Ainda falando sobre a mesma garota que me fez gostar de Incubus e lembrar dela sempre que escuto “Drive”, recentemente recordei de um momento em que o clássico “Sonífera Ilha”, do Titãs, me rendeu um beijo inesquecível daqueles que nos fazem arrepiar.
Em 2002 embarquei na minha 1ª viagem de avião ao som de “Blurry”, do Puddle of Mudd, e fui parar em Natal, no Rio Grande do Norte, para tentar descobrir se esse tal de amor era mesmo real. É engraçado notar que todas as viagens que fiz na vida foram motivadas por música ou romances à distância.
Com meus 16 anos de idade e com apenas um único beijo de língua de experiência (acontecido quatro anos antes – sim, eu só beijava durante ano de Copa do Mundo!!!), viajei com a minha família porque queria beijar na boca. Vale dizer que meu visual franzino com um corte de cabelo padawan (com direito a uma trancinha gigante atrás da orelha direita e um rabo de cavalo que parecia o rabo de um porquinho) não ajudava nada.
Felizmente existia internet e relacionamentos à distância. Eu só precisava ser eu mesmo e não estragar tudo. Mal sabia que uma combinação de fatores quase destruiu a minha viagem.
Eu não falei com a Renata (vamos chamá-la assim) que iria viajar. É um péssimo hábito que tenho até hoje. Sei lá. Acho que surpresas são legais. Cheguei e liguei pra ela dizendo: “Adivinha quem está na sua cidade?”, e então descubro que ela estava com uma viagem marcada para aquela mesma semana. Cuidei de apressar o nosso encontro, enquanto ela reclamava que eu deveria ter avisado antes e não podia dar certeza.
Acabou que deu tudo certo e ela conseguiu ficar mais alguns dias (três, para ser exato) para a gente se encontrar no shopping.
Lembro do frio na barriga e as mãos suando enquanto eu esperava pelo 1º encontro. Eu não tinha celular na época e tudo foi combinado por telefone mesmo. Fiquei plantado na frente da entrada principal por algo que pareceu uma eternidade até que ouvi a voz familiar dizendo: “Mas o seu cabelo é esquisito mesmo, né?”
Um encontro que começa assim ou tem tudo para ser o melhor da sua vida ou o pior.
Trocamos um breve abraço e seguimos para dentro do shopping. O desespero tomou conta. Não apenas era a primeira vez que eu encontrava a minha “namorada”, como era o meu primeiro encontro com uma garota. E ela era linda pra caralho. Rapidamente notei que não tinha a menor ideia de como agir ou o que falar. Para você ter uma ideia, enquanto a gente passeava, eu soltei a brilhante pérola digna de um bicho grilo que nunca visitou um shopping na vida: “Nossa! Quantas lojas!”.
“Nossa! Quantas lojas!”, num shopping.
Renata deve ter feito um esforço enorme para não inventar uma dor de barriga súbita e cair fora daquela cilada. Somente no final do encontro que a gente – finalmente – se beijou. Fui embora me achando um idiota por ter demorado tanto tempo, mas ainda sem saber o quanto aquela noite tinha sido um fiasco. Mas como posso me culpar? Eu era praticamente um BV que tinha acabado de beijar a namorada pela primeira vez.
No dia seguinte descobri a merda que havia feito quando Renata disse que não queria encontrar. Senti aquele mesmo frio na barriga, mas desta vez significava algo ruim. Tive que fazer chantagem emocional (“viajei de BH até aqui só para te ver”) até que ela mudou de ideia. O segundo encontro, basicamente, não teve conversa. A gente apenas salivou no estacionamento. Aqueles beijos deliciosos de quem beija sem preguiça ou desafia o cansaço da língua. Adolescentes beijam com mais empolgação que adultos. Não significa qualidade, claro, mas o entusiasmo é notável.
Após o encontro, tive a certeza de que mandava bem pra caralho e que tinha deixado de ser uma criança. Voltei pra casa e dormi como um anjo, apesar do desconforto rígido que dominava a minha virilha e parecia que não acabaria nunca.
Já no terceiro (e último) encontro, eu nem de longe me sentia como o menino assustado do 1º dia ou o desentupidor de garganta frenético da segunda noite. Eu sentia coisas inéditas, como um senso de responsabilidade enorme que me fez considerar em mudar de cidade para trabalhar e morar com a Rê. E eu nem tinha ficado pelado com a garota!
Ela pediu para a gente não ir pro estacionamento desta vez e ficar dentro do shopping. A gente conseguiu conversar de verdade pela 1ª vez e foi então que aconteceu. A gente estava numa praça de alimentação e tinha alguém cantando “Sonífera Ilha”. Tomado por uma inspiração súbita (ou possuído pelo espírito cafona de um canceriano apaixonado), comecei a sussurrar os versos do refrão olhando nos olhos dela e fui (deliciosamente) interrompido após “sossega a minha boca”…
Graças ao Titãs tive um dos beijos mais inesquecíveis da minha vida. Aprendi que o momento certo é o momento que tomamos atitudes. Existia clima, existia atração e existiu a oportunidade de tornar algo simples em algo memorável. Talvez ela nem pense ou lembre que isso aconteceu (ou talvez ela tenha certeza que nunca viveu algo tão brega), mas naquela hora foi surreal o suficiente para eu dizer tantos anos depois que “essa me lembra você”, Rê.
O romance acabou meses depois porque ela percebeu antes de mim que a vida era curta demais para relacionamentos à distância.