Depois do lançamento de Nevermind, o disco mais conhecido do Nirvana, o mundo nunca mais foi o mesmo. E, depois de lançarem esse álbum, a vida dos integrantes da banda (e do produtor Butch Vig) também nunca mais foi igual. Responsável pela ascensão e também (irônica e tragicamente) pela queda da banda a longo prazo, foi o Nevermind que catapultou o Nirvana ao mainstream e ao estrelato mundial, vendendo só nos Estados Unidos mais de 10 milhões de cópias (disco de diamante), chegando ao primeiro lugar das paradas de sucesso (e tirando ninguém menos do que Michael Jackson do topo da Billboard), e dando o pontapé inicial para a fama que terminou de desgraçar a saúde mental já bastante comprometida de Kurt Cobain e levando o compositor, cantor e guitarrista a cometer suicídio dois anos e meio depois. Em 2019, a morte de Kurt completa 25 anos (no dia 5 de abril).
Nevermind foi o primeiro disco do Nirvana já com Dave Grohl na bateria (e a diferença no som é perceptível). Dave tinha entrado na banda um ano antes, substituindo Chad Channing. Também foi um disco que fez Kurt mudar um pouco suas composições, não ter medo de sair do mundinho grunge e buscar inspirações de fora de sua bolha, com músicas mais pop e acessíveis sem deixar a forte identidade da banda de lado, mas mais grudentas e radiofônicas (apesar também das letras pesadas) e referências como R.E.M. e Pixies, banda que ele amava e que fazia muito o esquema de uma mesma canção ter pontos mais calmos e melódicos aliados a refrões explosivos, mais pesados e agressivos – fórmula que permeia todo o Nevermind.
É muito irônico que o disco se chame “Nevermind”, que significa “Deixa pra lá”, porque a obra trilhou justamente o caminho oposto, sendo um tremendo sucesso e se tornando um clássico lembrado até hoje, que influenciou meio mundo de artistas e ainda toca no rádio.
Diferentemente de Bleach, seu álbum de estreia, nesse segundo disco de estúdio o som mantém as distorções, é mais pesado e alto, mas é bem menos comprimido e sujo, com todos os instrumentos aparecendo de forma muito clara, valorizando cada som que compõe a música e tornando as canções grandiosas, ainda que sejam composições muito simples. Isso é a mão do Butch Vig, que fez a mesma coisa com outras bandas, como a inglesa The Subways já nos anos 2000, que tiveram a mesmíssima diferença de seu álbum de estreia com pegada mais amadora, suja e adolescente para o segundo da carreira, feito por ele. Voltando ao Nevermind, Butch deu muito mais destaque para a bateria também, reconhecendo a incrível habilidade de Dave Grohl no instrumento e deixando ele brilhar. No geral, o disco soa muito mais profissional, bem preparado, redondo e polido do que o Bleach, trazendo mais força para o Nirvana e fazendo a banda soar instantaneamente como um clássico. Butch também produziu um dos melhores discos do Foo Fighters, o Wasting Light, em 2011 (no mesmo estúdio em que o Nevermind foi gravado, aliás), mantendo o mesmo estilo “rocão”: pesado, alto, intenso, mas também “limpo”, polido e grandioso, como fez com o segundo disco do Nirvana. Se você comparar os três álbuns produzidos por ele que eu citei aqui em cima, dá para identificar facilmente essa personalidade e jeito de trabalhar no som.
O efeito MTV
O primeiro single de Nevermind foi “Smells Like Teen Spirit”, lançado no dia 10 de setembro de 1991, 14 dias antes do lançamento do álbum cheio e 19 dias antes do lançamento do videoclipe, que bombou. Ironicamente, por se tratar de uma faixa mais pesada, a Geffen esperava que “Smells” fosse agradar os fãs da banda e o segmento de rock alternativo e apostava em “Come As You Are”, que foi o segundo single de trabalho de Nevermind, como o maior sucesso. Mas eles estavam enganados, e “Smells” já estourou de forma inimaginável para a banda e a gravadora na época, tendo seu clipe sido veiculado pela MTV incansavelmente, o que ajudou a alcançar o status de hit. A música tocava em todas as rádios no mundo inteiro e foi responsável por fazer o Nevermind vender igual água, com 300 mil discos comercializados por semana só nos EUA. O clipe foi feito por um diretor até então desconhecido, Samuel Bayer, e foi inspirado nos filmes “Rock’n’Roll High School”, dos Ramones, e “Over The Edge”, de Jonathan Kaplan (ambos de 1979). Nevermind vendeu mais de 35 milhões de cópias no mundo e fez com que o rock se tornasse “cool” novamente, impactando a moda (e levando o estilo sujinho do grunge para as massas, com toda uma geração de camisa de flanela xadrez, que vendia em qualquer loja popular). Com o rock se tornando a música da moda novamente, o Nirvana abriu o caminho para que mais bandas do grunge de Seattle alcançassem sucesso comercial, como o Pearl Jam, que se popularizou muito e ficou conhecido globalmente, além de incentivar o surgimento de muitas outras bandas, crescimento de festivais, rádios de música antes considerada alternativa demais etc. O estouro do Nirvana, que ainda soava muito diferente da maioria das músicas que tocavam no rádio na época, foi responsável também por uma nova onda punk com a chegada de bandas como Green Day e Offspring até o mainstream – que talvez não tivessem tido tanto espaço se não fosse por essa quebra de paradigma do Nirvana. O Nevermind transformou o mercado da música por tornar popular um som que até então era muito alternativo e nichado, e deixando esse legado até hoje. Arrisco dizer que, não fosse pelo sucesso comercial de Nevermind, você jamais estaria vendo o Arctic Monkeys encabeçar a programação do Lollapalooza como atração principal, por exemplo.
Sound City Studios
O histórico estúdio Sound City, que fica nos arredores de Los Angeles, na Califórnia, foi onde o Nirvana gravou oficialmente o Nevermind, depois de algumas sessões antes de assinar com uma grande gravadora feitas no estúdio de Butch Vig (Smart Studios, que ficava na cidade natal do produtor, Madison, em Wisconsin). O Sound City Studios era uma antiga fábrica da Vox (marca inglesa cultuada que faz amplificadores, cabos e demais equipamentos e que foi muito usada pelos Beatles). Dos discos gravados nesse estúdio, saíram mais de 100 certificados de platina e ouro, incluindo álbuns clássicos de Fleetwood Mac, Neil Young, Joe Cocker, Metallica, Queens of the Stone Age, Tom Petty and the Heartbreackers, Cheap Trick, Red Hot Chilli Peppers, Guns N’ Roses, Nine Inch Nails, Johnny Cash e Rage Against the Machine (tá bom pra você?!). Um dos grandes trunfos do estúdio era, aliás, a gravação de baterias, o que certamente atraiu Butch Vig e Dave Grohl e agradou Kurt Cobain e Krist Novoselic, que queriam mudar a sonoridade da bateria do Nirvana e finalmente tinham encontrado um integrante à altura. Em 2013, o mesmo Dave Grohl, já famoso e com extensa carreira com o Foo Fighters e outras bandas das quais participou, fez um documentário sobre o estúdio e comprou a mesa de som gigante Neve Electronics 8028, bem cara e raríssima (diz que só existem 4 delas no mundo), que desde então fica em seu estúdio caseiro pessoal. Olha a foto aí em cima e se liga na felicidade ostentação!
Antes da Courtney Love, tinha a Tobi Vail
Tobi Vail era baterista da banda riot girl Bikini Kill, que também era da região de Seattle, foi seminal e mudou o rock alternativo e a cena punk para sempre ao abraçar um discurso feminista e inclusivo. Ela foi namorada de Kurt antes mesmo de ele conhecer a Courtney Love, e eles tinham um relacionamento complicado que inspirou a maioria das letras que Kurt fez para o Nevermind. Acredita-se que a letra de “Lounge Act” foi escrita para Tobi, além de muitas outras referências ao curto, porém intenso namoro que tiveram. Ela e Kurt chegaram a compor e gravar algumas músicas juntos antes de o relacionamento acabar, porque pensavam em formar uma banda, e algumas dessas músicas acabaram entrando no repertório do Nirvana anos depois. Ah, o Dave Grohl também namorou a Kathleen Hannah, amiga de Tobi Vail e vocalista do Bikini Kill. Foi Kathleen quem inventou o nome “Smells Like Teen Spirit”, aliás! Teen Spirit, na época, era uma marca de desodorante feminino usado por Tobi, e Kathleen pichou “Kurt smells like teen spirit” com spray preto na parede do quarto do namorado da amiga. O Kurt não entendeu nada, mas gostou da frase, e o resto é história.
Outras músicas que curiosamente mudaram de nome nas gravações do Nevermind foram “Breed” (que antes se chamava “Immodium”) e “Pay to Play”, que virou “Stay Away” e teve sua letra alterada, mas que era uma composição genial sobre as dificuldades que as bandas pequenas e independentes encontram ao tentar marcar shows (triste realidade que acontece até hoje, diga-se de passagem, com muitas casas fazendo as bandas pagarem para tocar). O Nirvana também gravou um cover do Velvet Underground (“Here She Comes Now”), lançada anos depois em um tributo à banda novaiorquina) e “Dive” (que foi posteriormente lançada como o lado-B do single “Sliver”), além de um split com os Melvins. Mas nenhuma dessas faixas entrou no Nevermind. Muitos lados B do Nirvana (incluindo todos esses citados acima) estão disponíveis na compilação gigante “With The Lights Out”, que tem 61 faixas (!). Se você é fã, vale a pena ouvir.
Outra curiosidade é a introdução de “Territorial Pissings”, que o Kurt copiou de uma música fofinha, “paz e amor”, alegre e solar dos anos de 1960 – o trecho é o refrão de “Get Together”, do The Youngbloods, lançada em 1967. É irônico, porque “Territorial Pissings” é uma das canções mais agressivas do Nevermind! Compare você mesmo:
O bebê da capa
A icônica capa de “Nevermind”, que se tornou um clássico, mostra o pequeno Spencer Elden, ainda bebê, nadando em uma piscina. Ele foi fotografado por John Chapple com só quatro meses de vida, em uma sessão que durou apenas 15 minutos e pagou só 200 dólares para os pais do garoto. 25 anos depois do lançamento do disco, John e Spencer se juntaram novamente, e o fotógrafo cobrou o mesmo valor para refazer as fotos, mas não permitiu que Spencer ficasse nu, como ele queria. Spencer tatuou “Nevermind” no peito e hoje tem 27 anos, é artista e mora em Los Angeles.
Nirvana – Nevermind
Lançamento: 24 de setembro de 1991
Gravadora: DGC (David Geffen Company)
Gênero: Grunge
Produção: Butch Vig
01. Smells Like Teen Spirit
02. In Bloom
03. Come As You Are
04. Breed
05. Lithium
06. Polly
07. Territorial Pissings
08. Drain You
09. Lounge Act
10. Stay Away
11. On A Plain
12. Something In The Way
13. Endless, Nameless