Você pode amar ou odiar Kanye West, mas não pode negar: quando falamos dele, estamos lidando com um artista que sabe como poucos materializar momentos da sua vida em forma de música. Desde The College Dropout (2004), passando por 808 & Heartbreak (2009) e até no seu projeto colaborativo lançado no ano passado com Kid Cudi intitulado KIDS SEE GHOSTS, sua arte sempre foi sincera no sentido de expor as nuances de sua controversa personalidade. Com o recente JESUS IS KING, isso também não mudou: agora, Kanye resolveu afirmar sua fé por meio de onze faixas inspiradas no gospel.
A influência do gênero não é exatamente uma novidade na discografia de West: clássicos como “Jesus Walks” e “Ultralight Beam” são verdadeiros hinos em que o cantor já declarava o poder da fé/religião. Além disso, musicalmente falando, The Life of Pablo (2016) continha samples e uma sonoridade inspirada no estilo em alguns momentos. Entretanto, a grande diferença de JIK pra outros trabalhos da carreira de Ye é que essa devoção parece ser algo ainda mais intenso na sua vida. Isso fica ainda mais claro se pensarmos que, de um ano pra cá, Kanye está cada vez mais discreto publicamente, e nesse meio tempo criou o Sunday Service, reuniões semanais que se assemelham a um culto de igreja, inclusive com discursos do rapper/produtor sobre a transformação que Deus causou nele.
JESUS IS KING tenta transportar esse clima do Sunday Service para o álbum, e consegue isso especialmente no início do disco; “Every Hour”, faixa de abertura, traz o coral que participa dessas reuniões com Ye, e muito mais do que apenas cantar sobre “o poder de Deus”, emociona o ouvinte com a força das suas vozes. “Selah”, em meio a um mar de aleluias, também é catártica. Em seguida, “Follow God” invoca o que há de melhor em Kanye: um beat contagioso e o uso certeiro de samples.
A partir daí, o grande problema do álbum começa a aparecer com mais frequência: o fato das canções parecerem estar inacabadas; é importante lembrar que JESUS IS KING foi lançado com atraso, especialmente porque algumas das faixas receberam ajustes. Nesse sentido, “Closed on Sunday”, “Everything We Need”, “Water” e “Hands On” destoam e são as músicas que impedem de JIK ser um trabalho mais consistente. Os versos (mesmo que composição nunca tenha sido o forte de Kanye) também são esquecíveis e repetitivos, onde na maior parte do tempo vemos uma perspectiva muito superficial da fé do rapper.
“On God” e “Use This Gospel” são as mais intrigantes de JIK, com uma produção não convencional e camadas sonoras complexas; a participação do duo Clipse e o solo de saxofone de Kenny G são brilhantes, e até mesmo o refrão cantado por Kanye mostram versos que soam mais sinceros, sintetizando a dificuldade de manter a fé em meio a fama e aos problemas (“Use this gospel for protection/It’s a hard road to Heaven”).
De um modo geral, JESUS IS KING não é uma obra completamente descartável, pelo contrário: ela nos ajuda a compreender mais a personalidade de um dos maiores artistas da história da música. O álbum, assim como Kanye, se completa nos seus inúmeros defeitos, e mesmo que esteja muito aquém dos momentos mais memoráveis de Ye, é mais um fragmento de uma discografia extremamente franca e pessoal.
Kanye West – JESUS IS KING
Lançamento: 25 de Outubro de 2019
Gravadora: GOOD/Def Jam
Gênero: Rap/Gospel
Produção: Kanye West
Faixas:
01. Every Hour
02. Selah
03. Follow God
04. Closed on Sunday
05. On God
06. Everything We Need
07. Water
08. God Is
09. Hands On
10. Use This Gospel
11. Jesus Is Lord