Entrevista realizada por Gabriel Marinho.
Juliana Vannucchi é graduada em Comunicação Social e também é licenciada em Filosofia. É Editora-chefe e fundadora do site Acervo Filosófico, colaboradora aqui no Audiograma e realiza palestras e eventos voltados à Filosofia, além de ser professora na área.
Já esteve pessoalmente ao lado de alguns importantes representantes do Punk Rock, tal como Budgie, Bob Bert e Lydia Lunch e entrevistou alguns músicos que também marcaram o movimento, tal como Harry Howard, John Moore e Knox Chandler e é exatamente sobre esse gênero que a nossa conversa se desenrolou e rendeu muitas reflexões.
O que significa ser punk hoje? Qual é a definição que você dá a esse termo?
Tanto hoje, quanto no passado, penso que o punk sempre esteve relacionado à atitudes libertadoras que incentivam o indivíduo a viver sua própria jornada e traçar a rota de sua história sem que, necessariamente, dependa de fatores externos (embora, é claro, possa haver algum nível de intervenção externa se o indivíduo quiser). É um pouco complicado definir o punk porque sempre houve certa divergência de interpretação a respeito de seu significado (e eu não poderia expressar minha opinião/definição sem citar esse fator). Mas pra mim, em suma, é antes de mais nada, uma postura de espírito, é questão de atitude, de coragem, de autogestão, de autoconfiança e autossuficiência.
Por que, desde seu surgimento, por vezes (talvez bem frequentemente) o punk foi/é, de alguma forma, associado à violência?
Acredito que isso ocorra especialmente (certamente não “exclusivamente”) por dois motivos: o primeiro culpado para essa imagem (“punk e violência”/”punk é violência” e afins) são os grandes meios de comunicação que, com medo dos incentivos à refutação e desconstrução (em seus mais amplos sentidos) propostos pelo Punk ao longo de sua história, deturparam propositalmente a imagem do movimento. Os segundos culpados são os pseudo-punks, ou seja, aqueles tipinhos ordinários que andam pelas ruas usando moicano e desperdiçando seus tempos chutando latas de lixo e se vangloriando por estarem desempregados. Também é preciso admitir que já houve muitos punks que, infelizmente, tiveram atitudes violentas. Contudo, isso não acontece apenas nessa cultura, mas sim em vários outros contextos. É arriscado e perverso associar o Punk direta, única e intimamente com a violência.
Conhece e fortalece (lembrando que o movimento punk é retro-alimentativo) bandas nacionais? Quais? Por quê? O que as bandas dizem em suas letras, que te chama a atenção?
Conheço algumas, mas não tantas. Sempre me senti mais atraída por bandas intencionais. Mas eu gosto de Maltrapilhos, por exemplo. Tem um som deles chamado “Punk Rock Nacional” que é muito legal! Eu acho que a letra dessa música descreve muito bem as bases do Punk Rock!
O DIY é um conceito clássico e atemporal no movimento punk. Você o pratica de alguma forma? Como e com que frequência? Incentiva outras pessoas a fazerem o mesmo?
Sim. Eu pratico para administrar meu site (de Filosofia e outro blog sobre música que abri recentemente)… Precisei aprender sozinha a mexer em código HTML. Eu ainda não domino, mas estou me virando bem. Eu estou “fazendo eu mesma” (na medida do possível). O mesmo se dá com a administração das redes sociais do site de Filosofia (não preciso pagar um publicitário pra isso). Além disso, estou aprendendo a tocar guitarra e a falar italiano, tudo isso sozinha (mas eu jamais dispensaria professores, adoraria ter um! É que como não tenho, me viro como posso). Definitivamente incentivo! É ótimo depender de si próprio para fazer algumas coisas que você quer. Você ganha tempo, conhecimento e confiança!
Como você se envolveu pela primeira vez com o Punk Rock e o que mais te chamou a atenção nessa cultura?
Através de bandas como Siouxsie And The Banshees, The Stooges e Sex Pistols. Em 2015 estive no 100 Club, em Londres, e daí me apaixonei de vez pelo Punk Rock, já que quando estive no local pude me aproximar um pouco da atmosfera histórico do punk inglês. Nessa mesma passagem pela Inglaterra, conheci o Budgie (ex-Siouxsie And The Banshees) e achei ele fantástico! O que mais me chamou a atenção? Difícil de responder… Acredito que a característica de ruptura que as bandas tinham quando quebravam paradigmas e se auto-fortaleciam num cenário que, em suma, as desprezava (ou, no mínimo, que as evitava de alguma maneira). Acho brilhante a maneira como certos artistas se firmaram em meio a cenários tão turbulentos.
Como você define o atual cenário punk brasileiro? Críticas? Elogios?
Eu não acompanho muito. Conheço alguns punks que considero autênticos, e sei de outros que são os clássicos “pseudo-punks”. Mas não estou por dentro!
Que tipo de vantagem social (ou seja, para um comunidade) e/ou pessoal (para qualquer indivíduo) o punk é capaz de proporcionar?
Suponho que, tanto para a comunidade quanto para um indivíduo, seja inspirador por ser um verdadeiro convite ao fortalecimento da autonomia e da refutação de valores tradicionais, além de ser um incentivo ao questionamento daquilo que costuma ser imposto, e da postura crítica. O Punk é libertador e saudável (tanto em aspectos físicos, quanto espirituais) porque oferece e encoraja alternativas!
Através de quais atitudes podemos manter esse movimento vivo nos dias de hoje?
Basicamente através das atitudes que mencionei acima: autonomia (com base, por exemplo, no conceito do D.I.Y), indagações constantes, senso crítico e liberdade individual. E claro, podemos mantê-lo vivo na medida em que nos lembramos dele e o valorizamos através das mais diversas formas (música, cinema, literatura, palestras, etc). O movimento punk (em qualquer um de seus diversos aspectos) sempre terá seu espaço. Por isso, eu digo: PUNK IS NOT DEAD.
Em sua opinião, como os grandes meios de comunicação encaram e abordam o punk atualmente?
Geralmente eles só costumam se interessar pelo assunto, se houver algum pano de fundo que alimente o IBOPE (e não sejamos ingênuos, isso não ocorre apenas como o punk). Mas eu não acredito que a massa que alimenta os grandes meios de comunicação esteja muito interessada no movimento (a não ser, é claro, que haja algum tipo de sensacionalismo envolvido)!
Até que ponto uma banda underground pode conquistar espaço no atual cenário musical brasileiro?
Olha, eu penso que qualquer banda é capaz de concretizar planos e conquistar público, pois sempre haverá espaço para realizações. Vejo várias bandas tipicamente undergrounds que lançam e vendem material físico, organizam eventos e realizam shows (tipo a Escarlatina Obsessiva, Gangue Morcego e População Zero – entre várias outras). Sempre haverá público e retorno. Porém, o underground é um tipo de som que está à margem da indústria e, naturalmente, terá pouca visibilidade nela (embora, por ventura, possa conseguir alguma coisa). Mas o importante é que existem mídias undergrounds por aí (e não são poucos) e a internet ajuda consideravelmente. Sempre haverá alguma forma de valorização e sempre haverá bandas qualificadas, tal como as que citei.
Em 2016, você ministrou uma palestra chamada “A Filosofia Por Trás do Movimento Punk”. Poderia comentar a respeito desse evento? Pretende palestrar novamente?
Foi uma das palestras mais interessantes que já dei – se não tiver sido a mais. Eu e o Casagrande (o outro palestrante) buscamos salientar alguns dos principais aspectos históricos do Punk Rock e destrinchá-los de maneira que pudessem ser relacionados com alguns aspectos da Filosofia. Por exemplo: a Filosofia se move pelo questionamento (talvez, inclusive, tenha mais compromisso com a indagação do que com a resposta) e o Punk é essencialmente traçado (entre outros fatores) pelo questionamento. Ambos também, ao meu ver, se relacionam com o espanto, com a insatisfação interior diante do convencional… E os dois também envolvem o senso crítico. E digamos até que há uma aura niilista em algumas circunstâncias do movimento.
Pretendo, quem sabe? É sempre prazeroso falar sobre o Punk Rock…ainda mais ao lado de um amigo!
Por que você sempre ressalta a importância da Siouxsie Sioux? Seria ela a mulher mais importante do Punk Rock?
Sim, ela foi a mulher mais expressiva, autêntica, corajosa e socrática do Punk Rock. Rompeu barreiras, demoliu paradigmas e se consolidou singularmente a partir de um enorme potencial criativo, sempre se moldando a partir de sua própria plenitude interior. Há outras mulheres maravilhosas envolvidas com o Punk Rock, mas a Sioux é especial. Ela parece ser uma pessoa inteligente!
E a Lydia Lunch e a Jessie Evans, com quem você esteve pessoalmente? Duas grandes mulheres, duas grandes artistas… Como foram os encontros?
Que desempenho! A Lydia é fantástica… Adorei conhecê-la pessoalmente, ela me recebeu muito bem e também tive a honra de conhecer o Bob Bert (baterista que atualmente toca com ela e com quem mantive contato). Esse cara… Se você quiser saber o que significa ter atitude punk, converse com esse cara. Que coração maravilhoso que ele tem!
Eu consegui interagir mais com a Jessie do que com a Lydia, pois tive mais tempo e uma oportunidade mais propícia. E o mais incrível é que, por coincidência, as duas já estiveram juntas. O que posso dizer? Bem, o cafezinho da Jessie é maravilhoso! (risos). Eu conversei sobre várias coisas com ela,tipo política, sonhos, alienígenas, livros, bandas e etc… achei a Jessie muito sábia e ela é uma artista magnífica na qual sempre vou me inspirar. Ela tem uma arte muito autêntica, espontânea e original – diferente de muitos robôs arquitetados pela máquina incansável da indústria cultural.
É legal poder conhecer esses músicos pessoalmente, são experiências capazes de agregar algo, sabe? Por isso considero que sejam oportunidades valiosas. É muito bom porque nos permite destruir aquela imagem de “ídolo” ou de uma pessoa que está distante, e nos possibilita algo precioso: o diálogo, troca de conhecimentos e de informação, reflexão mútua. O resultado do diálogo, ainda que seja negativo (você pode sair de lá detestando a pessoa), sempre será válido e melhor do que apenas ver imagens desses artistas sem contatá-los. Pois, já dizia Nietzsche, é preciso “demolir os ídolos”. Somente admirar alguém, costuma nos estagnar. É preciso dar um passo além, construir algo, não apenas copiar o que os outros fazem ou já fizeram. Detesto quando vejo meninas copiando a maquiagem da Siouxsie e tentando fazer exatamente o que a Siouxsie já fez. Veja bem, todos os grandes artistas fizeram algo a mais, se desprenderam das mesmices, derem um passo adiante e fugiram dos tradicionalismos!
E, por fim, como foi seu encontro com o Budgie?
Espetacular! Estive com ele em Londres, em outubro de 2015. Ele é muito gentil e divertido… Todas as conversas que tivemos sempre foram agradáveis. Eu acho o The Creatures bem melhor do que os Banshees (mais criativo, mais original, mais peculiar, mais envolvente, mais impactante, etc)! E eu disse isso olhando nos olhos dele! Foi bem legal…
Você sempre defende o Sex Pistols… Seria sua banda Punk favorita? De quais outras gosta?
Não sei se é a “favorita”, mas é a que mais me marcou e eles fizeram uma grande diferença na minha vida. Hoje em dia muitas pessoas confrontam o Estado através do Facebook, mas grande parte do que vemos é o tal do “mimimi”, ou seja, comentário superficial, sem fundamento, carente de argumentação e repleto de repetições. O Sex Pistols confrontou o poder de maneira direta, corajosa, objetiva e teve muitos problemas por causa disso.Foram proibidos de tocar em terras britânicas, né? A realeza deve odiá-los até hoje.
Gosto de alguma coisa dos Ramones, Iggy And The Stooges, Rihcard Hell, The Adicts, TSOEL, Wire, Dead Boys, Television, Dead Kennedys… Gosto de Protopunk também… Teríamos que dialogar sobre banda por banda para explorar detalhes! Há muito álbum legal que me marcou!
Dentre os livros que você já leu sobre o assunto, qual foi o melhor? Indica documentários e filmes?
Certamente foi o clássico “Mate-me, Por Favor”, que é muito completo e gostoso de ler. Mas há vários outros que são legais, tipo “O que é Punk”… Esse é excelente porque explora o início do movimento, tanto na Inglaterra, quanto nos EUA.
O melhor documentário que assisti foi o “Punk: Attitude”. Eu não me canso de rever, é excelente! Eu ganhei ele de Natal há uns dois anos atrás… Presentão! Bom… Há vários filmes legais sobre o assunto, mas um que me cativou foi “C.B.G.B – O Berço do Punk Rock”. Afinal, não dá para conhecer nem o superficial do movimento sem que se tenha explorado um mínimo das bandas e da história desse point underground. Outro filme bom é o “Blank Generation”, que narra a trajetória do lendário Richard Hell, o pioneiro (genialmente) maltrapilho e escrachado do Punk norte-americano. Tornou-se um capítulo a parte quando vibrou e enalteceu sua geração oca através do hino “Blank Generation” .
Para encerrar, o que dizer dos 41 anos do PUNK77?
Foi um ano muito especial para o música, surgiram grandes obras primas nesse ano e muitas bandas se consolidaram e entraram para a história do Rock And Roll. Era a aura do momento, o grande ano do movimento. Vida longa ao Punk Rock!!! PUNK IS NOT DEAAAAD. Ainda vive em nossos espíritos e atitudes (antes de se preocupar com o tamanho do seu moicano e com o modelo do seu coturno, lembre-se do espírito e da atitude que, muito certamente, valem mais do que suas vestimentas).
Para finalizar, um agradecimento especial da Juliana: “Gabriel Casagrande, por sua colaboração para esta entrevista, e pela agradável lembrança da palestra que realizamos juntos, através da qual nos esforçamos para valorizar o Punk Rock”.