Existem várias formas de observar uma banda durante a sua carreira. Particularmente gosto de analisá-las como um organismo vivo. Sentimentos como amor, ódio, tranquilidade, vitalidade e tesão, além das influências externas, claro, são elementos perceptíveis nas expressões e na evolução desses organismos e a música, por sua vez, é a voz que e fica encarregada de traduzir todos esses sentimentos.
Olhado por esse prisma, o Arctic Monkeys parece ter percorrido um longo caminho desde o lançamento de seu primeiro disco, em 2006. Uma trajetória de autoconhecimento, de amadurecimento, repleta de boas referências e, mais do que qualquer outro colega de gênero, a ponto de parecer irreconhecível depois desses anos.
Se isso já era escancarado no visual dos integrantes – que parece ter saído de um filme da nouvelle vague –, o amadurecimento musical é ainda mais impressionante. Os cinco anos desde o trabalho anterior não foram mera coincidência. O novo álbum é audacioso e carinhoso, extremamente bem composto e bem executado.
Não há quase nada do “power indie de festival” do disco AM (2013) em Tranquility Base Hotel & Casino (2018). O disco é muito mais harmonioso e intimista do que qualquer outro trabalho da banda, sobretudo pela consistência e pela forma linear como fluem as 11 faixas. As influências combinadas são percebidas no som e as músicas são melodicamente muito mais ricas e menos preocupadas com versos e refrões.
Acredito que seja difícil pra alguns fãs assimilarem uma mudança tão brusca. Aos mais reticentes apenas recomendo que ouçam a playlist das referências utilizadas na construção do trabalho – disponível em nosso perfil no Spotify sob o título Arctic Monkeys: as influências de Tranquility Base Hotel & Casino. Além da parte que nos toca, com “Aos Barões”, do mineiro Lô Borges, a lista é repleta de artistas fundamentais da música e é um verdadeiro passeio por estilos.
Nomes como Nina Simone, Rolling Stones e Joe Cocker chamam atenção logo de cara. Mas as influências vão muito além, passeando de maneira ousada, porém natural, por clássicos franceses e italianos, além de muito folk e psicodelia. Tranquility Base Hotel & Casino soa leve e intimista, com a uma pegada sensual e provocante em alguns momentos.
“Star Treatment” abre o disco de maneira elegante com a badalada frase “I just wanted to be one of The Strokes. Now look at the mess you made me make”. O ritmo remete a um fim de noite, em um bar de luz baixa e casa perfeitamente com o vocal quase despretensioso que, aliás, é abusado por Alex Turner no decorrer do disco. “One Point Perspective” consegue prender a atenção, com destaque para a bateria e o piano retos que harmonizam perfeitamente com a maravilhosa linha de baixo que conduz a música.
Não bastassem os arranjos sofisticados, o inteligente Turner quis ir além a cada verso de suas letras. Começando pelo nome do disco, Tranquility Base faz parte da famosa frase dita por Neil Armstrong no momento em pousou na Lua, em 1969. “I want to make a simple point about peace and love / But in a sexy way where it’s not obvious / Highlight dangers and send out hidden messages / The way some science fiction does”. Se Alex realmente quis criar uma espécie de “ficção científica” não sabemos, o fato é que, com todas as metáforas e analogias, muitas vezes nos afastam de uma interpretação exata das letras.
Além de tudo isso, o disco aborda problemas sociais, econômicos, pessoais e amorosos e, como em toda boa obra, os detalhes podem esconder uma mensagem intensa e histórias bem humanas cabendo ao ouvinte se conectar e dar o seu próprio significado. O disco, que não apresenta nenhum single radiofônico, segue com a mesma consistência das faixas iniciais, com baldadas sofisticadas e canções bem desenvolvidas com destaque para a charmosa “Four Out Of Five” e a melancólica “Batphone”.
Se de fato você busca por algo agitado e dançante, Tranquility Base Hotel & Casino não é a melhor opção. O disco é bem soft, com um aspecto soturno, mais adequado para um momento reservado ou até mesmo de requinte. Harmoniza com um bom scotch.
Arctic Monkeys – Tranquility Base Hotel & Casino
Lançamento: 11 de maio de 2018
Gravadora: Domino Records
Gênero: Alternative/Indie
Produção: James Ford e Alex Turner
Faixas:
01. Star Treatment
02. One Point Perspective
03. American Sports
04. Tranquility Base Hotel & Casino
05. Golden Trunks
06. Four Out of Five
07. The World’s First Ever Monster Truck Front Flip
08. Science Fiction
09. She Looks Like Fun
10. Batphone
11. The Ultracheese