Aproveitando a semana em que a morte de Kurt Cobain completa 25 anos, é sempre bom relembrar o quão importante foi a contribuição do vocalista do Nirvana não apenas para a cena do grunge/rock dos anos 90, mas para a história da música de um modo geral. E refletir sobre essa importância é consequentemente pensar em In Utero, álbum de 1993 que foi o sucessor de um dos LPs mais bem sucedidos de todos os tempos, Nevermind (1991). In Utero é o último registro em estúdio da banda de Seattle, e sempre será definido como um dos mais essenciais no cenário do rock na década em questão.
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O álbum pode ser considerado o mais experimental do Nirvana e não faltam motivos pra isso. Após o sucesso mundial com Nevermind, Kurt buscava uma sonoridade mais “rústica”, semelhante ao primeiro trabalho da banda, Bleach (1989). Para isso, a produção ficou sob responsabilidade do talentoso Steve Albini que, entre outros trabalhos, até aquele momento era conhecido por ter colaborado no Surfer Rosa (1987), do Pixies, que inclusive era uma das bandas favoritas de Cobain. Com isso, já se esperava um disco bem diferente do que foi o anterior (algo que assustou um pouco a DGC Records, selo do qual o grupo fazia parte).
E o que era esperado aconteceu: apesar dos singles “Heart-Shaped Box”, “All Apologies” e “Rape Me” terem a mesma estética de clássicos como “Lithium” e “Come as You Are”, In Utero é composto quase inteiramente por inúmeras distorções, atravessando o grunge e chegando ao noise rock. Ir além da fórmula quiet-loud-quiet foi certeiro, já que assim foi extraído o melhor de cada integrante; exceto por “Dumb” e as já citadas “All Apologies” e “Rape Me”, todas as faixas são extremamente agressivas, de variados jeitos. Músicas como “Radio Friendly Unit Shifter” e “Tourette’s” exploram a presença aguda do baixo de Krist Novoselic, a agressividade da bateria de Dave Grohl e a capacidade de improviso na guitarra de Kurt. Aliás, pra quem afirma que o vocalista era um guitarrista apenas mediano, o álbum serve como uma prova da sua técnica.
Em relação às composições, há uma raridade: “Scentless Apprentice”, inspirada no romance alemão Perfume (“Like most babies smell like butter/His smell smelled like no other”), foi elaborada liricamente pelos três integrantes, algo que era bastante incomum no Nirvana, já que geralmente o responsável pelo processo era apenas o vocalista. Ademais, In Utero possui letras mais sombrias, tristes, mas ao mesmo tempo que ajudam a entender quem era Kurt Cobain. “Serve the Servants”, por exemplo, parece narrar a conturbada relação que o vocalista tinha com o seu pai (“I tried hard to have a father/But instead, I had a dad/I just want you to know that I/Don’t hate you anymore”).
Há de se destacar também a sequência “Milk It”/“Pennyroyal Tea”; ambas soam como uma carta de despedida de Kurt, cada uma da sua forma. “Milk It”, por meio de um riff distorcido e um vocal rasgado, é uma reflexão do próprio cantor sobre sua relação com a fama e as drogas (“I am my own parasite/I don’t need a host to live/We feed off of each other/We can share our endorphins”). Já “Pennyroyal Tea” é uma das mais doces (foi escrita anteriormente para Nevermind), entrando profundamente na mente cansada e doente de Cobain naquela altura da sua trágica trajetória (“I’m so tired I can’t sleep/I’m a liar and a thief”).
In Utero pode não ser tão lembrado pelo grande público, mas a bem da verdade isso não importa: esse é o trabalho mais rico da banda em relação à arranjos sonoros, e também o mais complexo. Muito mais do que apenas um disco, é o legado artístico definitivo do Nirvana e especificamente de Kurt Cobain; não é tão dificil você encontrar fãs de bandas como Sonic Youth e Dinosaur Jr. (como o autor desse texto) sempre colocando essa obra como o primeiro contato deles com esse tipo de sonoridade mais suja. In Utero é uma síntese do que foi o rock alternativo dos anos 90, algo que sem dúvida faz dele um dos maiores álbuns da história.
Nirvana – In Utero
Lançamento: 21 de setembro de 1993
Gravadora: DGC
Gênero: Grunge/Noise Rock
Produção: Steve Albini
Faixas:
1. Serve the Servants
2. Scentless Apprentice
3. Heart-Shaped Box
4. Rape Me
5. Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle
6. Dumb
7. Very Ape
8. Milk It
9. Pennyroyal Tea
10. Radio Friendly Unit Shifter
11. Tourette’s
12. All Apologies