Se você é um fã assíduo de rock, deve saber que o heavy/glam metal teve seu auge de apelo comercial na década de 80. Enquanto o mainstream se alimentava cada vez mais desses estilos, outros movimentos pequenos mas igualmente interessantes surgiram (pelo menos quando pensamos no gênero nos Estados Unidos).
Um desses subgêneros ficaria conhecido como Stoner Rock, e o seu nascimento passou pelas mãos de uma banda que, apesar de ter ficado distante das rádios, ganhou uma pequena legião de fãs fiéis: o Kyuss.
Embora a banda de Palm Desert não seja tão conhecida, a admiração por ela dura até hoje; prova disso é o burburinho causado pelo anúncio do show no Brasil de um dos fundadores do Kyuss, o multi-instrumentista Brant Bjork. Isso também me levou a falar aqui no Audiograma um pouco sobre a história e a importância do Kyuss.
O nascimento do Kyuss e de uma cena em Palm Desert
Os surgimentos do Kyuss e do stoner rock estão intimamente ligados. A maior razão passa por questões geográficas: todos os membros se conheceram em Palm Desert, pequena cidade californiana que fica a cerca de 196 km de Los Angeles. Foi lá que John Garcia (vocal), Josh Homme (Guitarra), Brant Bjork (Bateria) e Chris Cockrell (baixo) se tornaram pioneiros, já que não havia nenhum grupo local.
Com a criação da banda, originalmente chamada Katzenjammer (termo para ressaca em alemão), os jovens que queriam se divertir tiveram alguém de Palm Desert pra assistir tocar. Foi nesse ambiente que o Kyuss se popularizou, com uma particularidade: os shows rolavam no meio do deserto, em festas que ocorriam longe de adultos, policiais e eram abastecidas com drogas e álcool, gerando um cenário único; esses eventos ficaram conhecidos como Generator Parties. O vídeo abaixo dá uma prévia do que acontecia:
Essa ambientação influenciou o som do Kyuss, com muita psicodelia, groove e uma certa crueza instrumental; o stoner também acabou ganhando outro termo: desert rock. Por outro lado, esse habitat por muito tempo escondeu esses músicos; o afastamento de grandes metrópoles fez com que um grupo seleto de pessoas tenha visto a banda ao vivo. O fato é que foi somente com eles que todo esse barulho começou.
O que há nas músicas do Kyuss
Apesar da sua curta trajetória (a formação antiga só durou até 1996), o Kyuss passou por algumas transformações. Tanto em Sons of Kyuss (1990), o primeiro EP (quando a banda também se chamava Sons of Kyuss), quanto em Wretch (1991), LP de estreia, havia um excesso de sujeira nas camadas sonoras, algo que consequentemente não foi bem visto pela crítica da época. Apenas em Blues For the Red Sun (1992), considerado por muitos como o seu melhor disco, que o som deles definiu o que viria a ser o stoner de verdade: a agressividade herdada do punk e do metal, o groove do funk e a psicodelia do rock clássico.
Essa mudança ocorreu principalmente com a adição de Chris Goss na produção; o músico de longa data colaborou com o Kyuss depois de assistir uma apresentação em Los Angeles, e foi parte determinante da melhora entre Wretch e Blues for the Red Sun. Goss ainda produziu os outros dois álbuns de estúdio subsequentes: Welcome to Sky Valley (1994) e …And the Circus Leaves Town (1995).
A outra marca registrada do Kyuss são os riffs e linhas da guitarra de Josh Homme (hoje mais conhecido por ser o líder do Queens of the Stone Age). O uso de amplificadores de baixo para tocar e as inúmeras distorções, como na clássica “Gardenia”, são elementos sonoros fundamentais. Entretanto, não se pode ignorar a contribuição dos outros membros (especialmente do vocal gritado e sempre agudo de John Garcia), com composições (na sua grande maioria de autoria da dupla Bjork/Homme) que remetem à vida junkie e às paisagens do deserto. É como se a franquia cinematográfica Mad Max se materializasse em forma de música.
As controvérsias e o fim
A impressão quando se analisa o período em que o Kyuss existiu (antes do Kyuss Lives!/Vista Chino) é que esse foi um projeto que não tinha como seguir em frente, apesar dos maiores nomes do desert/stoner terem passado pelo grupo. Sempre houve problemas burocráticos entre os integrantes, apesar de todos se darem bem na vida pessoal até então.
Bjork saiu após Welcome to the Sky Valley, por não aguentar a rotina estressante de criar para uma grande gravadora; o mesmo já disse em diversas entrevistas que o fato de ser muito jovem na época o atrapalhou. O baixo também nunca teve um dono fixo, passando pelas mãos de Cockrell, Nick Olivieri e Scott Reeder. Além disso, os membros tinham diferenças criativas, o que ficaria ainda mais claro com a carreira solo de cada um.
A banda ainda ameaçou voltar em 2010, com uma reunião organizada por Bjork, Garcia e Olivieri batizada de Kyuss Lives!. Houve uma série de shows como uma espécie de tributo ao legado deixado pelos criadores do stoner. Homme não participou, mas inicialmente deu a sua benção para a reunião; posteriormente, em 2012, Josh e Scott Reeder moveram uma ação contra Garcia e Bjork, por infração de direitos autorais e fraude ao consumidor; isso resultou na troca do nome do projeto para Vista Chino. Foi o fim de qualquer possibilidade de uma reunião da formação clássica ou até de trabalhos novos; o guitarrista também já disse que é contra esse tipo de questão envolvendo legados tão consideráveis.
O reconhecimento tardio e a contribuição do Kyuss para o rock
Foi somente com a ascensão do Queens of the Stone Age na década de 2000 que parte do grande público conheceu o Kyuss; É importante dizer que apesar disso, não haveria QOTSA sem Kyuss, além de diversas outras bandas como o Fu Manchu, o Orange Goblin e o Mastodon; no Brasil, Black Drawing Chalks e Hellbenders são os representantes mais notáveis do stoner.
A verdade é que o Kyuss está em um pedestal exclusivo no hall da fama musical. Eles não podem ser comparados com nenhuma outra banda por conta de sua singularidade; pela mistura e experimentalismo de ritmos, fica até difícil de encaixar o grupo californiano no metal ou no rock. É dessa forma que John Garcia, Brant Bjork, Nick Olivieri, Josh Homme, Scott Reeder, Alfredo Hernandez e Chris Cockrell merecem todo o reconhecimento por trazerem ao mundo um momento único que, apesar de presenciado pessoalmente por poucos, deve sempre ser lembrado.
Se quiser conhecer os californianos, você pode escutar a compilação abaixo, lançada em 2000.