“Foi um dia memorável, pois operou grandes mudanças em mim. Mas isso se dá com qualquer vida. Imagine um dia especial na sua vida e pense como teria sido seu percurso sem ele” – Charles Dickens.
No último sábado (02), a cidade de Sorocaba recebeu uma das mais lendárias bandas nacionais do cenário underground, a Gangue Morcego. Esse show não foi uma apresentação qualquer, mas sim a penúltima performance da carreira da banda, que há um tempo atrás anunciou sua despedida oficial dos palcos. Porém, é importante mencionar que Alexandre Matos, o vocalista da Gangue Morcego, garantiu que os membros do grupo pretendem continuar com as produções musicais, embora, a partir de agora, ao menos por enquanto, infelizmente seja inviável se apresentar.
O show foi ilustre e superou todas as minhas expectativas. A banda apresentou na íntegra todas as faixas originais já lançadas ao longo de sua rica trajetória e durante todo tempo em que tocaram, o público mostrou-se imensamente envolvido o show. Nessa noite tão intensa, o vocalista Alexandre estava elegante e sobrenatural, como sempre. Toda vez que o vejo, sinto que ele parece ter saltado diretamente de uma história em quadrinhos noir ou então, ter vindo de alguma realidade alternativa. Ele brilhou. Às vezes, quando se movimentava e gritava, me lembrava o Stiv Bators e em outros momentos, torna-se misteriosamente introspectivo e então, parecia o Scott Walker.
Por sua vez, Thiago Halleck, o talentoso baixista da banda, conduziu seu instrumento com uma energia excitante, que absorvia todos os que estavam presentes. Sua performance é alucinante e dentre todos os integrantes, ele é o que mais se agita e instiga o público. Certamente é um dos mais notáveis baixistas em atividade no atual cenário underground brasileiro. O baterista Mario Mamede fez um trabalho impecável que me lembrou as performances barulhentas de Bob Bert (ex-Sonic Youth e Lydia Lunch Retrovirus) e, em alguns momentos da apresentação, pensei que ele fosse arrebentar seu instrumento – infelizmente, no entanto, isso não aconteceu.
Não é exagero nenhum dizer que Daniel K. é um dos guitarristas mais originais e qualificados da história do Pós-Punk nacional – e não é de hoje que eu digo isso. O jeito que ele toca é fascinante e seus riffs alternam-se genialmente entre ruídos experimentais e estranhos e uma crueza clássica dos primórdios do Punk Rock. Kaplan brinca com a guitarra de uma maneira encantadora. E o que falar do tecladista da banda? DaniEl Sombrio, o mais caricato dos integrantes, estava usando sua tradicional maquiagem de caveira e tocou com destreza o seu instrumento, cujas melodias são extremante criativas e envolventes. Enfim, o show foi simplesmente memorável.
Gostei especialmente de vê-los tocar “Sobrenatural”, “Não Quero Mudar” (uma das faixas que mais teve retorno por parte do público presente e que fez as pessoas se comportarem como se estivessem no CBGB) e, claro, a belíssima e emocionante “A Dança Não Para (No Outro Lado Da Lua)”, que é provavelmente a música mais conhecida da banda. Também foi interessante o fato de terem apresentado os singles lançados mais recentemente, como “Cabeça de Abóbora”, “Raízes” e “Estamos Todos Mortos”.
Foi com grande categoria que a Gangue Morcego se despediu dos palcos sorocabanos. Posso dizer que vivi uma experiência catártica naquela noite, na qual minha alma foi divina e impiedosamente tragada pelas músicas da banda, e acredito muitas outras pessoas que estavam lá presentes, compartilharam desse mesmo sentimento.
A Gangue Morcego vai fazer muita falta nos palcos brasileiros, que com certeza estarão sempre prontos para recebê-la novamente. Por hora, nos resta parabenizá-los pela história admirável que escreveram, e desejar o melhor aos cinco morcegos! Sigam (a diante) e voem (elegantemente) para as direções que forem convenientes a vocês. O sucesso já foi conquistado com méritos e a dança jamais não vai parar. Vivemos num mundo traçado por inconstâncias e mudanças e, considerando essa característica da existência, gosto de acreditar que algum dia os verei novamente por estas terras.
Não posso deixar de citar que antes dos cinco morgecos começaram o show, a banda 1983 também se apresentou. Foi a primeira vez que os assisti ao vivo e achei que tocaram muito bem – na verdade, é preciso admitir que a 1983 por si só já faria valer a noite toda.
ps.: Gostaria de agradecer especialmente ao Thiago Halleck por ter dedicado para mim a música “A Dança Não Para (No Outro Lado Da Lua)”. Você sabe o quanto isso foi significativo. Lembre-se: “Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa”. – Charles Dickens.