The Hurting é o álbum de estréia da dupla britânica Tears for Fears e que está completando 36 anos neste mês de março. Lançado em 7 de março do longínquo 1983, remete à infância conturbada do vocalista e principal letrista, Roland Orzabal. O músico, oriundo de uma família humilde e com diversos problemas de relacionamento com seu pai, encontrou na composição e no grito primal, uma válvula de escape para seu drama pessoal.
O grito primal, difundido amplamente no início dos anos 1980 pelo casal John Lennon e Yoko Ono, chamou a atenção do jovem Orzabal logo de cara e fez refletir o impacto da descoberta desta inusitada terapia em The Hurting e nos álbuns seguintes, Songs From The Big Chair e The Seeds of Love.
A tal terapia, criada na Califórnia nos anos 1960, consiste em um tratamento no qual o indivíduo utiliza de gritos e urros para descarregar todas as suas frustrações e mágoas do passado. Orzabal então viu neste peculiar tratamento psicológico, uma fonte de inspiração para as letras do primeiro álbum. Logo também influenciou Curt Smith e toda uma geração new wave, com toques de melancolia e sentimentalismo.
De “Mad World” a “Pale Shelter”, passando por “Change” e pela faixa-título, “The Hurting”, a dupla imprime suas vertentes suburbanas, de famílias desestruturadas e sentimentaliza aquilo que seria esculpido em Songs From The Big Chair e na famosíssima “Woman in Chains”, dueto de Orzabal e Oleta Adams presente em The Seeds of Love, lançado em setembro de 1989. Esta última retrata a imagem da mãe de Orzabal, uma dançarina de boate e do pai, um homem agressivo e machista.
Aquilo que Smith e Orzabal ensaiam em The Hurting, é concretizado no álbum seguinte, de 1985. Neste icônico produto da banda, a ideia do grito primal passa a ser mais fortemente explorada, já à partir do título do disco.
Seguindo a teoria psicanalítica de Arthur Janov, o grito primal é a consequência de um processo de neurose a que o indivíduo culmina após vários anos de satisfação de desejos e necessidades de forma superficial, o que vem a lhe causar uma espécie de sofrimento negado, de maneira consciente. Este sofrimento proporciona dor, a que Janov chama de “dor primária”.
Ao longo do tratamento, o terapeuta tende a inserir seu paciente dentro daquilo que a teoria chama de “cena primária”, uma forma de retorno psicológico ao momento de choque vivenciado pelo indivíduo. Além disto, ele também retorna a situações de estresse, desavenças e humilhações que lhe causem grande desconforto.
O paciente passa por diversas fases ao longo do tratamento, dentre elas, a reclusão extrema, rompimento com hábitos rotineiros e principalmente, precisa evitar álcool e drogas. Apenas é permito que o paciente escreva sobre si mesmo. Também é negado a ele que durma durante o período.
Ao longo das sessões, o paciente regride ao ponto de sentir-se como uma criança e passa a considerar as coisas grandes demais devido ao fato de sentir-se menor do que seu próprio corpo. Diante disto, a cadeira onde está sentado o terapeuta responsável representa uma hierarquia, passa a simbolizar “aquilo que detém o poder de fazer retornar ao passado”, é grande demais. Desta característica, originou-se o título do álbum de 1985.
Enquanto Songs From The Big Chair corresponde a última fase da terapia do grito primal, The Hurting ainda está na primeira fase. Este vivencia os momentos de sofrimento percebidos pelo novo paciente e lida com o fato de deparar-se com as angústias relembradas da infância, os momentos de horror e as mágoas não-cicatrizadas.
The Hurting é um álbum que esteve no ritmo de sua época, uma época que tentou estar sóbria e menos drogada do que fora ao longo dos anos 1970 e mais introspectiva e melancólica, em profundo tratamento, junto de The Smiths, Joy Division, The Cure, entre outros. O som do início do Tears for Fears deixou de existir ao longo dos anos mas ocasionou uma marca gigantesca que procurou estar sempre conectada com o eterno questionamento do grito primal.
Tears for Fears está em eterno tratamento, ainda bem.