A máxima da “união faz a força” ganha ainda mais sentido na cena musical independente. Em uma época onde o ouvinte tem cada vez mais opções de consumo e um catálogo enorme de bandas à sua disposição, ações parceiras entre selos e coletivos formados pelos próprios artistas tem sido um diferencial, ajudando a dar visibilidade em meio a um cenário de músicos tentando se destacar.
Pra explicar qual a real dimensão e importância desse tipo de projeto, o Audiograma falou com o Nicolas Serafim (Nico), guitarrista de longa data da Forest Crows, e Fábio Luiz Biscaro, baterista da Maru; ambos participam do Alcateia, coletivo paulistano composto por oito bandas do cenário underground: Forest Crows, Maru, Bocarra, Stripped Eyes, Fragata Imperial, A Lona, Ânima, e Era Índigos. Nessa conversa, eles apontaram os motivos pra participar de um coletivo, além do retorno e dos desafios que o Alcateia tem trazido, levantando um panorama real e honesto sobre a cena independente.
A necessidade de atuar junto na cena independente
Para o Fábio, o grande ponto de partida em um projeto desses é a procura por visibilidade, algo que é cada vez mais difícil de ser alcançado, não apenas na cena underground de São Paulo, mas do Brasil como um todo. Há também, segundo ele, a questão desse tipo de ação já ter dado certo com bandas/artistas que hoje são nacionalmente reconhecidos, como O Terno e a cantora Luiza Lian, que fazem parte do coletivo Selo Risco.
“O que motiva a gente a andar junto é a maneira como a gente chama a atenção, a maneira como a gente chama a atenção dos outros por ser/estarmos juntos; o coletivo de um modo geral serve pra dar força pra gente e também trocar experiências”, disse o baterista.
Nico tem uma visão parecida; ele foi um dos principais responsáveis pela criação do Alcateia, e enxergou que as ações coletivas são algo preponderante pra que uma cena se sustente:
“A divisão de ares (pra que o projeto se realizasse) veio ao frequentar a palestra ‘Atalhos Sonoros’, da SIMSP 2018, onde tive a oportunidade de ter consultoria com o Tony, do TMDQA, e a Katia Abreu, do Dia da Musica. Ambos falaram sobre a importância de ações coletivas, de como a organização é importante para qualquer movimento, e de como se manter fazendo shows é importante para artistas emergentes. Ao estudar mais sobre o assunto, inclusive as cenas de Seattle, Brighton, Sheffield, Selo Risco, Balaclava Records, Estúdio Costella, entre outras, eu percebi que era uma coisa que faltava acontecer no nosso ciclo de artistas: a ruptura da individualização (que é diferente de se ter autonomia) para um movimento mais amplo para criar uma unidade mais relevante. O coletivo em si acaba formando uma unidade”.
Os desafios comuns dentro do Alcateia
Apesar de terem o mesmo objetivo e de estarem em um quadro semelhante dentro da cena, há dificuldades naturais que acabam ocorrendo quando se trabalha em conjunto com um grande número de pessoas:
“Pense em um casamento: Tudo que você decide é você e a outra pessoa. Agora pense em uma banda de cinco membros: Ai já são cinco pessoas para decidir. Agora pense em nove bandas? A coisa é insana! O maior desafio é ter agilidade nas decisões e manter o mesmo sentimento alinhando”, disse Nico.
Nesse caso, pro guitarrista da Forest Crows, tudo pode ser resolvido quando se tem clareza e união: “A gente se dá bem, até porquê toda a relação é totalmente transparente, e nesse caso a Internet ajuda muito, já que da pra saber em tempo real o que acontece e como acontece. Outra coisa que mantém tudo na linha é o nosso regimento interno, um conjunto de regrinhas que toda banda deve seguir e concorda ao adentrar no coletivo”.
O alinhamento de ideias também é o maior desafio do Alcateia e dos coletivos de um modo geral na visão do Fábio: “se quatro pessoas tiverem uma iniciativa de serem profissionais e tentarem fazer carreira na música, e uma tiver um pensamento de gostar de tocar mas já não crer que vai (a banda) pra frente nesse nível, já não vai (dar certo) pois vai empatar tudo. Se cada banda já tem esse desafio interno, imagina dentro do coletivo”.
Os resultados gerados pelo coletivo
Apesar de ter sido criado recentemente (o Alcateia só foi anunciado oficialmente em Abril), os dois já conseguem enxergar um retorno favorável tanto externo quanto interno vindo do coletivo. Para Nicolas, a dificuldade em ter uma agenda de eventos foi amenizada: “É muito complexo esse negócio de se negociar com espaços pra se fazer eventos como banda autoral não consagrada”. Ele acredita que ficou mais prático montar um lineup, uma vez que as bandas tem um público e estilo parecido.
Outro ponto que foi facilitado está ligado às produções de shows: “Uma consequência bônus foi também fugir de todo o rolê de cotas de ingresso (dos produtores que obrigam bandas autorais a pagarem pra tocar, o que é infelizmente muito comum), já que todo o processo de produção é concebido pela gente. Acho que pela primeira vez, estabeleceu-se um padrão qualitativo. Agora que a gente tem uma noção de como fazer, a gente meio que também sabe o que não aceitar quando recebemos propostas ruins.”
Já o baterista da Maru ressaltou os resultados internos (além do natural aumento de visibilidade e da procura de outros músicos, em quererem participar do projeto): “a gente conversa sobre performance de palco, como organizar o evento, entradas”; ele também enxerga com otimismo que o coletivo facilita até mesmo de forma orgânica aquilo que é o maior objetivo: atrair mais público.
Os coletivos deveriam ser uma ação frequente pras bandas independentes
Como dito no inicio do texto, ganhar visibilidade em meio a um cenário tão concorrido quanto o da cena independente torna ações pensadas e conjuntas cada vez mais importantes. Nesse sentido, tanto Nico quanto Fábio concordam que atitudes concretas como o coletivo Alcateia são fundamentais:
“Eu ainda acho que isso vai ser mais frequente. Esse negócio de fazer banda nunca vai parar, sempre vai ter alguém querendo fazer, cada vez mais se muda a forma de relações entre as pessoas, e também a forma de divulgação da sua música e de consumo. Então acho que é um futuro ao invés das bandas se dissiparem e quererem fazer o seu trampo sozinho, elas se juntarem e tentarem fazer um rolê legal, que una e que faça as pessoas quererem ouvir as bandas”, disse o baterista.
O Nico complementa que outras cenas já trabalham dessa forma, e que falta essa vertente do rock alternativo se tocar disso, já que em outros gêneros as ações em conjunto deram frutos:
“É uma coisa que já acontece muito por aí em outros nichos, como Rap, Trap, Sertanejo, Pop. Os artistas se ajudam, marcam shows, dividem palcos. Se ajudam a se divulgar, se promovem e também boicotam coisas que sabem que não estão dentro do padrão de qualidade exigida ou dentro das ideologias. Mas sabemos que é difícil, justamente porque a mentalidade do alternativo é tentar ser o ‘diferentão’. Só que na real, todos temos pontos de similaridade, então acredito que devemos explorar mais as nossas semelhanças do que nos distanciar pelas nossas diferenças. Imagina só, todo mundo fazendo sua arte em paz? Acho que falando desse jeito posso parecer sonhador, mas se a gente não correr atrás, quem é que vai correr?”, disse Nicolas.
Enquanto outras bandas da cena não se organizam dessa forma, o coletivo Alcateia promete dar muito o que falar, já organizando uma série de eventos pro segundo semestre. Vale a pena ficar de olho e, pra te ajudar nisso, o Audiograma montou uma playlist no Spotify com algumas músicas das bandas do coletivo.