Texto por Ricardo Moreira, da Central da MPB
Precisamos falar de Janelle Monáe!
Se Beyoncé fez história no Coachella e elevou o nível do evento em todos os sentidos, tanto em performance quanto em transmissão online, e seu show virou praticamente uma marca e um dos principais produtos dentro da trajetória do festival – recebendo o nome de Beychella -, Janelle Monáe deveria levar o mesmo título e mérito. Que tal um MonáeChella? ou JaChella? Porque se a onda do festival agora é ganhar a cada ano pelo menos um grande momento histórico onde todos os olhos estejam virados para uma apresentação, esse lugar certamente foi preenchido por Janelle em 2019 e duas palavras o resumem: Que show!!
A pergunta que não cala é: mas por que a projeção de mídia e selo de performance histórica não veio para as duas? Porque Beyoncé é mainstream?! Sim! E não, não que ela não mereça, pelo contrário. Porém, como a imprensa realmente não coloca no mesmo patamar duas artistas tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão parecidas? Janelle deu (literalmente) um show e uma put* aula de performance, qualidade vocal, representatividade, feminismo e muito, mas muito talento. O choque maior desse que vos escreve foi nunca ter prestado a devida atenção na artista e visto antes o quanto Monáe é grande no palco.
Num show milimetricamente pensado e ensaiado, Janelle canta afinadíssima, dança e não erra nenhum passo de todas as coreografias que acompanham as músicas da turnê. A pose não é de diva do pop suprema como aquela que deixou todo mundo de queixo caído no memorável Beychella, mas ela se comporta no palco exatamente como se fosse uma das majestades dessa mesma categoria.
O som de Monáe é claramente muito mais maduro e feito para atingir um público mais “cool” e menos popular do que a farofa que o pop raíz está acostumado a entregar e talvez seja esse o motivo do seu show não ter feito o mesmo barulho. Porém, é possível escrever aqui uma extensa lista do porque se deve prestar atenção nessa apresentação. A começar por um álbum extremamente bem recebido pela crítica especializada que é o Dirty Computer – um trabalho indicado ao Grammy (e merecedor do prêmio principal, sorry Kacey Musgraves) – e que muita gente nem deve saber que existe.
Como já dito, a artista sabe bem acompanhar uma coreografia, manter a afinação no ponto certo e ainda realmente manter a pose de estrela. E foi assim desde a primeira música, onde ela apareceu do alto de uma escadaria, em um palco aparentemente simples (por ser de festival), mas que fez toda a diferença e é um dos trunfos do show. Principalmente quando um conjunto de leds imensos se acendeu e deu o visual perfeito para apresentação e encheu os olhos de quem assistiu. E olha que a pessoa que faz essa resenha o viu pela minúscula tela de um celular.
Janelle deixou ainda mais a sua marca ao levar a alta moda para o palco, com figurinos icônicos, cheios de personalidade e referências ao militarismo e a cultura afrofuturista. Com isso, ela fortalece sua fala de artista que exalta sua raça, orientação sexual e se mostra sedenta na busca pelo protagonismo, pela representatividade e comando de suas decisões em uma espécie de revolução onde ela é a líder. Prova disso vem em “Django Jane”, faixa em que a artista mostra seu lado rapper e fala sobre questões de raça, gênero e resistência.
A performance ficou ainda mais interessante com Janelle sentada num trono de rainha, assim como no videoclipe, de forma imponente e perfeitamente segura do que faz. Além disso, ela evocou seu necessário “Pussy Power” em faixas como “Pynk” e “I Got The Juice”, que ainda soam como tabu aos olhos dos conservadores, principalmente em um discurso vindo de uma mulher negra e bissexual.
Voltando às performances, Janelle trocou de roupa em vários momentos e um deles retornou ao palco com ares de Michael Jackson e movimentos bem fiéis aos do rei do pop e até arriscou um passinho de moonwalk em outro momento, acompanhada de um time de ótimas bailarinas que não perde em nada para as outras artistas que propõem o casamento de música e dança.
Se no show de Beyoncé a gente tinha a impressão de que a gravação e edição de um DVD estavam sendo feitos ao vivo bem diante aos nossos olhos e sem nenhum defeito, o mesmo pode se dizer da noite de ouro de Janelle. Alguns outros artistas do lineup até tentaram fazer o mesmo e revolucionar com luzes, leds e efeitos, mas foi Monáe que brilhou e mostrou bem o que poucos podem e sabem fazer: dominar um palco de uma ponta a outra com maestria, o que realmente isenta qualquer um de ser brando ao se tratar de elogios.
Podemos terminar esse texto dizendo que nunca (nunca mesmo) foi sentida uma energia tão grande em um show transmitido por um aparelho eletrônico, além da vontade imensa de estar num lugar como no Coachella no dia 12 de abril. Sorte de quem estava lá!
Please come to Brazil, Janelle! (Risos)
E que venha o próximo artista que vai deixar a sua marca no Coachella no ano que vem. Aproveite e veja outros momentos especiais do festival em uma lista especial selecionada pelo Audiograma.