“Bate forte até sangrar a mão
Os tambores de minas soarão
Seus tambores nunca se calaram”.
Quando tudo era simples você parecia ir além. Parece que sabia que o mundo tinha mais preocupações que as vontades de adolescentes de cidade pequena. Admirava a facilidade com que interagia com o lado humano das pessoas. Eu sentia – e sabia – que você era tão mais coração que lógica; e maior que as convenções de vestuário e sentimentos. Inventava regras e se reinventava. A liberdade em seu estado nato.
Talvez você também estivesse atônita com tudo aquilo que o mundo poderia lhe proporcionar – como eu estava – mas não demonstrava um só segundo. Ou quem sabe estivesse a espera de algo novo, e sabia como ninguém abrir as portas pro que era diverso; uma visão mais esclarecida do que eu jamais vim a ter. E entre as lutas durante o caminho, declaradas ou veladas, sei que não houve um momento sequer que eu não visse em você uma porta bandeira do que há de mais verdadeiro nas ações de um ser humano.
Não me lembro bem quando percebi, pela primeira vez, o quanto Milton Nascimento passou a me lembrar seu modo de ser. Talvez por ele também ser verdadeiro com os sentimentos, com a vida. Ou talvez tenha um pouco a ver com aquele DVD do Ponto de Partida, que uma vez me emprestou; e a apresentação do grupo com participação do Bituca em nossa cidade, bem quando estava no intercâmbio, longe de tudo. Ou mesmo a calmaria das músicas em ressonância com seu estado de espírito. Só sei que hoje não tem como mais desvincular.
Desde os tempos da escola, quando o grupo de amigos foi se formando aos poucos, – e juro que só não saiu na coluna ainda pela dificuldade de expressar a importância de todos os membros – nossa amizade teve fases mais próximas e mais distantes, mas acho que nunca diminuiu. O próprio intercâmbio, as cidades diferentes depois dos 20, o trabalho, a faculdade…O sentimento cresce a taxas variáveis, mas sempre positivas, de forma acumulativa. Aposto que todos podemos contar nos dedos a quantidade de vezes que isso acontece.
Ouvir “Os tambores de minas” é buscar a presença, mesmo de longe, e contemplar a energia boa. Mas a Praça da Liberdade não vai a lugar nenhum. A Praça do Papa, o Paredão, o Parque Municipal. Tampouco os bares da vida ou a cumplicidade que se criou, mesmo afastados. Sempre tem o reencontro, a prosa difícil no início, fácil no final. Os amigos dos amigos, a cidade Drummondiana inteira e o bairro Campestre, pra lembrar do que foi e o que é.
O Milton escrevia pra Elis, mas de alguma forma escrevia pra você também. E é preciso ter manha. É preciso ter graça. É preciso ter sonho sempre. Sonhar nunca foi problema pra você, o rouxinol que deu voltas no mundo e voltou. Com essa estranha mania de ter fé na vida.
Fé cega e faca amolada.