E eu fiel súdita sei / O porquê de você ser rei / Tem de ser lei / Seu melhor gozar / Então vá, pode ir / Que eu ficarei aqui / Esperando você voltar
A gente se submete a coisas horríveis quando não temos amor próprio.
Bom, Carne Doce é a minha trilha sonora. Sem massagem, as letras sensíveis (ainda que às vezes bata como um coice de cavalo) de Salma Jô são responsáveis por uma antítese em minha vida: as mesmas canções trazem memórias de alguns dos melhores momentos da minha vida ou profunda mágoa e decepção, raiva. É o retrato perfeito dos meus últimos anos, um momento de transição. Em parte porque conheci a banda por intermédio de uma ex-namorada que gostava das músicas tanto quanto eu.
Havia uma poética: eu geminiana, ela leonina, o ar complementava o fogo e o expandia. Era legal estar acompanhada de alguém que vibrava na mesma sintonia, compartilhava os mesmos gostos e objetivos. Depois de algum tempo, era até comum que eu ficasse mais na casa dela que na minha própria. Para mim, era quase como se eu tivesse tirado a sorte grande. Besta, porém verdadeiro.
Como qualquer relacionamento, crises aconteceram, e apesar da inexperiência em alguns pontos, conseguíamos nos acertar no final. Mas à medida que os anos se arrastavam, os problemas eram resolvidos com subserviência e adoração de minha parte. Some isso a crises depressivas e extrema insegurança: fórmula perfeita para um “namoro unilateral” e potencialmente problemático, embora tivesse começado muito bem.
Às vezes, “Fetiche” traz de volta memórias de momentos particularmente desagradáveis. Um relacionamento aberto a apenas uma das partes, esperar pacientemente em casa enquanto eu sabia sobre quem estava sendo usado para me magoar, saber que eu tinha que ser a melhor foda se eu quisesse mantê-la por perto.
Seguimos caminhos diferentes no começo de 2017, e restou amargura o suficiente em ambas as partes para nem conseguirmos nos olhar quando trombamos por acaso nessa pequena cidade de Belo Horizonte.
Ainda que “Comida Amarga” e “Nova Nova” (do álbum Tônus) tenham o mesmo sentido para mim, “Fetiche” é mais significativa por ter sido a segunda música da banda que ouvi. O sentimento de insegurança, talvez ciúme possessivo, medo de perder, tudo em hipérbole; para ela, que não gostava da música, era só mais uma melodramática e irritantezinha. Para mim, era o eu lírico falando aquilo que eu nunca disse por ter medo de enfrentar aquela situação.
Quase três anos se passaram e ainda é complicado me lembrar dessas coisas sem sentir um pouco de autopiedade e certa humilhação. Mas, apesar de essa música ter uma carga emocional negativíssima, nunca saiu da minha playlist por ser um souvenir de que não preciso me sujeitar a situações complicadas por amor (ou sentimento obsessivo) a alguém, e que minha saúde mental é mais importante. E que mesmo minhas piores lembranças de relacionamento podem ser apagadas quando tô no show da Carne Doce.
E quem me vê gritando durante todo o show na grade, tem certeza de que tá tudo bem.
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