Tem um trio de São Paulo que vem me chamando a atenção há meses e que acaba de lançar seu EP de estreia e o nome dela é A Banda Não Veio, grupo formado por Leandro Dias (guitarra e vocal), Ronavan Deness (baixo) e Murilo Bastos (bateria). Não à toa, o EP se chama Intro, justamente por ser o primeiro registro do grupo, servindo como um cartão de visitas, uma introdução. As quatro faixas autorais e inéditas foram gravadas no Estúdio Aurora, com mixagem e masterização do grande Aécio Souza, entre outubro de 2018 e janeiro de 2019.
A arte de capa de “Intro” também tem uma história curiosa e é um caso à parte, formada por uma foto em preto e branco de Kaio Bastos que foi bordada à mão por Lena Amano com linha vermelha. Depois, eles tiveram que fazer uma “foto da foto” para que a arte ficasse assim, aplicando em seguida o título do EP de forma digital. Deu trabalho, mas valeu a pena:
Leandro, o vocalista e guitarrista, também é responsável pela composição e produção das músicas, todas autorais e com letras em português sobre relações humanas de forma bem filosófica e observadora. A vibe “faça-você-mesmo” de banda independente continua com o lançamento do primeiro clipe d’A Banda Não veio, que saiu no dia 22 de abril e foi feito em Embu das Artes:
Afinal, a filmagem foi feita pelo baixista, a edição e a montagem foram feitas pelo batera e a produção artística e o figurino foram feitos pelo vocalista e guitarrista. Isso que é botar a mão na massa, minha gente!
Aproveitei o lançamento do EP e do clipe para entrevistar a banda. Confira as respostas hilárias do Leandro:
1) Você escreveu todas as músicas. O que inspira suas letras?
É, sou eu que faço, penso nas letras como pequenos contos urbanos para dar mais sentido visual na música, sem ficar apenas na vibração. Em “Sofá Com Dois Lugares” por exemplo, compus em um sábado de manhã por ficar pensando que poderia não estar aproveitando o lado mais leve e fácil da vida, que deveria sair mais de casa, ir até tal barzinho e conhecer gente. Muitas letras surgem assim, de um feeling real.
2) É proposital fazer todas as letras em português?
É um português não muito nativo, na real, já cheio manias lá de fora. E, claro, é um propósito, nos dá um pouco de filiação com a poesia, eu acho.
3) Quais são as inspirações e referências musicais da banda? Elas variam muito de integrante para integrante?
Variam muito, sim. O Ronavan é muito sem limites, pensa a música bem perto das paradas mega construídas do Macaco Bong. Eu já sou amarrado no Tim Kinsella, aquele estilo que ele tem de desfazer o post-punk e o post-rock acho bem animal, desde o Cap n’ Jazz. Já o Murilo acho que só se interessa por stand up comedy, mas isso me ajuda com alguns dilemas morais, como por exemplo envolver o mundo feminino nas letras. E, através das piadas, vemos que a questão é bem mais ampla sem tanto a ver com o gênero, igual em “Dose Amigável”.
4) Como foi gravar no Aurora? Por que escolheram esse estúdio?
Eles foram simpáticos demais na abordagem, basicamente por isso. Nos convidaram para ir lá e saber mais da gente, enquanto dos outros estúdios eu recebi apenas o contrato de prestação de serviços com a isenção de responsabilidade (risos). E pesou para a escolha saber que o Aurora não está no centro de um gênero ou estilo, sem fazer com que um rótulo seja colocado na sua música.
5) Qual foi a maior lição que vocês aprenderam fazendo o EP?
Premeditar o resultado final do processo da gravação antes da conclusão. Se você souber antecipar os timbres e fazer sua intenção sair direto na mesa técnica já era, você terá a mixagem para viajar ainda mais ao invés de voltar atrás e perder tempo editando e ajustando imperfeições. Foi o que depois entendemos e fizemos melhor com o videoclipe.
6) Fala mais sobre o clipe! Foram vocês mesmos que fizeram, certo? Quais são as referências?
Sim, foi feito pela Produtora A Banda Não Veio Filmes (risos). Decidimos pela faixa “Por que Você Não Vai Dormir” por acharmos que a música poderia ter um auxílio visual, e então fui pegar dicas essenciais com dois fotógrafos na família do Murilo, o Kaio Bastos (primo dele e meu amigo) e a Thaynara Brito (irmã dele que fez até uma configuração manual na câmera durante a filmagem). Depois gastei uma tarde inteira fazendo um kit de luz caseiro, o que foi muito chato. Só tínhamos o receio de não saber fazer a sincronia do áudio com a performance central no vídeo, mas acho que o músico essencialmente entende de timing, então foi muito de boa, não é muito além. Incluímos o plano inteiro com a performance da banda e as cenas de improviso externas e à noite para ficar meio David Lynch e um pouco “Enjoy The Silence”, do Depeche Mode. O Ronavan tomou a frente nas filmagens com ótimos zooms e desfoques na lente. Já o Murilo se encontrou na etapa de edição e fez aqueles cortes que na nossa visão modesta deu um resultado ótimo. A orientação é que gente do meio audiovisual sempre esteja envolvida em trabalhos assim, porque gera um envolvimento maior. Seria muito legal em tese, pois quando solicitei apenas o serviço do corte final de edição para menos de 8 minutos de filmagem os valores que recebi foram surreais. Mesmo no site “99 Freelas” uma edição curta de baixo orçamento recebeu cotações no valor de R$ 2.000,00. Claro que em dias de lo-fi o músico independente vai preferir se virar sozinho e poupar para outros investimentos.
7) Vocês já têm algum show marcado?
Ainda não. Estou na condicional, sem poder sair de casa após às 22h (risos). Sim, na verdade, já está marcado um show para o dia 19 de maio no Centro Cultural de Embu das Artes, às 18h, por ser a cidade em que a banda tem seu estúdio e na região em que moram o Ronavan e o Murilo. Vai ser além de especial lançar o EP lá, que, convenhamos, é uma cidade fantástica já no nome, e o centro de comércios de artes local é voltado para o auto empreendedor e é muito rico e criativo.
8) Por que esse nome pra banda? É bem curioso “A Banda Não Veio”.
Saiu de uma banda minha que se desfez, a “Oliver”. Aconteciam alguns ensaios em que só eu aparecia na ingenuidade e ficava lá por uma hora ligando os cabos e ajustando o amplificador. Era em um estúdio no bairro da Casa Verde, perto de casa, e os donos de lá eram os dois irmãos da banda Claustrofobia, o Marcus e o Caio D’Angelo. Em um último ensaio desses acho que o Marcus abriu a porta da sala e me perguntou: “E a banda, não veio?”. Então cai bem como um nome postiço. Todo estúdio que entro em contato sabe o que essa frase significa e sempre dão risada.
9) Quais são os planos de vocês para o futuro da banda?
Para o futuro já estamos no meio do repertório de músicas novas para gravar agora um disco inteiro. Até lá vamos tentar resistir à ideia de lançar singles. Ficamos muito empolgados com a história do videoclipe e talvez filmemos mais um para “Sofá Com Dois Lugares” até junho deste ano.
10) Como banda independente, qual foi a coisa mais doida que já rolou com vocês em show ou no estúdio? Quais são seus maiores desafios? E o que rolou de bom?
Já fiz show em uma loja de vídeo games que chama Super Anos 80 com algumas crianças correndo em volta de mim dizendo que eu tinha que cantar direito. Deveriam ser fãs de algo mais psicodélico, como Patati e Patatá.
11) O que vocês andam ouvindo? Podem indicar alguns artistas?
Eu indico ouvir e ver ao vivo o Black Spring e o play deles “The Fall”. O Murilo é o JoJo Mayer com suas fusões invertidas de eletrônico na bateria e percussão. O Ronavan é sempre um mistério (risos), ele mencionou estar ouvindo Cor-Craine Secret e o disco London Calling, do Clash.
12) Conta um pouco sobre como surgiu o trio, de onde vocês se conhecem, como começaram a tocar juntos.
Eu sou muito amigo da família do Murilo, e uma vez ainda muito adolescente ele apareceu em um churrasco e veio me falar de Red Hot Chilli Peppers, que era muito fã e tal. Eu brincava que era o John Frusciante e que podíamos tocar juntos. Só sei que em poucos dias depois o garotinho já tinha uma bateria em casa e andava praticando. Mas isso foi em 2013 e, até 2015, eu continuei solo e fazia gravações de voz e violão sempre que tinha uma composição nova e já usava o nome “A Banda Não Veio”. Aí sim fizemos nessa época uns poucos ensaios como duo, e até 2017 eu me desliguei totalmente da música por ter ido morar em Santos. Sabia já do Ronavan que era amigo do Murilo e que andavam tocando juntos e até fizeram um show em uma praça em Embu das Artes, tenho que achar essa foto dos dois e postar na página da banda (risos). Quando voltei a São Paulo, o Murilo praticamente foi me buscar na rodoviária porque sabia que eu estava cheio de desafetos para cantar, e foi quando também me mandou uma música acústica do Ronavan toda cult, sem refrão, meio de trás pra frente, que me deixou mais instigado pelo talento do rapaz. Um dia os dois foram me ver no estúdio gravando e viramos esse trio bonito que somos hoje.
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