Muita gente sonha em ter uma banda, fazer shows, gravar um disco, ver seu clipe passando na televisão e ter sua música tocada no rádio..mas, na vida real, essas coisas podem ser bem difíceis de se conseguir. Não que tenha sido fácil e não que tenham alcançado a fama, mas, para a banda paulistana Agapantos, esses sonhos já se tornaram realidade.
O embrião da banda foi formado em 2012, mas só foram lançar seu primeiro disco, chamado Retrognóstico, no ano passado. E aí não pararam mais: de 2017 para cá, já tocaram em praticamente todos os bares de São Paulo e na Avenida Paulista, lançaram um clipe que passou na Play TV, apareceram em blogs e podcasts, fizeram camisetas e ganharam fãs. Neste final de semana, finalmente lançaram o primeiro disco em versão física, em CDs que serão distribuídos gratuitamente nos shows e a pedidos dos fãs.
O som da Agapantos tem muito dos anos 60 e 70 e um toque de psicodelia, mas não é totalmente vintage. Se mantém moderno e atual, com letras sempre em português muito bem escritas, rimas não óbvias, histórias que são hora malucas soando como uma viagem lisérgica, para em outros momentos serem facilmente identificáveis por qualquer um que já tenha passado por uma desilusão amorosa. A parte instrumental também é muito bem trabalhada, tendo como influências Cidadão Instigado, Boogarins, Arctic Monkeys, Beatles e Tame Impala. Atualmente, seguem na formação da Agapantos Fernando Mendes (baixo e vocal), Fernando Martines (guitarra e vocal), Giovanni Pilosio (guitarra e vocal) e Gustavo Popo (bateria).
Em uma mega entrevista especial para o Audiograma, os dois Fernandos contaram como foi todo esse processo, o que estão planejando para o futuro e ainda dão dicas sobre como chegar lá.
Bárbara Monteiro – Por que vocês demoraram tanto tempo pra começar a fazer shows?
Martines – Eu conheço o Mendes da faculdade e, desde 2010, 2011, existia uma empatia musical entre a gente. Em 2013 começamos a tocar juntos numa banda de jams, e aí sentimos a necessidade de fazer um projeto de canções, que é o que de fato nós amamos. Nesse ponto entra, pra mim, o motivo da demora em fazer shows e cair no mundão: a insegurança. Eu estava ainda muito cru, não me sentia preparado para tocar guitarra etc. O Mendes já era um grande músico, mas nunca tinha se aventurado no autoral. Então tinha o sentimento de que dar as caras seria passar vergonha. E a gente queria fazer um trabalho bom, que nos desse orgulho. Então teve essa enorme preparação para começar a fazer shows. E, claro, demorou ate achar uma formação estável, que tivesse ensaiado e enfim….tudo vai demorando mais do que você planeja.
Mendes – A banda começou a ser formada em 2012, com Boris (apelido de Carlos Senna, baixista da primeira formação “oficial”), Martines e eu nos juntando na casa do Boris para tocar. Montamos uma sala que carinhosamente chamamos de estúdio pra tirar alguns covers e desenferrujar todo mundo. Depois entramos num projeto de música instrumental chamado “No Face No Name”, onde nossas ideias ganharam corpo. Foi quando sentimos que era possível montar uma banda de verdade, com canções mais bem arranjadas, diferente do “freestyle” que era o projeto anterior. Demoramos bastante até arranjar um batera, o Popo, e até realmente finalizar os arranjos das músicas. Depois, o Boris acabou saindo, em 2014, quando a namorada dele engravidou, e aí atrasou um pouco a nossa estreia nos palcos. Providenciamos um baixista, Vitinho, que demorou pra chegar no ponto dos arranjos originais, mas acabou não dando certo. Chegamos a fazer um show até, mas ele acabou saindo também, isso em 2016, se não me engano. Ano passado o Giovanni entrou na guitarra, e eu acabei indo pro baixo, até que o Boris entrou de novo. No fim do ano conseguimos fazer as primeiras apresentações, mas o Boris acabou saindo novamente (risos). De qualquer forma, entre a demora para finalizar os arranjos e para conseguirmos ensaiar a banda com uma formação fixa, demorou todo esse tempo.
BM – O disco também demorou. Foram dois anos para ficar pronto, certo?
Martines – A demora na produção do disco está nesse contexto da insegurança também. Nós terminamos o instrumental em algo como três ou quatro meses. Sendo que a gente ia uma vez por semana no estúdio, não naquele processo clássico de gravar todos os dias. Mas, na hora de colocar as vozes, preferimos praticar bastante em casa cada uma das linhas e depois ir gravar, pois o vocal era pra gente o ponto mais sensível. Então ficávamos um ou dois meses praticando duas músicas exaustivamente e ai gravávamos e passávamos para as próximas. E aí foi virando a bola de neve do atraso. Mas saiu quando tinha que sair. O Mendes gravou o baixo de todas das músicas. As composições são minhas e do Mendes, algumas só dele, eu tenho uma sozinho. Mas um sempre ajudando o outro, foi um processo bem coletivo. O Boris ajudou com muitas ideias de arranjos, linhas de baixo, trechos de letras. Mas quando chegou a hora de entrar no estúdio ele já tinha saído da banda. Nós gravamos no Casa Azul, um estúdio em Perdizes. Mixamos com o Nico, do Garotas Suecas, e o Tutinha, do Mel Azul, no estúdio Freak. Foi uma onda, porque eu sou muito fã do Garotas Suecas. E masterizamos no El Rocha, que já masterizou O Terno, Criolo, uma galera muito foda. Achamos que seria impossivelmente caro, mas quando falamos com o pessoal do estúdio vimos que era infinitamente mais acessível do que pensávamos. Foi o Fernando Sanches, do CPM 22, que masterizou.
Mendes – O disco começou a ser gravado em 2015 e, em tempo gasto no estúdio, até que não foi tão demorado. Bateria e baixo ficaram prontas em menos de um mês, mas demos um intervalo para finalizar os arranjos de guitarra, que também foram gravados relativamente rápido. Daí acabou passando alguns meses até conseguirmos fazer as vozes como a gente queria, com bastante aberturas, overdubs e tudo mais. De junho de 2015 acho que acabamos conseguindo terminar apenas no final do ano seguinte. Daí as gravações saíram da nossa mão e foram pro estúdio Freak, pra mixagem, que durou uns 2 ou 3 meses com eles fazendo versões, mandando pra gente, a gente devolvia com comentários, reparos, e foi nessa até ficar como a gente queria. Daí a master foi super rápido, que é um processo mais técnico mesmo. A gente compôs as músicas bastante na antiga casa do Boris (pelo menos o embrião de todas elas começou ali) e a gente ia gravando no meu PC, que tem uma interface e um software de produção de áudio. Isso em 2013. Daí houve algumas viagens para Peruíbe, onde a gente conseguiu passar mais tempo imerso nas ideias. Algumas músicas, como “Chico”, já tinham a estrutura definida desde cedo, com letra inclusive. “Canto Nenhum” e “Andei Pensando” também tiveram seu arranjo pronto relativamente cedo no projeto, em 2013 ainda. “Quem Diria”, “Mar Morto” e “Sigo Acordado” ficaram de escanteio um pouco, mas também acabaram resolvendo rápido, com letra e tudo mais. Mas eu diria que elas se concretizaram realmente num momento posterior da banda. Nossa primeira demo, totalmente caseira, tinha só “Chico”, “Canto Nenhum” e “Andei Pensando”. Quando já estava a estrutura da música pronta, com baixo e bateria, ainda faltavam alguns detalhes das guitarras. Foi quando eu e o Vinhedo (apelido de Fernando Martines) fomos novamente para Peruíbe passar uma semana pra poder terminar o trabalho. Alguns trechos de letra foram compostos integralmente por mim, outros integralmente pelo Vinhedo e o resto foi feito em conjunto, com o Boris inclusive. O Boris não gravou o baixo no disco, mas ele compôs as linhas da maioria das músicas. Eu ajudei em alguns pontos, mas ele trouxe sempre as ideias quase prontas. “Antes do Sol”, “Mar Morto” e “Quem Diria”, creio eu, foram as únicas que ele não participou do arranjo de baixo.
BM – Qual foi a influência de Peruíbe?
Martines – Em 2014 nós gravamos uma demo lá, com 4 músicas, com o Mendes fazendo a bateria. Essa demo era pra sair entregando na mão de músicos pra arranjar um baterista. Aí eventualmente essa demo foi parar na mão do Gustavo e ele virou nosso baterista. Já viajamos uma vez, com outra formação, para ficar tocando lá. Estamos tentando armar uma próxima, um PeruíbeStock, para desespero da vizinhança! Agapantos é nome da rua onde fica a casa de praia do Mendes, por isso o nome da banda. Agapantos é o nome de uma flor bem comum no Brasil.
Mendes – Em Peruíbe foi onde montamos nosso estúdio particular, com disponibilidade de tempo pra fazer vários experimentos. Na primeira vez que fomos, conseguimos fazer essa primeira demo num processo muito doido. De dia eu tocava bateria com Boris e Vinhedo no baixo e guitarra, pra gente sentir como que estava a cara da música. Aí rolava uma gravação de bateria guia. À noite, quando não podia fazer barulho, a gente usava pra gravar o baixo, que aí podia ligar em linha, então dava pra controlar o volume. Mas esse processo durava a madrugada toda, com a linha de baixo bruta sendo lapidada. No outro dia, a gente partia pra próxima música ou regravava a bateria pra fazer uma versão mais bem acabada da música que tinha sido produzida. Depois gravamos guitarras e vozes. Pouquíssima coisa, talvez até coisa nenhuma, foi alterada em “Chico”, “Andei Pensando” e “Canto Nenhum” em relação ao que foi gravado no fim de 2013. A rua da minha casa chama Agapantos, que é uma flor violeta, sei lá eu, muito bonita por sinal. Por acaso estamos combinando uma nova ida pra lá, pra dar corpo a umas ideias novas que estamos tendo. A sensação de liberdade, distância da vida aqui em São Paulo, fora o lazer e a tranquilidade de poder dar um intervalo no trabalho e cair no mar é um dos meios mais bacanas de trabalhar. A nossa referência pra isso sempre foi o Exile on Main Street, disco dos Rolling Stones que eles se enfurnaram numa mansão na França pra compor – e que é um dos melhores discos deles. Cada um com suas possibilidades, né (risos).
BM – Vocês têm novidades chegando?
Martines – Vamos entregar o disco físico de graça nos shows. Vamos tentar armar um show de lançamento legal. Para esse segundo semestre, ainda estamos no plano de fazer um clipe e gravar uma live de estúdio.
BM – Como foi fazer o clipe para “Antes do Sol”? E como foi ver seu clipe passando na televisão?
Martines – Foi demais fazer o clipe! Mas a gente não fez nada, na real, né (risos)? Eu vi o trabalho que esse coletivo de audiovisual chamado Nave Mãe fez para o Garotas Suecas, só a partir de fotos. Fiquei impressionado com o quão bom ficou e pensei “deve ter sido barato, usou só fotos”. Porque precisávamos da famosa alternativa boa e barata. Daí marcamos uma reunião e eu dei algumas referências e ideias. Mas eles fizeram tudo dentro da estética que eles trabalham e ficou incrível. Ver na televisão foi uma grande brisa! Eu estava na casa dos meus pais e eles ficaram impressionados. Meu pai perguntou: “é você tocando?” (risos).
BM – Vocês também já tocaram em algumas rádios online. Como se sentiram com isso?
Martines – É sempre bom, né. Uma delas achou nosso som de forma aleatória e colocou na grade. Gostaria que tocasse na Antena Um, que eu sempre ouvia no carro com meus pais.
BM – Vocês já fizeram muitos shows por toda a cidade de São Paulo. Dá uma dica pras bandas que estão começando!
Martines – A coisa dos shows tem rolado porque, antes de ter a banda, eu frequentava muito os shows de rock alternativo em casas menores, no underground de São Paulo. E sempre fico atento nas redes sociais onde as bandas tão tocando, anoto o nome da casa e tal. Aí, quando a nossa banda começou a rolar, eu entrei em contato com essas casas e algumas abriram as portas, outras não. E depois você conhece alguém de uma banda, que te chama pra um show, e aí vai fazendo a engrenagem rodar. Minha dica é ter um single bem feito, uma página no face, uma foto bacana e meter a cara: mandar inbox, e-mail, ir no lugar e pedir pra tocar mesmo. Nosso pior show foi num lugar que tava lotado pra ver uma banda e a gente tocou depois deles. Aí passamos o som com a casa lotada e tocamos pra valer para apenas 5 pessoas. Foi o maior balde de água fria da minha vida. O melhor foi na Avenida Paulista, no projeto Rock In Rua. Foi incrível a sensação, o ambiente, o público.
BM – Como está a atual formação da banda e no que vocês andam trabalhando?
Martines – Atualmente sou eu na voz e guitarra, Mendes na voz e baixo, Giovanni Pilosio na voz e guitarra e Gustavo Popo na bateria. Vai ter clipe novo, pelo menos é o plano. E música nova tem várias ideias aí, mas ainda não paramos para trabalhar nelas. Isso vai começar a rolar em breve.
BM – O que influencia as músicas de vocês? Quais são as referências e inspirações? As letras são suas e do Mendes? Tem algum significado por trás delas?
Martines – A gente faz a música e coloca uma melodia por cima, cantando “lalala”. Aí, dentro dessa métrica, vamos construindo os versos. Muitas vezes é aleatório, mas depois que sai o primeiro começamos a seguir uma linha a partir desse primeiro verso. Tipo, em “Antes do Sol”, o Mendes cantarolou “Aonde você está, lalalala pra trás” e aí construímos tudo em cima disso. Já em “Canto Nenhum” eu falo sobre uma pia, porque na casa de um ex-cunhado meu tinha uma pia gigantesca. Alguém poderia morar ali. Então nessa a referência era algo específico, mas em geral não.
Mendes – As músicas são influenciadas muito pelo momento específico em que a gente está vivendo. Pelo menos é assim pra mim. Em “Chico”, eu ouvi uns discos numa das nossas vitroladas entre amigos. Uma música da Dorothy Ashby me marcou demais e eu acabei começando um riff a partir dela. A letra veio na cabeça sem muito critério e na hora achamos que eram versos legais. Depois eu acabo até citando o Francisco, que é nosso amigo dono desse disco e um entusiasta do vinil. Então tem isso. “Quem Diria” narra um momento exato da minha vida onde conheci uma ex-namorada, e eu era super bicho do mato na época, não tinha muita coragem de ir falar com as meninas. Mas naquele momento eu tive, então a música acabou surgindo na empolgação de um namoro novo e tal. Depois ela me deu um pé na bunda e eu escrevi “Mar Morto” (risos). Mas às vezes não tem muito isso de uma relação direta com a vida pessoal, aí são pensamentos que surgem mais naturalmente. Depende muito do momento em que você senta a bunda na cadeira com o violão pra começar a compor. Pode sair uma música falando de amor, ou pode sair uma música falando do campeonato brasileiro.
BM – Tem algum motivo pras músicas serem todas em português? Isso é proposital?
Martines – É proposital, sim. As bandas que a gente gosta aqui do Brasil cantam em português, e acho que cria mais conexão com as pessoas. Pra mim tem mais sentido cantar em português.
Mendes – Eu acho que uma banda nacional, especialmente dentro do rock, deve se desafiar a escrever em português. Há muito preconceito com música brasileira e os chamados roqueiros só querem saber de música feita há 40 anos nos EUA e Inglaterra. Claro que essa foi a fase de ouro do rock, tanto que nós mesmos miramos em Beatles, Stones, Led Zeppelin pra fazer nossas músicas e é isso que eu escutava até furar o disco, quando era pequeno. Então não é questão de renegar esses caras, mas quando a gente ouve um Lô Borges, Mutantes ou Belchior, não tem como não se apaixonar pela ideia de comunicar nossa mensagem em português, até porque o alcance é muito maior. Eu, particularmente, acho que é um pouco trapaça escrever em inglês, porque você escreve algo que dificilmente tem o peso que um americano daria pra essas palavras. Então você pode escrever “qualquer coisa”, que o que importa é a fonética, a métrica e a forma que se encaixa no instrumental ,que já é mais dado ao vocabulário em inglês. Mas pra mim fica a ideia de que vale muito mais conseguir encaixar um “eu te amo” na letra sem parecer clichê. E a poesia em português, uma letra bem colocada, consegue encantar muito mais o público. Acho que eles se conectam mais quando entendem direitinho o que estão cantando.
BM – Quais são as músicas que vcs mais gostam desse primeiro disco e por quê?
Martines – A que eu mais gosto é “Antes do Sol”, pelo groove que a banda tem ali, de baixo, bateria, com o riff de guitarra. Gosto de todas, mas destacaria essa.
Mendes – Se eu tivesse que escolher uma música do primeiro disco, acho que seria “Andei Pensando”. Ela comunica mais o que é a nossa intenção como banda. Uma letra que eu acho bonita, com nosso rock de bastante variação do clima, pegada e tal. E “Mar Morto” ficou uma música bem amarradinha também, eu citaria essas duas.
BM – Por que Antes do Sol foi esclhida pro primeiro clipe?
Martines – Eu achei que ela é a mais impressionante, a que mais tem chance de fazer as pessoas pensarem “que banda foda!” e quererem saber mais de nós. Daí eu fiz a cabeça dos caras da banda pra essa ser a escolhida (risos).
Todas as fotos por Gabriel Potter