Em 2010, cinco músicos se reuniram em Pernambuco para formar uma banda que, sem dúvida, é uma das mais qualificadas do Brasil.
Formada por Basílio Queiroz (baixo), Bruno Saraiva (teclado), Rennar Pires (bateria), Saulo Mesquita (guitarra) e Túlio Albuquerque (guitarra), a Kalouv foi atraindo a atenção aos poucos com o seu trabalho instrumental recheado de influências e, com o passar do tempo, foi conquistando críticos e fãs em solo nacional, além de atiçar a curiosidade de pessoas que estão em outros cantos do planeta.
Conversei com o baterista Rennar Pires sobre tudo isso e o resultado você confere abaixo:
A banda Kalouv ainda não completou uma década de existência e, mesmo assim, já conquistou méritos que muitos grupos com mais tempo de estrada não obtiveram. O que os levou a ter tanto reconhecimento num período de tempo relativamente curto?
Acho que é uma questão de ótica e empenho, isso se relaciona diretamente com a situação do qual nos é oferecida no meio que permeamos, a música, ainda mais na área instrumental, que é bem difícil. O investimento feito, mesmo que sazonalmente, uma hora é reconhecido, talvez seja a questão de colher os ‘louros’ sempre depois sabe?
Como vocês se conheceram e como surgiu a ideia de formar uma banda?
Eu fui a interseção da banda, eu tinha uma banda com Saulo e Bruno de Death Metal e com Túlio e Basílio eu tinha uma banda de samba, eram círculos diferentes de amizades, nos conhecemos já faz mais de 11 anos em um total possa se assim dizer. Saulo e Bruno tiveram a ideia e eu chamei o resto.
As músicas da banda, de maneira geral, são arquitetadas como se fossem trilha sonora para games, filmes e quadrinhos. Como surgiu a ideia de conectar as produções musicais com esses universos? Quais são as principais referências e preferências de vocês nessa área?
Todo mundo da banda sempre foi e é fã do universo geek, então ficou mais fácil alinhar com esse tema. Nós nunca compomos pensando nisso. Na verdade, isso surgiu com alguém dizendo que lembravam trilhas sonoras de jogos e filmes, uma coisa da interpretação de um que outro também associou pra ele. As nossas referências são vastas, desde Opeth até Pabllo Vittar. Todo mundo na banda tem suas preferências, obviamente, mas sempre conseguimos agregar tudo de uma forma bastante legal, sem transpassar a sonoridade de cada um.
O último álbum que vocês lançaram, o Elã, foi criado para algum desses temas em específico? Com qual HQ, filme ou jogo ele se relaciona?
O Elã não foi criado como ideia de nenhum tema específico, porém tem uma música que nosso guitarrista Túlio intitulou “Rei Sem Cor”, baseado numa HQ brasileira muito boa, do mesmo nome por sinal. Como escutamos muitas OSTs de jogos, acabamos trazendo aquilo automaticamente pro som da gente. Talvez, eu mesmo escuto muito jazz e funky, que nessas trilhas sonoras, por exemplo Donkey Kong, tem bastante. É bem por aí.
Quais foram as principais mudanças estéticas do Sky Swimmer, que foi o primeiro EP da banda, para o Elã, o último álbum gravado?
Nossa, a mudança é gritante. O Sky é um cd de rock experimental, bem cru e espacial. O Elã, ao meu ver, tem uma vibe mais clean e jazzy. Tem suas pegadas fortes do Sky ainda, como em “Mergulho Profundo”, última faixa do nosso disco, mas existe realmente um grande disparato. O bom é isso, acredito. Fazer suas músicas e achar, na mudança do tempo entre cada CD, a sua cara.
Como vocês veem o atual cenário da música brasileira? Confesso que essa é uma pergunta que faço para a maior parte dos músicos e/ou bandas que entrevisto e a resposta costuma ser bem parecida!
O cenário é bem triste né? Pro artista, todo mundo que trabalha com arte e não só quem trabalha com arte, está tudo extremamente desolador. Ser artista é ser resistência sempre, temos fé que essa fase ruim vai passar logo.
O Kalouv tem um estilo de som bem diferente, tanto no que diz respeito ao mainstream, quanto na cena independente. Isso pode dar muito certo – pela originalidade – ou muito “errado” (não em aspectos estéticos), no sentido de não haver fácil compreensão ou atração por parte dos ouvintes. Vocês, inicialmente, acharam que a banda penderia mais para qual caminho? Imaginavam que o resultado seria tão positivo, ou acharam que poderiam não conquistar muita Aprovação?
Muito boa a pergunta. No Sky, a preocupação era em termos aquele registro sem nos preocupar em como e no que a sonoridade poderia atingir o público ou uma quantidade dele ou até mesmo na formação de um. O otimismo em relação a aprovação vem com o tempo. Faz muito sentido quando você acaba acompanhando o que o público também acompanha. Nós nunca fizemos um som para um nicho mas sabemos que, com o passar dos anos, ele acabou se formando e nos tornamos uma banda reconhecida em nosso estado. Cada trabalho novo lançado é uma forma de pesquisa de certa forma. Muitos chegam nesse nicho, alguns saem ou acabam se distanciando por não gostarem muito de uma fase nova da banda. Acaba acontecendo mas, definitivamente, não nos preocupamos com uma espécie de aprovação. A confiança em si e com o trabalho que é feito tem que ta em dia. hahaha
O que acham da filosofia D.I.Y? Em algum momento ela já fez – ou ainda faz sentido para vocês? Eu pergunto porque vi que vocês mesmos fizeram a arte da capa do álbum Pluvero. E os vídeos? São vocês mesmos que editam?
Achamos extremamente importante a prática do faça você mesmo, porém com cuidado, cautela e, principalmente, planejamento para não enfiar os pés pelas mãos. A capa do Pluvero foi feita por uma dupla, na época dupla, de artistas daqui chamados de Imarginal, eram Raone Ferreira e Fernando. Quem dera a gente ter um mínimo de ‘talentinho’ daqueles dois pra fazer uma arte tão boa quanto ela. Os vídeos chegamos até mesmo a fazermos alguns. Saulo aprendeu algo de edição uma época e eu também, mas tudo bem low fi. Geralmente quem faz são pessoas que nos oferecem o serviço. A maioria dos nossos ‘clipes’ são animes editados por Capitão Ahab, um amigo nosso lá de Aracaju. Nós deixamos esse trabalho pra realmente quem sabe.
Aliás… o que representa a capa desse álbum? E a do Elã? O que significam essas Palavras?
Vamos lá: a capa do Pluvero significa o que você quiser. A interpretação da imagem é livre na verdade. Já o nome Pluvero significa gota de chuva em esperanto, aquela língua morta, sabe? A capa do Elã significa um abraço e o nome Elã veio da pré-produção da gente no sítio da família de Basílio. Estávamos largando algum dia pra ir dormir e o caseiro chamou o cachorro lá de longe ‘Ô Elã’. Túlio na hora ouviu o nome, foi em casa ver o significado e disse que significa afeto e afins. Nós adoramos o nome porque casou justamente com o momento em que passávamos como amigos e banda, uma reformulação dessa que a vida nos impõe as vezes.
Eu vi num vídeo, um dos membros da banda dizer que alguns integrantes carregavam influência sonora do Samba e outros do Heavy Metal. Como surgiu a ideia de músicos com gostos e práticas tão distintas se juntarem e fazerem um som que, digamos, é mais voltado ao Rock Progressivo?
Surgiu pela vontade da experimentação. Música é agregação sempre! O rock progressivo tem disso também, do experimental, ritmos e melodias que geralmente são de um padrão mais latino se misturar com o rock mais pesado. O Yes já flertou com isso diversas vezes, o The Doors tinha influência direto de Joâo Gilberto e por aí vai.
Gostaria de saber mais sobre as influências de Nietzsche e Heráclito no conceito das músicas da banda. Eu particularmente sou fascinada por esses filósofos!
Sei que a faixa “Es Mub Sein”, que consta no álbum Pluvero – provavelmente Saulo diria que eu escrevi errado, mas enfim -, se remete a lei do eterno retorno que Nietzsche cita bastante. Sobre Heráclito eu vou ficar te devendo para uma próxima, desculpa.
Como funciona a ideia de conceitualizar álbuns instrumentais? Geralmente as letras fortalecem muito esse aspecto e é bem interessante quando há inspirações que não traduzidas em palavras, apenas em instrumentos.
Vai muito do sentimento em comum dos cinco ali na hora ou no processo ou até mesmo no fim de uma composição, para nós já é algo natural acabar conceitualizando, mesmo que não diretamente, as músicas ou o cd inteiro. As letras elas direcionam claramente para onde o seu sentimento acaba indo, o fato de não ter letra deixa tudo solto e somente a seu encargo de interpretação.
Quais sãos os planos futuros da banda?
Lançaremos um single até o fim do ano agora ou início de 2020, e entraremos em processo de composição de um EP com nosso novo guitarrista, Saulo está indo morar em Portugal e não sabe se volta tão cedo. Novos ares, mudanças boas vem por aí.