Lançar uma coletânea um ano após o seu estrondoso segundo álbum de estúdio poderia ser um erro para muitas carreiras nos dias atuais, certo?
No fim de 1992, a Geffen queria manter os holofotes em cima do Nirvana enquanto a banda trabalhava em seu novo registro e, a partir disso, fomos brindados com o Incesticide. Lançada em dezembro, a coletânea conta com b-sides das eras Bleach e Nevermind, alguns covers e registros ao vivo por programas da BBC, em Londres.
Ao longo de suas faixas, é possível identificar as várias faces do Nirvana e, sobretudo, de Kurt Cobain. Incesticide mescla o experimentalismo da era Bleach, representada por faixas como “Dive” e “Stain”, canções que caberiam facilmente na tracklist do álbum de estreia da banda de Seattle. Outra que se encaixa nessa era é “Downer”, que acabou sendo incluída em edições especiais do álbum lançadas recentemente. Ao mesmo tempo, músicas como “Sliver” e “Been a Soon” já remetem a era Nevermind, com melodias rebeldes mas, ao mesmo tempo, acessíveis para o grande público.
A sequência de músicas gravadas na BBC abre espaço para os covers. É do lendário programa de John Peel que vem os registros de “Turnaround” – música gravada originalmente pelo Devo e que ganhou doses extras de peso e distorção – “Molly’s Lips” e “Son Of A Gun” – ambas do Vaselines, banda que Kurt elogiava sempre que possível -. Também da BBC, mas no programa do Mark Goodier, a gravadora selecionou “Been A Soon” e uma versão alternativa de “Polly”, um dos hits de Nevermind. Com o nome de “(New Wave) Polly”, a versão ganhou uma pegada punk rock bem interessante e tão boa quanto a versão convencional ao violão.
Após a sequência BBC, Incesticide se volta aos b-sides com “Beeswax”, música gravada em 1988, na primeira vez que o Nirvana pisou em um estúdio. Durante muito tempo, a música gerou um “mito” em torno de sua letra, já que muitas pessoas simplesmente não entendiam o que o Kurt estava cantando ao longo de seus quase três minutos. Essa polêmica só foi desfeita anos depois, quando a letra foi oficialmente divulgada. Dessa mesma sessão de 1988, feita com o produtor Jack Endino, veio “Mexican Seafood”, uma música um pouco confusa, com uma letra que tem trechos sobre vômitos e diarreias e que deixa evidente a inexperiência da banda com o estúdio. Ainda assim, é uma música interessante de se ouvir e que serve como exemplo claro da evolução da banda ao longo dos anos.
Agora, se você quer entender porque muitas pessoas falavam do experimentalismo do Nirvana, você precisa ouvir “Hairspray Queen”. Toda construída em torno do baixo de Krist Novoselic, a música é a exemplificação clara do caminho que banda acabaria seguindo em seu terceiro registro oficial, o In Utero. Por sua vez, “Aero Zeppelin” vem com uma melodia arrastada e que ganha uma força incrível, marcada principalmente da bateria.
Na parte final da coletânea, temos “Big Long Now”, uma música que, dadas as devidas proporções, deve ser o trabalho mais “solto” da carreira do Nirvana até aquele ponto. A música não é agressiva e, ao mesmo tempo, não se encaixa no time das “baladas” da banda. Apesar disso, tem uma melodia bem interessante, lembrando um pouco do que foi feito pelo Alice In Chains. Para muitos fãs, é um trabalho que mostra um pouco do verdadeiro Kurt Cobain, muito por conta de sua letra íntima e reflexiva sobre a sua vida.
Para encerrar o Incesticide, o riff marcante e destruidor de “Aneurysm”, uma das músicas do Nirvana que ganhava vida nos registros ao vivo por conta de seus vários momentos apoteóticos e que merecia mais destaque do que acabou tendo durante a trajetória da banda, ainda que sempre fosse lembrada pelo trio nas apresentações.
Incesticide é uma coletânea que foi feita com objetivos comerciais, mas que acabou tendo uma ótima aceitação perante o público por não se resumir apenas em um compilado de músicas já conhecidas, mas por ter como foco a oportunidade de mostrar materiais que, até então, não tinham ganhado espaço entre o grande público da banda.
Ela não é a forma mais adequada de se conhecer o Nirvana – algo que seria mais adequado de se fazer com a coletânea auto-intitulada de 2002 -, mas mostra com clareza a evolução da banda, os caminhos que ela poderia seguir e, principalmente, a capacidade de fazer algo sujo e improvisado e, na faixa seguinte, mostrar algo limpo e polido, mas sem deixar de ser rock n’ roll.
Quase vinte e sete anos depois de seu lançamento, Incesticide ainda é relevante para se entender e avaliar toda a trajetória do Nirvana. Para quem ainda não se aprofundou na carreira da banda, é uma bela porta de entrada para um porão recheado de materiais interessantes criados pelas mentes de Cobain, Novoselic, Dave Grohl e os demais bateristas que por lá passagem. Algo que acaba se completando anos depois, com o lançamento do box With the Lights Out (2004).
Nirvana – Incesticide
Lançamento: 15 de dezembro de 1992
Gravadora/Selo: Geffen/DGC Records
Gênero: Grunge
Produção: Jack Endino, Steve Fisk, Butch Vig, Dale Griffin e Miti Adhikari.
01. Dive
02. Sliver
03. Stain
04. Been a Son
05. Turnaround
06. Molly’s Lips
07. Son of a Gun
08. (New Wave) Polly
09. Beeswax
10. Downer
11. Mexican Seafood
12. Hairspray Queen
13. Aero Zeppelin
14. Big Long Now
15. Aneurysm