Em 2014, quando escutei pela primeira vez o No Mythologies To Follow, debut-album da dinamarquesa MØ (nome que até então não sabia como pronunciar), fiquei por horas sem reação, mas com o álbum no repeat, pensando em quão espontâneo e singular era tudo aquilo.
Em aspectos técnicos, a exímia – diga-se de passagem – produção do álbum é creditada à Ronni Vindahl, produtor conterrâneo, e traz também a breve, porém valiosa aparição de Diplo na faixa ‘’XXX 88’’.
Enquanto artista autoral, MØ concebeu uma identidade lírica quase única, mesclando a sensação de despertencimento e rebeldia da juventude a um sentimento bucólico singularmente nórdico, tudo em tom nostálgico. Um dos melhores álbuns de estreia que já escutei!
Pouco tempo depois, com a extensão de seu contrato para a América do Norte, uma parceria com Iggy Azalea foi lançada: ‘’Beg For It’, escrita por Charli XCX, serviu como lead single do álbum Reclassified, lançado pela rapper australiana em 2014.
A música gerou frustração tanto em quem já conhecia MØ, quanto a quem conheceu através desta. Para os fãs era mais que notável a tentativa brusca de comercialização, além da sonoridade totalmente destoante a seu estilo. A música incomodava também por ser uma reciclagem descarada do smash ‘’Fancy’’, de Iggy e XCX. E como tragédia pouca é bobagem, a primeira apresentação da música, e consequentemente a estreia de MØ na TV americana, foi uma apresentação desconfortável e com problemas técnicos no líder de audiência, Saturday Night Live.
Já em 2015, graças a ‘’Lean On’’ – que dispensa comentários –, outros caminhos da música eletrônica foram apresentados a MØ, e desde então, constantemente variando seus parceiros, trabalhou em seu segundo álbum de estúdio.
Afetada pelas características de sua mais recente parceria, lançou a hiper–açucarada ‘’Kamikaze’’ – também produzida por Diplo – como primeiro single de seu segundo disco, e então a cancelou como lead single e adiou o lançamento do álbum para o próximo ano. Já em 2016, desta vez afetada pelos grandes festivais, lançou as românticas e upbeat ‘’Final Song’’ (prod.MNEK) e ‘’Drum’’ (prod.Bloodpop), e novamente adiou seu álbum, iniciando assim um desagradável ciclo de cancelamentos e adiamentos contínuos.
*O modelo de produção tropical-house/dance-pop que teve MØ como um de seus precursores, serviu como base para a produção dos recentes lançamentos de Lady Gaga; “The Cure”, “Why Did You Do That” e“Heal Me”.
Em 2017, lançou o EP When I Was Young, que conta com faixas escritas durante a produção de seu álbum de estreia. O projeto de 6 faixas e sonoridade synthpop soava bastante diferente de seus até então recentes lançamentos e, embora muito bom e sofisticado (!!!), trouxe a impressão que a artista atravessava uma longa crise de despersonalização e não fosse mais capaz de formar uma unidade coesa como um álbum, e por isso tantos lançamentos avulsos.
Para a minha surpresa (e alegria), eu estava muito errado! A produção de seu segundo e recém lançado álbum, Forever Neverland, traz o melhor de cada uma de suas transições; não disperso como em uma coletânea, mas em uma única essência.
A dinamarquesa amalgamou a descontração do tropical-house e a energia eufórica do electropop á suas fortes letras, marcadas desta vez pela valorização do efêmero e a nostalgia.
A primeira amostra do álbum, a veranil “Sun In Our Eyes”, faz parecer que todas as suas várias outras parcerias com Diplo foram rascunhos. Entre os outros grandes momentos do álbum estão as faixas “I Want You”, “Mercy”, “Beautiful Wreck”, “Red Wine”, “Imaginary Friend” e “Purple Like The Summer Rain”.
Em meio às constante reciclagens, superproduções sem alma e a obsessão por números no deserto criativo que a música se tornou, Forever Neverland é um oásis, um verdadeiro alento aos amantes da boa música pop.
Mesmo com toda pressão externa e inúmeros altos e baixos em seu percurso, MØ cumpriu o temido “desafio do segundo álbum” com folga, se reinventou a partir de todos seus mais distintos fragmentos e entregou um dos melhores álbuns de 2018.
Forever Neverland já está disponível em todas as plataformas digitais.