Já faz mais de 20 anos desde que os Mamonas Assassinas nos deixaram órfãos da alegria. A trajetória meteórica dos cinco amigos de Guarulhos cativou crianças, adolescentes e adultos, que tinham a certeza de que não existia nada igual aquilo e que era um momento único da música brasileira. Óbvio que não dá para atribuir aos Mamonas a mesma relevância do Secos e Molhados, Mutantes, Novos Baianos, Titãs, Paralamas do Sucesso ou Sepultura, mas é um erro não perceber que existia muito mais neles além da irreverência.
O espetáculo O Musical Mamonas fala exatamente sobre esse legado e com um roteiro tão escrachado quanto a carreira de Dinho e cia, funciona muito bem para divertir e informar seu público. Em pouco mais de duas horas e meia, o musical mostra o começo deles tocando em comícios no interior de São Paulo até o acaso que os colocou no caminho do sucesso. A alegria é a palavra de ordem do musical, mas é impossível não ficar triste enquanto refletimos sobre o quanto eles fazem falta. O que será que seria dos Mamonas Assassinas depois daquela exposição excessiva nos canais de televisão brasileiros?
Mas é preciso levar sempre em consideração que emocionar o público não é intenção do musical estrelado por Ruy Brissac (Dinho), Yudi Tamashiro (Bento), Adriano Tunes (Julio), Elcio Bonazzi (Samuel) e Arthur Ienzura (Sérgio). Explorando as canções do disco homônimo do Mamonas e homenageando figuras importantes do pop rock nacional, como Titãs, Legião Urbana e até Engenheiros do Havaii, o musical coloca o seu elenco (e os incríveis atores/dançarinos coadjuvantes) para literalmente suar a camisa com belas coreografias que mantém o olhar do público sempre atento. É muito divertido observar as “sub-tramas” que acontecem paralelamente ao texto principal, como as expressões da atriz Maria Clara Manesco ao ouvir um pagode ou fazer caras e bocas cavernosas com o som pesado; e principalmente com a hilária saga da garrafa de Whisky que vai passando de mão em mão (e bocas) durante uma sequência em que o Mamonas se apresenta para um grande produtor.
Quando pensamos em Mamonas é sempre a falta de noção das músicas de letras engraçadas e arranjos influenciados por Rush e Dream Theater que lembramos primeiro. Acabamos esquecendo (ou desconhecendo) que antes do sucesso, eles eram uma banda de rock progressivo sério com letras cabeça, no melhor estilo Ira! e Legião Urbana. É encantador conhecer uma nova faceta dos Mamonas e descobrir o quanto eles se “prostituíram” para realizar o sonho de viverem de música. Mais interessante ainda é saber que o baterista Sérgio foi o formador da banda e aquele que lutava para manter a essência de rock progressivo na carreira. Assistindo à famosa entrevista do Mamonas no programa do Jô Soares, dá para notar o semblante mais sério de Sérgio tentando explicar uma coisa ou outra.
O roteiro mescla o passado com o nosso presente. Dadas as circunstâncias de retratar a vida do Mamonas Assassinas é até permitido se deliciar com uma piada envolvendo Pokemon Go (que aliás, foi uma das grandes piadas da noite). Funciona também a metalinguagem como recurso de humor para transformar diálogos expositivos em motivo de risada. A figura de Samuel assume essa função. Nada mais justo, afinal ninguém realmente acredita que baixistas sejam pessoas com intelecto avançado – vide Quase Famosos, de Cameron Crowe.
Importante dizer que a biografia da banda é transformada numa história com começo, meio e fim. O elemento principal é a vontade deles tocarem no palco da principal casa de shows de Guarulhos, da rejeição e do momento em que o jogo virou e eles conseguiram tocar no lugar. Não antes de dar o troco no dono da casa de shows. Inclusive, esse momento retrata um raro momento de seriedade do Mamonas. Há um vídeo com parte do desabafo de Dinho incentivando o público a nunca desistir de seus sonhos. No palco do teatro se torna um belo momento.
A semelhança física do de Ruy Brissac com Dinho é arrepiante. Todas as vezes em que ele se aproximava da beiradinha do palco, eu tinha a impressão de estar realizando o sonho infantil de ver o Mamonas Assassinas ao vivo. E apenas por esse detalhe, eu já me sinto agradecido a toda a produção do musical. Foi uma verdadeira viagem ao passado. Direto para a época em que tudo girava em torno do “esquema escola-cinema-clube-televisão”.
O Musical Mamonas não é perfeito, e nem precisava. Com a função de entregar apenas uma boa história e prestar uma grande homenagem, a produção acerta em cheio ao nos fazer cantar todas as músicas e lembrar que tivemos a oportunidade de ouro de presenciar essa história sendo feita. A maioria de nós, trintões do bem que ficaram pra tios, viveu aquilo do começo ao trágico final, mas guardaremos sempre a lembrança das coisas boas que os Mamonas Assassinas nos ensinaram – como o que é uma suruba e tal.
Recomendado para qualquer pessoa que não tenha medo de ser feliz.
Foto: Carlos Costa