É impossível falar de Silva sem um tom nostálgico. No final de 2011 me apresentavam um cantor que fazia um som simples, porém sincero e principalmente, original. Eu andava meio desanimado com a cena indie nacional e esse som apareceu como um presente. O single era “A Visita”, música que mais chamava atenção na trilha sonora do filme Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida, e o cantor era tal Silva. Tratei logo de vasculhar a internet até encontrar o seu EP, pra daí não parar mais de ouvir. A originalidade do EP de 5 faixas rendeu a Lúcio da Silva Souza um contrato com um dos braços da Som Livre, o selo SLAP, contrato que gerou o aclamado Claridão (2012). Sintético e com um beat bem característico, Silva utilizava uma fina linha eletrônica para provocar até os ouvidos mais desatentos. Discreto e melancólico, Claridão é um excelente disco para um mergulho interno ou um momento de reflexão.
Como todo artista criativo, Silva deixou de lado o conservadorismo, em relação ao próprio estilo, para buscar outras facetas em seus trabalhos seguintes. Vista Pro Mar (2014) nem de longe é tão genial quanto o disco anterior, mas mantém as particularidades que revelaram Silva para o mundo. Arranjos mais elaborados, letras e beat mais “alegres”, além de algumas faixas de apelo pop que já davam mostra de onde Silva pretendia chegar. Foi um trabalho feito na “Flórida com dias ensolarados, numa piscina, de férias, vendo gente bonita, ouvindo Poolside, João Donato, Cashmere Cat e Frank Ocean”, de acordo com o próprio artista. E dá pra sentir isso, é realmente um bom disco pra uma bonita tarde ensolarada.
O choque é inevitável ao ouvir Júpiter (2015), terceiro disco do capixaba. Em um trabalho menos marcante, o cantor deixa de lado seu fiel escudeiro: O sintetizador, que quase não aparece. Os instrumentos de corda também pouco são explorados, tornando nítida a tentativa de explorar um Silva mais “vocal” o que, cá pra nós, nunca foi a qualidade de maior destaque no artista. As letras também são bem diferentes daquelas presentes nos trabalhos anteriores. Um conceito pop romântico permeia as composições, faceta que Silva ainda não havia apresentado. A impressão é que estamos em contato com um disco que vaga entre o R&B e o Trip Hop com letras pouco inspiradas e nada impactantes.
A gradativa mudança de estilo do músico culminou em um projeto inusitado. Em Setembro de 2015, Silva iniciava uma grande homenagem a cantora Marisa Monte. Em alguns shows no SESC Vila Mariana, ele mostrava sua admiração interpretando algumas canções como “Beija Eu” e “Não É Fácil”, marcantes no lado pop da compositora carioca. O projeto cresceu e se transformou no disco mais recente do músico. Em Silva canta Marisa (2016), trabalho lançado em Novembro ainda pelo selo SLAP, Silva mergulha de vez pop, tornando quase imperceptível qualquer marca do intérprete de “Cansei” e “Acidental”. Em versões claramente radiofônicas o disco é composto de 12 faixas encantadoramente comuns.
Batidas simples e pouco sintetizadas marcam a base de canções renomadas como “Ainda Lembro”, “Eu sei”, “Infinito Particular” e “Não é fácil”, tornando-as ainda mais melosas quando combinadas com a interpretação minimalista, quase “pé de ouvido”, dada por Silva. “Noturna (nada de novo na noite)” tem participação especial da própria Marisa Monte, que veio a se tornar parceira e amiga do capixaba. O bonito arranjo de piano e violino consegue quebrar a levada pop/R&B em que o disco é conduzido e, combinado com o dueto de sussurros, nos leva direto a um bar, num fim de noite qualquer. Sensação que se arrasta pelo jazz empobrecido de “Pecado é lhe Deixar de molho”.
O restante do disco segue mais do mesmo. “O Bonde do Dom” e “Não vá embora” que têm uma proposta menos pegajosa, se tornaram sonolentas, em contrapartida. A batida reggae/ragga de “Verdade, Uma ilusão”, a simpática pegada de “Tema de Amor” e a derradeira “Na estrada”, encerram o quarto disco do músico. O ponto positivo da obra acaba sendo o jeito romântico e minimalista com o qual Silva conduz o disco. As batidas singelas e econômicas dão um ar doce, sensual e às vezes até antiquado às canções de Marisa, anulando qualquer possível melancolia presente nas faixas originais. No entanto, o forte cunho comercial do álbum nos afasta totalmente do inovador Silva que encantava em outrora.
SILVA – Silva Canta Marisa
Lançamento: 18 de novembro de 2016
Gravadora: SLAP
Gênero: MPB
Produção: SILVA e Rodolfo Simor
01. Ainda Lembro
02. Eu Sei (Na Mira)
03. Infinito Particular
04. Não É Fácil
05. Noturna (Nada De Novo Na Noite) (part. Marisa Monte)
06. Pecado É Lhe Deixar de Molho
07. Beija Eu
08. O Bonde do Dom
09. Não Vá Embora
10. Verdade, uma Ilusão
11. Tema de Amor
12. Na Estrada