Depois de muitos anos escutando menos hip-hop, eu recentemente voltei a me aproximar do gênero, talvez pelo fato de agora as letras e a sonoridade me impactarem mais.
Nesse meio tempo, Kanye West foi um dos poucos artistas de rap que frequentemente fez parte do que eu consumo musicalmente, especialmente pelo apego emocional que eu tenho com dois trabalhos dele que marcaram a minha adolescência: Graduation (2007) e 808s & Heartbreak (2008). No caso de My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), eu só tinha escutado esse álbum na época do seu lançamento, e ele nunca tinha chamado tanto a minha atenção quanto os dois citados.
Porém, há algumas semanas, eu resolvi dá-lo outra chance e eu finalmente entendi o porquê esse trabalho é tão incrível. Ao abordar o lado obscuro da fama, a obra me fez refletir sobre até onde esse reconhecimento vale a pena, além de ser a maior demonstração do talento e da criatividade de West.
O preço da fama
Inicialmente algo que me impressionou em My Beautiful Dark Twisted Fantasy foi o fato de conter um ambiente sonoro que aclama a glória e o dinheiro, e consequentemente utilizar desses temas para também levantar questões que beiram o filosófico. O álbum me fez lembrar Aquiles, o herói homérico protagonista da epopeia Ilíada: em certo momento da história, o personagem precisa escolher entre uma vida curta, mas gloriosa e que ficará marcada na eternidade, ou uma existência anônima, que consequentemente trará uma vida longa e tranquila.
Você pode estranhar essa comparação em um primeiro momento, mas as questões que My Beautiful Dark Twisted Fantasy aborda sintetizam esse tema levantado na obra de Homero, ou seja, a fama e suas consequências muitas vezes trágicas. Mas aqui, não há um sentido de morte física como no caso de Aquiles; a morte no disco pode ser entendida e relacionada com a perda da percepção do que é real, além da sensação de vazio, perseguição e solidão. Duas faixas reforçaram essa minha perspectiva: “POWER”, com o seu refrão “No one man should have all that power” e “Lost in the World” (“I’m lost in the world, been down my whole life/I’m up in the woods, I’m down on my mind”).
Durante toda a audição, eu fiquei me questionando sobre como as pessoas (e em muitos momentos eu mesmo) fazem de tudo por algum tipo de visibilidade. E nos dias atuais, em que a Internet com as redes sociais oferece cada vez mais espaço para que todo mundo tente aparecer de alguma forma, My Beautiful Dark Twisted Fantasy consegue ser ainda mais certeiro na sua mensagem, sendo uma ode e uma crítica sobre como é estar inserido nessa esfera de reconhecimento, e o quanto a fama pode te transformar (pra melhor ou pior). É como se em algum momento, todos começassem a te enxergar como um monstro (como a própria faixa “Monster” explicita bem: “Everybody knows i’m a motherfucking monster”).
Entendendo o que é Kanye West
Outro ponto que fez My Beautiful Dark Twisted Fantasy chamar a minha atenção foi o fato da sua construção e seus elementos exemplificarem bem os conceitos de criação de Ye e também mostrarem o porquê ele é considerado um dos artistas mais talentosos desse século; as narrativas criadas à partir de suas próprias histórias, e a exploração de sonoridades além do hip-hop que aparecem no disco são a prova disso.
É praticamente inegável que esse é o álbum mais bem produzido de Kanye; os samples utilizados vão desde Black Sabbath (“Hell of a Life”) e King Crimson (“POWER”) até Smokey Robinson (“Devil in a New Dress”) e Aphex Twin (“Blame Game”). Em My Beautiful Dark Twisted Fantasy, aspectos sonoros que já tinham aparecido em trabalhos anteriores de Ye (autotune, sintetizadores, arranjos de guitarra) são aparentemente usados de forma mais consciente aqui, como se os outros discos anteriores tivessem sido ensaios pra sua obra-prima.
Além disso, a obra é o exemplo da fronteira que Kanye desde então percorre entre o gênio e o problemático. É importante lembrar que esse trabalho foi lançado na época em que West havia perdido a mãe, enfrentava problemas com a sua até então namorada Amber Rose e era execrado pela opinião pública (e até pelo ex-presidente Barack Obama) por conta do episódio no VMA 2009, em que o mesmo tomou o microfone da cantora Taylor Swift no meio de um discurso; tudo isso é explorado em todas as faixas do álbum.
Enxergar esse cenário problemático e se deparar com a qualidade de My Beautiful Dark Twisted Fantasy, só me deu mais certeza de que o rapper é um dos artistas que consegue utilizar com mais capacidade as suas dores e experiências em arte pura.
Uma experiência única com My Beautiful Dark Twisted Fantasy
Se você é alguém que não entende o porquê Kanye West é considerado por muitos um dos maiores artistas da última década na indústria musical, o My Beautiful Dark Twisted Fantasy pode ser o caminho mais curto de você chegar na resposta dessa questão.
Ao expor as consequências de ser uma celebridade, o álbum conseguiu dialogar comigo de forma impactante, e pode fazer o mesmo com qualquer outra pessoa comum. No final das contas, todos somos seduzidos por essa fantasia bela e sombria.