Olá, eu sou a Priscila e viajo para festivais de música. Eu não estou sozinha nessa loucura e faço isso junto com a Gracielle, com quem criei o Festivalando, um blog de viagens e turismo musical que fala desse universo a partir das nossas experiências e lições rodando o mundo.
Uma das coisas que aprendi viajando para festivais é que é preciso ser flexível. Existem os festivais super cobiçados e que justamente por assim o serem nem sempre estão ao seu alcance porque são caríssimos, porque os ingressos já se evaporaram há séculos, porque as datas não se encaixam na sua agenda. E existem todos os outros festivais do mundo, na casa dos milhares, com formatos, propostas e experiências fantásticas, e que só estão esperando você dar uma chance a eles.
Nas minhas viagens, muitas vezes por razões de logística ou de orçamento, incluí nos meus roteiros festivais que jamais tinha cogitado ir ou outros que desejava conhecer, mas que passam longe da preferência da maioria. Não me arrependi. Pelo contrário, alguns deles acabaram entrando para o hall da fama das minhas melhores memórias musicais e de viagem. Separei cinco deles e explico porque foi tão bom sair do óbvio.
Roskilde Festival (Roskilde, Dinamarca)
Foi quando eu coloquei meus pés dentro do Roskilde que tive, pela primeira vez, a sensação de estar num festival de verdade. Não que as experiências anteriores não tenham sido válidas, mas foi lá que finalmente senti o ~espírito dos festivais~ tocar em mim. Ok, isso ficou meio místico, mas a experiência mexeu tanto comigo que não sei dizer de outra forma.
Roskilde é um festival autêntico, um dos pouquíssimos remanescentes da primeira onda de grandes festivais. É realizado desde 1971 e segue sendo um dos maiores festivais do mundo. Como poucos, ele conserva de uma forma lindamente genuína os aspectos de um grande festival. São oito dias de evento, mas só nos quatro últimos acontecem os shows. Nos quatro primeiros, a única atividade é o camping e o público comparece em peso desde o início, pelo simples fato de que todos querem estar ali pra se desligarem do mundo lá fora. É uma grande colônia de férias com quadras, lago natural e festas sem fim. Acho que entrega e espontaneidade são duas palavras ótimas para definir o que acontece lá dentro.
O espírito hippie que orientou os criadores do festival ainda está lá, em alguma medida. Só há um único patrocinador e a logomarca do mesmo só é vista no próprio produto (uma cerveja). Nada é pré-fabricado para parecer cool. O festival é sem fins lucrativos e o saldo das contas é doado para instituições beneficentes.
O lineup? Um dos melhores, todos os anos. No em que fui, tocaram Rolling Stones, Arctic Monkeys, Jack White, Stevie Wonder, Damon Albarn, Major Lazer, Kasabian. Eles ainda conseguem achar espaço para heavy metal, uma tenda eletrônica e ainda incluir artistas fora do eixo EUA/Reino Unido (Emicida e Tropkillaz estiveram por lá, por exemplo).
Mesmo com todos esses predicados, Roskilde mantém a proeza de ficar fora dos holofotes internacionais quando chega a temporada de festivais, sem causar a mesma comoção e histeria provocada por outros gigantes, como o Coachella e o Glastonbury.
Montreux Jazz Festival (Montreux, Suíça)
O festival de Montreux talvez não seja a primeira opção de quem pensa em se jogar num festival no exterior. De fato, o jazz no nome e a aura tradicionalista que o festival carrega afastam quem não o conhece a fundo. Os moldes de Montreux também são muito diferentes do que entendemos hoje por festival. Não é um evento open air com bandas tocando sucessivamente para multidões.
Mas a verdade é que Montreux é um dos melhores festivais que você pode conhecer. Primeiro, porque o festival desde sempre abarcou todo tipo de música (by the way, “Smoke on the Water”, do Deep Purple, que já tocou em Montreux, é inspirada em um incêndio que aconteceu durante um show de Frank Zappa no festival). No ano em que fui, vi Herbie Hancock, Wayne Shorter e Damon Albarn. Ainda tocaram Pharrell Williams, MGMT, Metronomy, Robert Plant, Morcheeba, Outkast. Esses shows acontecem no auditório Stravinski, local de acústica perfeita, com ingressos individuais (ou você pode ver todos com um passaporte caríssimo).
Segundo, porque Montreux tem uma programação gratuita imensa. Claro que ela não inclui os nomes mais famosos como esses aí de cima, mas vale a pena de qualquer forma. São vários ambientes com shows de graça o dia inteiro: no parque, jazz; em um bar, música latina; em um clube, rock; em outro, música eletrônica.
Terceiro, porque tudo isso acontece tendo como cenário uma das mais belas paisagens da Europa – a riviera Suíça, com o azulão do lago Léman e os famosos alpes suíços, em pleno verão. Montreux é, ainda, uma ótima alternativa para quem tem preguiça daquela bagunça de festival (multidão, filas, banheiros químicos). O festival é praticamente um grande lounge relaxante ao ar livre.
Brutal Assault (Hradec Králové, República Tcheca)
Existem os grandes festivais de metal, como o Wacken (Alemanha) e o Hellfest (França), com lineups estreladíssimos e ingressos que evaporam em segundos, e existe o Brutal Assault. Um lineup mais modesto se comparado ao dos coleguinhas gigantes, mas uma experiência única, ótima estrutura e organização e um custo super camarada (saímos da Escandinávia e do altíssimo padrão suíço e chegamos, enfim, no Leste Europeu).
O Brutal (como eu o chamo carinhosamente desde que o conheci) acontece no forte Josevof, uma construção militar do século XVIII erguida para proteger a então região da Boêmia das invasões da Prússia. No caminho entre um palco e outro você se depara com as muralhas do forte e pode entrar em algumas das estruturas, já que muitas atividades acontecem dentro dos labirintos do forte. Isso inclui as sessões de meet and greet, a exibição gratuita de filmes de terror num cinema quase non-stop e alguns bares, como um especializado em chás (sim, chás num festival de metal). Ovelhinhas fofas no topo das estruturas do forte completam a paisagem.
Lollapalooza Chile (Santiago, Chile)
Se você acha que festivais com o mesmo nome são iguais, assim como são os sanduíches de uma cadeia de fast food que seguem a mesma receita, e se acha também que já zerou o Lollapalooza Brasil, precisa ir no Lollapalooza Chile para conferir a festa dos vizinhos. O lineup é, sim, basicamente o mesmo daqui, com exceção das bandas locais (obviamente) e de uma ou outra banda gringa, mas a experiência é outra.
O Lolla Chile se estende por uma área ampla dentro do Parque O’Higgins, mas não chega a ser exaustivo. O acesso é facílimo e rápido, pois o parque fica em um dos pontos mais centrais de Santiago. Tem água de graça, uma área muito digna para o Kidzpalooza, chegando a ser praticamente um festival dentro do festival e seis palcos. Um deles fica instalado em uma arena coberta que recebe shows em outras épocas do ano e é um dos melhores ambientes do festival. É uma panela de pressão. Os shows do Major Lazer e do Cypress Hill que vi lá dentro foram uma das coisas mais insanas (no bom sentido) que presenciei durante o festival.
A estrutura é acima da média do que se vê por aqui na vizinhança e reflete, em partes, o que se vê também nas ruas de Santiago. Não deve ser por acaso que o Chile foi a primeira parada do Lollapalooza fora dos Estados Unidos.
Estereo Picnic (Bogotá, Colômbia)
O Estereo Picnic acontece na mesma época dos Lollas latinos e, portanto, aproveita exatamente o mesmo lineup. Mas a atmosfera é bem diferente. O festival se prolonga por três dias e no lugar do calor e do céu azul entram o frio e a noite – Bogotá está acima do Equador, o que significa que é inverno lá em março.
Visualmente, é um festival impecável graças à natureza e aos organizadores. O Parque Deportivo 222, onde acontece o Estereo Picnic, fica na Savana de Bogotá, uma sub-região do altiplano mais extenso dos Andes colombianos. As montanhas fazem parte da vista do festival. A decoração é algo entre o surreal e o hipster, com piscinas de bolinhas e cadeiras em estilo vintage aleatoriamente espalhadas pelos arredores dos palcos.
É um festival de porte médio, no qual é possível aproveitar um pouco de cada atração sem se estressar, e também um dos principais festivais da Colômbia hoje.
Quer mais festival? Dá uma passadinha lá no Festivalando.