemos fazer o mesmo espetáculo em locais maiores para uma centena de pessoas ou mais.
Achamos que o cenário indie brasileiro é bastante prolífico e em certa medida autossuficiente. Isso é extremamente positivo, principalmente porque o leque de opções musicais variadas aumenta. Nós como músicos, por mais que façamos determinado tipo de som ou estilo, gostamos demais de ouvir e conhecer coisas diferentes. O lado chato do indie é que como são muitas opções as pessoas precisam de tempo para digerir todas as bandas e artistas que aparecem em seus aplicativos de streaming ou redes sociais. Neste mundo agitado, de consumo acelerado, chega a ser um privilégio quando encontramos um fã que se deu o trabalho de gastar um tempo de sua rotina para nos conhecer. É muito diferente quando somos instados pela mídia a consumir os artistas do mainstream já que eles contam com grandes orçamentos pra investir na distribuição. Funciona assim, você pode nunca ter ouvido ou querer ouvir Anitta, Melim e Marília Mendonça, mas mesmo assim você pode saber quem são esses artistas pela força da propaganda. Já nós independentes contamos com orçamentos bem mais apertados e enxutos pra divulgar (isso quando temos) então precisamos contar com sorte e boas relações para fecharmos uma cena, playlists ou coletâneas no melhor estilo todos se ajudam. Tem funcionado bem até aqui, mas ainda tem algo muito mais importante na essência de tudo isso, e que faz realmente toda diferença: A qualidade da Música.
Na opinião de vocês, até que ponto bandas e/ou artistas mainstream se deixam escravizar pelo sistema vigente?
É uma indústria, por mais que hoje não se vendam mídias físicas, ainda assim é um comércio estabelecido e forte. Não sei bem se há uma relação assim de escravidão em que o artista não queira estar lá cantando determinado tipo de música e tendo sua imagem associada a determinada cultura. Enquanto houver efeitos contratuais os artistas devem se comprometer a fazer tudo que seus contratantes querem, mas não é nada que as partes não possam desfazer seus contratos.
Achamos que isso sempre vai existir, e nem mesmo estamos apontando dedos e condenando esse tipo de relacionamento. A nossa luta é mais pelo interessado em música, a pessoa que quer conhecer novas sonoridades e artistas, são essas as pessoas que tentamos conquistar a medida em que fazemos aquilo que amamos. Botamos nossos corações nas músicas, porque é aquilo que amamos fazer, e esperamos que isso ecoe no público.
Se qualquer pessoa tiver ouvido nossas músicas, tiver gostado e tiver compartilhado essa experiência com o mundo, vou te dizer que isso causa uma sensação de gratidão que dinheiro nenhum é capaz de pagar.
Quais são os planos para 2020? Pretendem lançar novos materiais?
Definitivamente sim! A meta para 2020 é lançar um album full em algum momento do meio pro final do ano. Já era para termos lançados novos singles, mas devido a outros contratempos e compromissos com outros trabalhos (os integrantes aqui trabalham em empregos comuns para pagar os boletos. :D) isso acabou sendo adiado.
Mesmo assim já digo em primeira mão aqui que vem um single para janeiro e um EP com material que está sobrando do álbum no primeiro semestre. Deverá ser também um EP de três músicas que funcionarão, a meu ver, como uma espécie de prelúdio para o vindouro disco full.
Além disso, estou organizando a questão de shows e Gigs em que possamos juntar os melhores e montar elenco de banda para apresentações. Recentemente voltei a tocar no Cubüs, e se tudo correr bem eu devo trazer o Diego para a Gig do Quântico Romance, de forma que poderemos ser uma Gig bem entrosada com dois produtos musicais diferentes. Por alto, não me recordo de ter visto algo assim na música brasileira mas vi que isso funcionou bem com as bandas filandesas Masquerade e Virgin in Veil, que tocaram no Brasil em eventos da Decadance e Paranoia Musique.
Poderiam nos contar um pouco sobre a participação de vocês na coletânea “The Other Side”, lançada pelo site Fanzine Brasil?
Recebemos o convite com muita alegria pois sabemos da importância que estas coletâneas tem para divulgar nossa música. Sendo uma coletânea tão temática é melhor ainda, porque sabemos que há todo um cuidado especial na seleção dos artistas e músicas que farão parte desse trabalho. No nosso caso a música escolhida para a coletânea foi Hi-Tech, uma faixa que até já esteve em outra coletânea chamada Arkham encabeçada pelo projeto Analog Dream, de meu amigo Marcelo Diniz, e é uma das poucas faixas instrumentais que fizemos com uma vibe crescente e kraftwerkiana. Penso em fazer uma continuação ou até uma nova versão da música para o futuro, mas não está nos planos para 2020.Saindo um pouco do nosso próprio umbigo, o que de fato acho melhor da coletânea é a oportunidade de conhecer as outras bandas e projetos e estreitar relações de amizade. Tudo ajuda no crescimento das cenas e na divulgação de nossas músicas.
Vocês carregam algum tipo de influência da filosofia existencialista? Faço essa pergunta porque notei que há um clima profundamente introspectivo nas canções que vocês criam…
Bruno Dorian é um grande fã de Renato Russo e Álvares de Azevedo, um cantor e um poeta que certamente disseram muito sobre o existencialismo em suas obras. Eu também curto muito ambos os artistas, mas no campo próprio da Filosofia, embora eu não siga nenhuma em específica, eu sou um estudioso destas matérias, passando pelo Estoicismo, Imperativo Categórico, Positivismo e certamente pelas coisas do Iluminismo. As matérias que não curto em Filosofia são o Utilitarismo e o Niilismo, mas entendo seus conceitos.Dois pensadores que influenciaram minhas ideias e me influenciam até hoje são Carl Sagan e Jiddu Krishnamurti, cada um no seu campo de pensamento. Recomendo fortemente a leitura e o estudo de quaisquer materiais de ambos.
Sobre as canções, quando escrevo gosto mais de sugerir ideias, conceitos e imagens do que fazer algo totalmente direto (a menos que seja necessário para a resolução da canção), por isso a coisa da introspecção. Penso que é preciso estimular o raciocínio do fã-ouvinte e fazê-lo sentir a música do que entregar algo pronto, hermético e determinado. Assim podemos ter nossa experiência e viagem tanto da perspectiva do público quanto da perspectiva do artista.
“Arte Tumular” e “Turismo Cemiterial” foram abordagens que tiveram reflexos na faixa “Marcha dos Enterros”. Como surgiu a ideia de unir todos os conceitos? Como vocês lidam com a morte – o grande temor da maior parte das pessoas que residem no mundo ocidental.
A ideia era fazer um clipe para Marcha dos Enterros que contasse uma história ou conduzisse o olhar para uma viagem conceitual. Gravar no cemitério era algo inusitado e tivemos receio de que não fosse algo de bom gosto, ou bom senso, daí surgiu a ideia de abordar as questões do turismo cemiterial e arte tumular, cujos conceitos não são tão populares. Dessa forma pudemos lançar um olhar diferente da associação de dor e sofrimento que estes lugares normalmente trazem. Claro, todo mundo que já se despediu de um ente querido sabe como é doloroso o ritual de enterramento. Mas a Morte é parte da Vida, e respondendo sua outra pergunta lidamos bem com a inevitabilidade do evento. Importante é tudo que fazemos e deixamos de legado aqui, depois de partirmos ficam as lembranças e saudades.
Da minha parte, não sei se existe algo depois, vida após a morte, tampouco isso me levanta dúvidas perturbadoras. Gosto da vida e pretendo vivê-la da melhor forma possível.
Sinto que há uma aura muito futurista nas músicas de vocês. Poderiam comentar sobre isso?
Creio que pela nossa sonoridade remetemos à essa ideia de futurismo mesmo, no entanto não estamos inventando a roda. A música tonal ocidental é um sucesso há mais de 400 anos e procuramos criar nossas composições conhecendo os meandros da Teoria Musical estabelecida. Já se analisarmos os temas, é natural que a música reflita nossos valores atuais e transmita o espírito do nosso tempo, com todas as dúvidas e angústias que o Eu-Lírico pode sentir e expressar nos dias atuais. Isso sem dúvida é ir em direção ao futuro, que se formos uma espécie inteligente será sustentável, inclusivo e livre de preconceitos e involuções temporárias.
Assim esperamos, amém! 🙂