O “Do It Yourself” (também conhecido pela sigla em inglês “DIY”, ou Faça Você Mesmo, em português) é um lema que vem do punk, mas que é seguido por toda banda independente. E existe um artista brasileiro que, para mim, é praticamente a personificação disso: o paulistano Gabriel Vendramini.
O cara é workaholic, realmente apaixonado por música, e faz uma quantidade de shows muito acima da média para uma banda autoral pequena, ainda bem desconhecida, e que toca rock alternativo com letras em inglês. Mas o mais impressionante de tudo é que ele faz tudo sozinho. Incluindo os discos, singles e EPs, que são gravados por ele mesmo em casa!
Conheci seu trabalho no final do ano passado, quando tive a oportunidade de tocar com ele no Secretinho, em São Paulo. Gostei muito das músicas, tanto ao vivo quanto gravadas, e gostei bastante do seu último lançamento, o álbum Lighthouse, que saiu em novembro de 2018, tem 13 faixas, várias participações especiais e já abre com um riffzão para roqueiro nenhum botar defeito. A primeira canção do disco, “A Crowd of Fools”, tem uma introdução que valoriza a tríade guitarra-baixo-bateria e linhas de cordas marcantes e poderosas.
Gabriel compôs todas as músicas, canta, toca guitarra, baixo, bateria e teclado e faz até os próprios backing vocals. Quando vai se apresentar ao vivo, conta com a ajuda do irmão, André Vendramini, no baixo. A bateria não tem músico fixo, então ele contrata diferentes pessoas a cada show.
Conversei com ele para saber mais sobre esse último disco e como ele consegue fazer tudo sozinho de forma independente.
O segundo clipe do disco, “Can’t Decide”, que foi lançado no começo deste ano – repare nas camisetas “Who the fuck is Gabriel Vendramini?”, referência à clássica (e irônica) camiseta dos Rolling Stones lançada nos anos de 1970
Confira a entrevista completa e exclusiva de Gabriel Vendramini para o Audiograma:
1) O disco já abre com um rocão porrada cheio de riffs . A ordem das músicas foi intencional?
A ordem das músicas é 100% intencional! O disco estava meio que quase todo gravado desde abril de 2018, então eu fui refinando os detalhes e acertando os pormenores para tentar montar uma cadeia de sons harmônica.
2) Esse é seu segundo disco, depois do álbum “Brick by Brick”. O que mudou entre um e outro?
O “Brick By Brick” foi um disco gravado sem o menor compromisso e/ou intenção de ser veiculado ao vivo. Foi meio que um “TCC de música” que eu gravei pra imortalizar algumas composições antes de completar 30 anos. Na época eu ensaiava com banda (tocávamos covers) só pra não enferrujar na dinâmica de grupo. Depois que lancei o disco, meu irmão e o Ricardo (amigo baterista) começaram a tirar as músicas e, pouco tempo depois, veio a vontade de voltar a se apresentar. A formação segue a mesma desde então. Minhas composições costumam ser bem biográficas, salve raras exceções onde faço crônicas baseadas em episódios que li ou ouvi.
3) Falando nisso, o que inspirou a criação das músicas do disco novo? E por que ele se chama Lighthouse?
Inicialmente, o “Lighthouse” foi inspirado na minha volta aos palcos de música autoral depois de um hiato de mais de 10 anos. A ideia era lançar um EP, fazer algo conceitual focando em um tema só, mas o repertório já ultrapassava o formato e acabou saindo um novo disco. O farol sinaliza aos navegantes o fim da viagem, o sinal de terra firme à vista. Vivemos num país de terceiro mundo onde nos expressarmos artisticamente é uma resistência. Quem faz música autoral no Brasil não só tem muita coragem como também tem muito amor pelo que faz. Somos os navegantes em busca de um farol remando sob uma tormenta.
4) Onde ele foi gravado e como? Quem são os músicos que te acompanham?
Da mesma forma que o “Brick By Brick”, o “There’s More” e os outros singles, o “Lighthouse” foi gravado aqui na minha casa. Gravei as guitarras, os baixos, as vozes, os loops de bateria e os teclados. Uso programas como Garageband, Fruit Loop, EZdrummer, qualquer coisa que tiver mais fácil.
5) Vi seu show e achei um barato o pedal de voz que você usa. Como é que funciona isso? Usou no disco também ou é só para apresentações ao vivo?
O BOSS VE-20 foi um dos melhores investimentos que fiz. Eu costumo utilizá-lo somente nas apresentações ao vivo para abertura de vozes, porque nas gravações eu faço as dobras, terças e quintas na raça mesmo. Estudei bem para dosar os parâmetros para que o resultado final não fique robótico ou artificial, tanto que o pitch correction (afinador) do pedal fica desligado.
6) Como é ter uma banda com o seu irmão? Rola muita briga?
É muito bom! Ele é o meu melhor amigo e sempre me apoiou na música. As brigas ficaram na infância e adolescência mesmo, hoje em dia é só rock’n’roll e muito amor.
7) Quais são as participações especiais do disco? Como rolaram essas parcerias?
A Marisa Brito é uma cantora/compositora do Belém do Pará. Nós dividimos o palco num evento meses atrás e a sintonia foi muito grande. Gostei muito do trabalho dela e, enquanto trabalhava no repertório do disco, senti a falta de vocais femininos para uma faixa (“Choir Of Love”). Ela aceitou sem hesitar e pouco tempo depois fui gravá-la em sua casa. Gosto de ressaltar sempre que ela matou tudo em menos de meia hora, tudo no primeiro take. E ainda criou uma harmonia de voz para a seção do solo de guitarra. Eu tinha uma outra faixa (“Safe”) onde não conseguia encaixar a melodia da voz com meu timbre, eu precisava novamente de vocais femininos. Passei um tempo buscando por pessoas na internet quando, finalmente, encontrei uma mocinha lá da Itália – Hilary Floyd – cantando um cover lindo de “Norwegian Wood” dos Beatles no YouTube. Entrei em contato e mostrei a faixa a ela. Ela gostou e gravou suas trilhas em casa, me enviando por e-mail algum tempo depois. O Shades Apart foi uma das bandas que mais ouvi na adolescência. Hoje em dia eles só se apresentam por diversão, os membros da banda constituíram família e seguiram outros caminhos profissionais, mas entrei em contato com o Kevin Lynch pelo Facebook, falei que tinha uma faixa (“King Of Stone”) onde gostaria de ter a voz dele e do Mark V. fazendo backing vocals, e os caras aceitaram prontamente e também me encaminharam suas trilhas por e-mail. Falar sobre a participação do Mark Thomas Kluepfel é sempre muito emocionante pra mim. Ele é uma das minhas maiores influências na música. Quando recebi a resposta (também pelo Facebook) de que ele participaria da “Thomas Crapper”, eu tremia dos pés à cabeça. O convite era somente (porque eu não queria incomodar) para ele cantar o refrão comigo, mas, quando ele me entregou a parte dele para a música eu recebi 10 trilhas de voz. Ele fez TUDO que eu sempre amei no trabalho dele na minha (nossa) música. No final, ele cantou o refrão, cantou a ponte, fez harmonias, dobras, enfim, pegue seu melhor fone de ouvido e sinta o que eu estou dizendo!
8) O primeiro single lançado do disco, “Thomas Crapper”, bateu mais de 6 mil visualizações no Youtube com um lyric video. Como foi isso? Você esperava essa repercussão toda?
Quando a gente faz a lição de casa bem feita não tem como não dar certo! Investi pesado em teasers, arte, divulgação e colhi ótimos frutos, reconheço. A fama e o dinheiro ainda não vieram, mas quem sabe um dia, né?!
9) O clipe de “Thomas Crapper” é incrível, aliás! Quem fez, de onde veio a ideia? Por que a transfusão de sangue?
A arte é da ilustradora Lyara Costa e o vídeo foi feito pelo pessoal da Artside Digital Studio (Carlos Fides). Contextualizei a Lyara sobre a música e ela criou esta arte visceral. A ideia da transfusão de sangue vem de um verso da canção: “the music’s powers were healing all the wounds in me”. A Lyara matou a pau em captar isto no desenho e o pessoal da Artside caprichou demais no lyric video.
10) Sobre o que fala a letra dessa música?
Ela é bem autobiográfica. Eu conto o porquê de ter começado a compor e cantar, o que me influencia até hoje, o que me mantem na música, que demônios me atormentam e agradeço o que sempre me salvou no topo disso tudo: a música.
11) Já te encheram o saco por só cantar em inglês?
Ah… Mas enchem o saco por causa de tanta coisa, né?! Eu canto em inglês para deixar a minha música “universal”. Não tenho uma voz de canto em português, soo completamente sem personalidade cantando na nossa língua nativa. E a grande maioria das minhas influências vem da música internacional.
12) Quem fez a arte gráfica do disco? Quais foram as inspirações?
Este trabalho incrível foi feito pela ilustradora Danielle Pioli. Ela tem uma sensibilidade gigantesca para as artes no geral. Conversei com ela sobre o que eu esperava de resultado final, mas a deixei bem livre para criar o que ela sentisse que a temática do disco pedia. O resultado ficou de tirar o fôlego, o trabalho da Dani tem muita personalidade.
13) Qual é sua música preferida do disco?
“Thomas Crapper” me mata sempre que ouço, então, sigo com ela no topo da lista.
14) Quais são suas bandas preferidas e principais influências?
Eu só comecei a tocar guitarra por causa do punk rock. E eu ouvia Misfits, Dead Kennedys, Ramones e Voodoo Glow Skulls o dia inteiro. Depois de um tempo eu comecei a ampliar meus horizontes e me perdi sem volta na agressividade do som do Thin Lizzy. Na adolescência me apaixonei pela identidade visual e musical das bandas Action Action e The Reunion Show. Não posso deixar de citar também meus guitarristas canhotos favoritos: Jimi Hendrix, Elliot Easton e Doyle Bramhall II.